segunda-feira, 18 de setembro de 2017

O Tédio

(A Princesa que nunca sorriu - Vasnetsov Nesmeyana)



Quem tem Deuses nunca tem tédio.
O tédio é a falta de uma mitologia.
Fernando Pessoa


Sempre que canalizamos nossa energia contra as nossas necessidades instintivas durante um longo período de tempo, ou somos obrigados a servir a valores que nos são estranhos, o resultado é inevitável: sentiremos tédio. Aquele sentimento de vazio, de falta de energia para realizar atividades rotineiras, de frustração, inércia e insatisfação.

Atualmente, o trabalho realizado pela maioria das pessoas caracteriza-se por ser extremamente repetitivo, monótono e condicionado à ambientes artificiais. Até mesmo os profissionais liberais precisam se encaixar em estreitos parâmetros de desempenho, que pouco levam em conta o valor, a riqueza e a diversidade das almas individuais. Poderíamos dizer, inclusive, que quanto mais bem sucedida a vida exterior de uma pessoa, quanto mais reconhecida pela sociedade ela é, mais provável é que ela esteja se sentindo encurralada por esse sucesso, prisioneira de inúmeras obrigações e expectativas que só aumentam com o tempo.

O sucesso, tão almejado em nossa sociedade, pode aprisionar consideravelmente a alma. E é justamente nos momentos de ápice das nossas atividades que o tédio vem nos visitar, justamente naqueles momentos em que experimentamos uma progressiva redução do entusiasmo pelo nosso trabalho, ou uma ausência de vontade, desejo ou energia em seguir adiante.

Existe uma cobrança muito forte na nossa sociedade para que sejamos produtivos o tempo todo. Precisamos render cada vez mais, e de forma cada vez mais rápida. Somos definidos por aquilo que produzimos e, portanto, nos sentimos humilhados ao nos percebermos improdutivos. Então, como atores dedicados que somos, vestimos nossa Persona social e passamos a desempenhar o papel, conforme as expectativas do público. Vamos tentando acelerar a vida. As exigências são muitas, e o tempo nunca é o suficiente para dar conta de todas elas. Naturalmente que haverá uma compensação.

À semelhança de outras emoções perturbadoras, como a raiva, o medo ou a culpa, por exemplo, o tédio também traz com ele uma tarefa psicológica que precisamos resolver, a fim de restaurar nosso equilíbrio. Diante do tédio e da falta de energia criativa, precisamos reconhecer honestamente que estivemos contrariando nossa própria natureza, e que a vida pode ser muito mais simples do que nós supomos. Todos nós sabemos disso, mas às vezes precisamos levar uma “chacoalhada” da vida para realmente encararmos com seriedade esse assunto.

Nós possuímos recursos psíquicos importantes que podem nos auxiliar nessa tarefa e que podem nos servir de guia na forma de conduzir a vida: a função sentimento e o fluxo de energia vital.

O sentimento é uma função racional que promove uma análise autônoma e qualitativa da vida. Essa função nos diz se alguma coisa está correta ou não, adequada ou não. Da nossa parte, precisamos tornar conscientes esses sentimentos que brotam do mundo interior, e então decidir se vamos agir de acordo com eles. Infelizmente, a maioria de nós perdeu contato com esse recurso e, freqüentemente, passamos por cima dele, justamente para sermos produtivos. Por outro lado, o fluxo de energia vital é um guia poderoso para pensarmos se as escolhas que estamos fazendo são, de fato, corretas para nós. Ou seja, se o que estamos fazendo está correto, a energia está disponível. Essa afirmação é tão verdadeira, que soa quase como um mantra que deveríamos lembrar todos os dias ao acordar. Mas, freqüentemente canalizamos os nossos sentimentos e a nossa energia para tarefas insípidas, porque somos recompensados por isso e porque certamente sentiríamos vergonha se parássemos.

No entanto, a experiência do tédio vibra, e nos chama para uma nova consciência. “Que tarefa estamos evitando?”, Carl Gustav Jung costumava perguntar. E a resposta é simples: normalmente, estamos evitando assumir a responsabilidade pela própria vida. Durante a infância, aprendemos sobre nossa impotência, internalizamos as figuras de autoridade e também as regras da sociedade. Mais tarde, na qualidade de “formigas operárias adultas”, como disse o analista James Hollis, passamos a servir-lhes de forma eficaz. Enfrentar esse arsenal interno provoca culpa e ansiedade, mas, por outro lado, permanecer no tédio é optar pelo afastamento cada vez maior do nosso eu autêntico.

Precisamos ter em mente que a energia perdida é sempre recuperável. Quando escolhemos servir aos desígnios da nossa alma, a energia retorna e fica novamente disponível. A responsabilidade de viver a vida e o seu chamado, com todas as suas exigências e implicações, continua a ser nossa. O tédio é como se fosse um protesto da nossa alma, que remove toda nossa energia criativa, porque ela não aprova a maneira como a estamos conduzindo. Podemos até desprezar este sinal, mas é bem provável que os sintomas se intensifiquem. Por mais desagradáveis que sejam, eles são advertências amigáveis cuja função é transformar a nossa vida. Cabe a nós aceitarmos.


Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS


Fonte: HOLLIS, James. Os Pantanais da Alma: nova vida em lugares sombrios. Coleção Amor e Psique. São Paulo: Paulus, 1998.


sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Como andam seus relacionamentos?



Para além do romantismo, o sentido de uma relação amorosa é ser uma escola onde aprendemos sobre nós mesmos e sobre nossas concepções de amor e liberdade. A relação afetiva produz inevitavelmente uma série de situações que nos possibilitam conhecer e, portanto, remover possíveis obstáculos que nos impedem de amar e se relacionar de forma verdadeira com o outro.

Existem certas lições que nós só conseguimos aprender através das relações amorosas, porque elas são catalisadoras de todas as nossas feridas, de tudo aquilo que não está integrado em nós. Todo nosso passado é reeditado nesse cenário para que possamos ter a chance de integrá-lo, curando as feridas emocionais que ainda estão, de alguma forma, interferindo no nosso sistema psíquico-emocional. 

Por outro lado, embora o relacionamento amoroso seja um poderoso instrumento de autoconhecimento, ele também pode nos levar a uma espécie de sono. Nós podemos ficar presos em determinados padrões destrutivos, repetindo seus roteiros e andando em círculos, deixando de aprender e crescer.

Para que um relacionamento amoroso seja considerado saudável e maduro, para que exista amor, é preciso que ele esteja pautado na liberdade e no respeito à individualidade do outro.  Isso implica na ausência de sentimentos de poder, ciúmes e possessividade.  Jung costumava dizer que onde o poder predomina, há falta de amor, pois um é a sombra do outro.

Uma relação amorosa madura deve pressupor que o outro é uma pessoa livre, principalmente da necessidade de nos amar eternamente. Essa compreensão é a prova final de qualquer relacionamento, pois exige de nós um trabalho árduo em relação às nossas carências afetivas e emocionais mais profundas. É só dessa forma que nós conseguiremos ser de fato livres e deixar o outro livre.

Às vezes, ficamos tão cegos pelas nossas carências, que não conseguimos perceber nossa necessidade de estar só, ou não conseguimos perceber se nossas relações têm contribuído para o nosso crescimento. Mas, quando uma relação se torna eminentemente destrutiva, precisamos ter a coragem de olhar para isso de frente, encarar a verdade e o medo que sentimos de ficar sozinhos. Precisamos, acima de tudo, ser honestos com nós mesmos e com o outro.

Às vezes, também, mantemos um relacionamento para poder ter onde projetar nossos sonhos de príncipes e princesas encantadas. O outro passa a funcionar como uma tela na qual projetamos todos os nossos ideais de perfeição. Porém, quando essa pessoa quer deixar de ser essa tela, ou quando sentimos que nossas projeções não se sustentam mais, costumamos terminar a relação. Então ficamos procurando ansiosamente outras telas para poder continuar projetando nossos ideais, nossos sonhos. Outras vezes, passamos a exigir que o outro se torne um escravo dos nossos desejos, como uma prova do seu amor por nós.  Mas precisamos ter a consciência que isso não é amor. Isso é prisão, é estabelecer uma relação de poder com o outro.

Precisamos sempre nos perguntar os motivos que nos mantém em uma relação. Não devemos ter medo de sermos honestos. Se os nossos relacionamentos são baseados no amor, na liberdade, no crescimento e no aprendizado mútuos, sigamos em frente. Do contrário, tenhamos a coragem de olhar para tudo o que nos mantém presos à essas relações, dando os passos necessários para a nossa expansão e amadurecimento.


Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS



Ref: BABA, Sri Prem. Seu relacionamento amoroso tem feito você crescer? Disponível em https://www.sriprembaba.org/.../seu-relacionamento-amoroso-tem-feito-voce-crescer. JUNG, Carl Gustav. Presente e Futuro. Obras Completas. Vol. X. Petrópolis: Vozes, 1999. 

terça-feira, 12 de setembro de 2017

POR QUE AS PESSOAS FALAM TANTO? (ou Os Cinco Tipos básicos de Surdos)




Certa vez a jornalista Eliane Brum disse que nós vivemos em um mundo de “surdos sem deficiência auditiva”, já que a maioria das pessoas se preocupa mais em falar, do que escutar. E, o pior, se preocupam apenas em falar sobre si mesmas.


Se pararmos para analisar, muito daquilo que se diz em uma conversa, não precisaria realmente ter sido dito. Na verdade, procuramos preencher todos os espaços possíveis com uma torrente de palavras, na tentativa de fugir ou esconder o medo que temos do silêncio e, certamente, com a possibilidade de nos encontrarmos com o nosso mundo interior e com a realidade do outro que está ali na nossa frente.



Eliane fez uma listagem, bastante divertida até, dos cinco tipos básicos de surdos que ela detectou ao observar as pessoas em uma conversa. Eis aqui:

Tipo 1: aqueles que literalmente falam. Emendam um assunto no outro e quase não respiram. 

Tipo 2: aqueles que falam e falam e, de repente, percebem que deveriam perguntar alguma coisa a você, por educação. Perguntam. Mas quando você está abrindo a boca para responder, já enveredaram para mais algum aspecto sobre o único tema que conhecem: eles mesmos. 

Tipo 3: aqueles que fingem ouvir o que você está dizendo. Você até consegue responder. Mas, quando coloca o primeiro ponto final, percebe que não escutaram uma palavra do que você disse. De imediato, eles retomam do ponto em que haviam parado. E não há nenhuma conexão entre o que você acabou de dizer e o que eles começaram a falar.

Tipo 4: aqueles que ouvem o que você diz, mas apenas para mostrar em seguida que já haviam pensado nisso ou que sabem mais do que você. (o que é só mais um jeito de não escutar).

E, por fim, o Tipo 5: aqueles que só ouvem o que você está dizendo para rapidamente reagir. Enquanto você fala, ficam em busca de argumentos para demolir os seus e vencer a discussão. A ideia é ganhar. Para eles, qualquer conversa é um jogo em que devem sair vitoriosos. E o outro, de preferência, massacrado. Só conhecem uma verdade, a sua. E não aprendem nada, por acreditarem que ninguém está à altura para lhes ensinar algo.


Esses são apenas alguns tipos que ela conseguiu encontrar, certamente deve haver outros por aí. Também podemos pensar em um mix das várias modalidades em uma mesma pessoa, ou até em nós mesmos. Será que já paramos para pensar sobre isso?

O fato é que nós vivemos em um mundo barulhento, povoado por faladores compulsivos. E um mundo assim é solitário, restrito e muito chato. 

Façamos o nosso mea culpa!


Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS