sábado, 30 de julho de 2016

As Etapas da Vida






Falar dos problemas envolvidos nas diferentes etapas da vida de todos nós é uma tarefa bem difícil, porque isso significa nada menos do que traçar um quadro de toda nossa existência psicológica, desde o berço até a hora da morte. E, por ser assim, só é possível em linhas mais gerais. No entanto, Jung fez uma bela e poética comparação da nossa vida e de suas transformações com o curso diário do Sol, como se fosse a trajetória da vida de uma pessoa.

Imagine que os 180 graus do arco do Sol, ou seja, o caminho que ele percorre no céu, desde o amanhecer até o entardecer, componham os 180 graus do arco da nossa vida.  Jung dividiu essa trajetória em quatro partes:

A primeira parte, ou o primeiro quarto, é a infância. O Sol se eleva do mar noturno do inconsciente e olha para a vastidão do mundo colorido. Esse movimento equivale ao despertar da consciência nas crianças pequenas. Quando uma criança passa a reconhecer alguém ou alguma coisa é quando ela começa a desenvolver a consciência sobre si mesma e também sobre o mundo que a cerca. Esse processo é lento e vai se consolidando aos poucos. De forma gradativa, vamos construindo um senso de eu mais sólido e uma subjetividade própria. Nessa fase ainda não existem problemas conscientes. Dependemos inteiramente dos nossos pais e nos encontramos inteiramente mergulhados na atmosfera emocional deles. Na verdade, a nossa complexa psicologia é que constitui um problema de primeira grandeza para eles. São os nossos pais que resolvem os nossos problemas, nós ainda não temos sequer consciência deles.

Os nossos problemas conscientes, na verdade, começam a surgir no segundo quarto da trajetória do Sol, quando inicia a puberdade e começam as primeiras manifestações da sexualidade adulta. Nessa fase, começamos a nos diferenciar e a nos separar de forma consciente dos nossos pais.  As mudanças fisiológicas do corpo acentuam de tal forma a afirmação do próprio eu, que este acaba se impondo de forma desmedida. E é esse o motivo pelo qual essa fase ser bastante conhecida como os “anos difíceis” da adolescência. Nossos problemas surgem, na maior parte das vezes, em função de uma resistência feroz ao nosso próprio crescimento e amadurecimento. Alguma coisa lá dentro quer permanecer a criança inconsciente ou, quando muito, apenas consciente do próprio ego e das próprias vontades. No entanto, a vida vai exigindo de nós a construção de bases mais sólidas: precisamos nos afirmar no mundo, escolher e desenvolver uma atividade profissional, casar, ter filhos, etc. E, diante de todas essas exigências, precisamos nos confrontar com as nossas suposições infantis sobre a realidade e sobre nós mesmos.

Então adentramos no terceiro quarto da trajetória do Sol, ou da nossa vida. De forma geral, estamos com toda força: conseguimos superar as dificuldades da adolescência e conseguimos alcançar muitos dos nossos objetivos. Estamos adaptados à sociedade e às suas formas da existência e sentimos que possuímos princípios e ideais sólidos que nos guiarão até o fim da nossa vida. Assim como o Sol, quanto mais nos elevamos, mais amplo o mundo se torna para nós, mais nos expandimos e mais recebemos suas recompensas, que são os frutos de todos os nossos esforços dirigidos. Nosso objetivo supremo é chegar cada vez mais alto, num processo de expansão permanente.

No entanto, quando o Sol chega ao zênite, mais precisamente ao meio dia, no ponto máximo da sua expressão, ele começa lentamente a declinar, a recolher para dentro de si seus próprios raios, em vez de emiti-los. Ou seja, quando nos aproximamos do ápice da nossa existência, no meio da vida - o que ocorre por volta dos 50 ou 55 anos - começa a se preparar em nosso interior uma nova transição importante. Nosso corpo começa a dar os primeiros sinais do envelhecimento, e toda aquela força e energia que tínhamos a nossa disposição para a expansão e conquistas exteriores, parece que agora começam a se voltar para dentro, para a expansão das questões interiores, subjetivas. Surge o questionamento sobre o sentido da vida e sobre a realidade concreta da morte.

É uma fase extremamente difícil, pois diante dessas circunstâncias contamos com pouca ou nenhuma ajuda. Na verdade, todos nós chegamos completamente despreparados nessa fase da vida. Nossa sociedade, ao contrário do que acontece na passagem da adolescência para a idade adulta, não dispõe de nenhum rito de passagem, nenhuma universidade, ou qualquer outra coisa que nos prepare para essa transição. Muito pelo contrário, o que existe é uma supervalorização dos aspectos da juventude. E o que acaba acontecendo é que, muitas vezes,  investimos todos os nossos esforços no sentido de prolongar a juventude para além daquilo que é possível. Passamos a temer a velhice que se aproxima e nos voltamos desesperadamente para o passado, assustados diante da segunda metade da vida e das tarefas, sacrifícios ou perdas que, na nossa imaginação, teremos que enfrentar. No entanto, a tarefa inevitavelmente se impõe, e teremos que desenvolver firmeza e paciência para suportar esta passagem, nos colocando em estado de receptividade para o aprendizado maior sobre o significado de nossa existência.

Por fim, apesar de todos os percalços e se tivermos esta benção, chegaremos à quarta e última fase do arco da nossa vida. Entraremos na extrema velhice, retornando àquela situação em que voltamos a ser uma espécie de problema para os outros. Já muito velhos, vamos mergulhando novamente naquele estado inconsciente no qual estávamos imersos e do qual nasceu a nossa consciência nos primeiros anos da infância. Assim como o Sol, nossa luz e nosso calor vão diminuindo de forma gradativa até que, por fim, se extinguem. E o ciclo da nossa existência finalmente se completa.

Como o Jung diz, "não devemos esquecer que só bem pouquíssimas pessoas são artistas da vida, e que a a arte de viver é a mais sublime e a mais rara de todas as artes." 



Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS 



Ref: Jung, Carl Gustav. A Natureza da Psique. Obras Completas. Petrópolis: Vozes, 2012.



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