(A Princesa que nunca sorriu - Vasnetsov Nesmeyana) |
“Quem tem Deuses nunca tem tédio.
O tédio é a falta de uma
mitologia.”
Fernando Pessoa
Sempre que canalizamos nossa energia contra as nossas
necessidades instintivas durante um longo período de tempo, ou somos obrigados
a servir a valores que nos são estranhos, o resultado é inevitável: sentiremos
tédio. Aquele sentimento de vazio, de falta de energia para realizar atividades
rotineiras, de frustração, inércia e insatisfação.
Atualmente, o trabalho realizado pela maioria das pessoas
caracteriza-se por ser extremamente repetitivo, monótono e condicionado à
ambientes artificiais. Até mesmo os profissionais liberais precisam se encaixar
em estreitos parâmetros de desempenho, que pouco levam em conta o valor, a
riqueza e a diversidade das almas individuais. Poderíamos dizer, inclusive, que
quanto mais bem sucedida a vida exterior de uma pessoa, quanto mais reconhecida
pela sociedade ela é, mais provável é que ela esteja se sentindo encurralada
por esse sucesso, prisioneira de inúmeras obrigações e expectativas que só
aumentam com o tempo.
O sucesso, tão almejado em nossa sociedade, pode
aprisionar consideravelmente a alma. E é justamente nos momentos de ápice das
nossas atividades que o tédio vem nos visitar, justamente naqueles momentos em
que experimentamos uma progressiva redução do entusiasmo pelo nosso trabalho,
ou uma ausência de vontade, desejo ou energia em seguir adiante.
Existe uma cobrança muito forte na nossa sociedade para que
sejamos produtivos o tempo todo. Precisamos render cada vez mais, e de forma
cada vez mais rápida. Somos definidos por aquilo que produzimos e, portanto,
nos sentimos humilhados ao nos percebermos improdutivos. Então, como atores
dedicados que somos, vestimos nossa Persona social e passamos a desempenhar o
papel, conforme as expectativas do público. Vamos tentando acelerar a vida. As
exigências são muitas, e o tempo nunca é o suficiente para dar conta de todas
elas. Naturalmente que haverá uma compensação.
À semelhança de outras emoções perturbadoras, como a raiva, o
medo ou a culpa, por exemplo, o tédio também traz com ele uma tarefa
psicológica que precisamos resolver, a fim de restaurar nosso equilíbrio.
Diante do tédio e da falta de energia criativa, precisamos reconhecer
honestamente que estivemos contrariando nossa própria natureza, e que a vida
pode ser muito mais simples do que nós supomos. Todos nós sabemos disso, mas às
vezes precisamos levar uma “chacoalhada” da vida para realmente encararmos com
seriedade esse assunto.
Nós possuímos recursos psíquicos importantes que podem nos
auxiliar nessa tarefa e que podem nos servir de guia na forma de conduzir a
vida: a função sentimento e o fluxo de energia vital.
O sentimento é uma função racional que promove uma análise
autônoma e qualitativa da vida. Essa função nos diz se alguma coisa está
correta ou não, adequada ou não. Da nossa parte, precisamos tornar conscientes
esses sentimentos que brotam do mundo interior, e então decidir se vamos agir
de acordo com eles. Infelizmente, a maioria de nós perdeu contato com esse
recurso e, freqüentemente, passamos por cima dele, justamente para sermos
produtivos. Por outro lado, o fluxo de energia vital é um guia poderoso para
pensarmos se as escolhas que estamos fazendo são, de fato, corretas para nós.
Ou seja, se o que estamos fazendo está correto, a energia está disponível.
Essa afirmação é tão verdadeira, que soa quase como um mantra que deveríamos
lembrar todos os dias ao acordar. Mas, freqüentemente canalizamos os nossos
sentimentos e a nossa energia para tarefas insípidas, porque somos
recompensados por isso e porque certamente sentiríamos vergonha se parássemos.
No entanto, a experiência do tédio vibra, e nos chama para
uma nova consciência. “Que tarefa estamos evitando?”, Carl Gustav Jung
costumava perguntar. E a resposta é simples: normalmente, estamos evitando
assumir a responsabilidade pela própria vida. Durante a infância, aprendemos
sobre nossa impotência, internalizamos as figuras de autoridade e também as
regras da sociedade. Mais tarde, na qualidade de “formigas operárias adultas”,
como disse o analista James Hollis, passamos a servir-lhes de forma eficaz.
Enfrentar esse arsenal interno provoca culpa e ansiedade, mas, por outro lado,
permanecer no tédio é optar pelo afastamento cada vez maior do nosso eu autêntico.
Precisamos ter em mente que a energia perdida é sempre
recuperável. Quando escolhemos servir aos desígnios da nossa alma, a energia
retorna e fica novamente disponível. A responsabilidade de viver a vida e o seu
chamado, com todas as suas exigências e implicações, continua a ser nossa. O
tédio é como se fosse um protesto da nossa alma, que remove toda nossa energia
criativa, porque ela não aprova a maneira como a estamos conduzindo. Podemos
até desprezar este sinal, mas é bem provável que os sintomas se intensifiquem.
Por mais desagradáveis que sejam, eles são advertências amigáveis cuja função é
transformar a nossa vida. Cabe a nós aceitarmos.
Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS
Fonte: HOLLIS, James. Os Pantanais da Alma: nova vida em
lugares sombrios. Coleção Amor e Psique. São Paulo: Paulus, 1998.
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