sábado, 9 de julho de 2016

O complexo de poder






Os complexos são imagens ou idéias carregadas de emoção, presentes no nosso inconsciente, que se formaram a partir de experiências emocionais significativas que tivemos na nossa vida. Toda vez que uma determinada experiência toca em algum complexo, eles invadem a nossa consciência nos fazendo agir de forma desproporcional ao fato em si, prejudicando a nossa adaptação criativa às situações. O que os torna nocivos ou prejudiciais é quando nos tornamos cegos diante deles e passamos a agir sem a devida consciência dos nossos atos.

Para Jung, um dos complexos mais presentes é o complexo de poder, que aparece na forma como lidamos com o dinheiro, reconhecimento e as relações interpessoais. Este complexo nos leva a pensar e agir unicamente em nosso próprio benefício, sujeitando tudo à nossa vontade. Nos sentimos o poder em pessoa, e passamos a agir assim em relação a tudo e a todos. O dinheiro, as posses e o consumo surgem como um meio de satisfação de nossos desejos e alimentam a idéia de superioridade característica.

O complexo de poder é bastante alimentado pela visão de mundo do homem moderno. Como diz Mia Couto, poeta e escritor Moçambicano, “Somos uma sociedade obcecada pelo poder. Tudo tem uma leitura política, o mais pequeno detalhe é uma definição de hierarquias. Quem chega primeiro à reunião, onde se senta, quem não comparece, com que carro chegou, quem se faz acompanhar, tudo isso são sinais de poder”. Colocamos a razão, o pensamento e os valores do ego acima de todas as coisas e, por negarmos os mistérios inerentes à vida e à natureza, buscamos no materialismo e no consumismo uma forma de suprir nosso vazio existencial e nossas inseguranças.

Surgem como conseqüência o individualismo e o narcisismo. A incapacidade de se preservar as relações humanas, a falta de interesse pelo próximo e a exaltação do dinheiro, fruto da necessidade imperiosa por poder e superioridade, impedem a prática do altruísmo e da solidariedade humana. Como o poder está voltado unilateralmente para nós mesmos, deixamos de reconhecer no outro aquilo que ele tem de único e particular. Desse modo, o poder promove relações baseadas, sobretudo, na dominação, já que o envolvimento afetivo genuíno e criativo com o outro é rechaçado pelo desejo de poder.

Podemos tomar como exemplo da manifestação desse complexo a história de Fausto. Fausto é um personagem inspirado na vida do nebuloso Dr. Faust, que teria vivido na Alemanha no século XV, e que inspirou inúmeras obras. Foi escrito por Goethe (1749-1832) numa época em que o capitalismo ainda estava em seu estágio inicial. Fausto era uma pessoa dotada de vasto conhecimento e erudição, mas era incapaz de suprir um sentimento de vazio que o atormentava. Foi quando o diabo, na figura de Mefistófoles, lhe propôs que vendesse sua alma em troca de poder, prazeres e riqueza. Fausto consentiu e foi tomado por um ímpeto por progresso e desenvolvimento, que deveriam ser alcançados a todo custo. Um de seus últimos projetos foi o desejo de represar o mar e se apossar da força de suas ondas, cujo incessante movimento parecia-lhe um desperdício de energia. Antes que esse ambicioso projeto estivesse terminado, Fausto fica cego e morre ao som ininterrupto de máquinas e engrenagens que cavavam sua sepultura.


Fausto e Mefistófoles


O que aconteceu com Fausto acontece com todos nós, filhos dessa sociedade dita moderna, que no afã de ganharmos e consumirmos cada vez mais fechamos os olhos para nós mesmos e para tudo aquilo que está ao nosso redor. Cegos como Fausto, buscamos aliviar ou fugir de nossas aflições interiores através de satisfações e prazeres mundanos. Por isso, podemos considerar que Mefistófoles foi a manifestação de um poderoso complexo de poder que se apossou da personalidade de Fausto, levando-o a agir sem que ele tomasse consciência dos seus atos. Como Jung dizia, os complexos são também os nossos demônios interiores.

Portanto, por trás da busca desenfreada por fortuna e poder, onde somos levados a acreditar que somos tudo aquilo que o dinheiro pode comprar, está a ignorância da nossa própria sombra, uma cegueira ou inconsciência em relação aos nossos próprios complexos, que no caso da vontade de poder, escondem uma fraqueza interior, um vazio existencial e o medo de não sermos capazes.



Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS


Fonte: Yabuschita, Fábio Massao. The Dark Side of The Moon, a obra-prima do Pink Floyd segundo a Psicologia Junguiana. Editora Dracaena.









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