Assim como a mãe, a imagem do pai possui um poder
extraordinário. Ela tem uma participação fundamental na nossa vida e na
estruturação da nossa personalidade, pois seu papel está diretamente ligado ao
desenvolvimento da consciência e da razão. A reflexão sobre essa imagem nos
leva às energias criativas ou destrutivas; o pai é um princípio ativador,
estimulante e inspirador da consciência e da própria vida.
A necessidade do pai é fundamental para todos nós, é uma
necessidade arquetípica. Sendo assim, antes mesmo de existir a figura concreta e
humana do pai, a idéia de pai já está presente no inconsciente coletivo da
humanidade. Como acontece com os animais, existem nos humanos certos
comportamentos instintivos que são pré-determinados e esperam o momento
propício para se colocar em ação. Da mesma forma que os instintos comandam
nossos comportamentos, existem fenômenos que governam nosso modo de pensar e
sentir: os arquétipos. Os arquétipos são pré-disposições inatas para certas
experiências que vão ser vivenciadas e humanizadas por meio das relações
pessoais.
Como Jung diz, nós não nascemos uma tabula rasa, apenas
nascemos inconscientes. Todos nós estamos pré-condicionados a
encontrar um pai (e uma mãe) ao nosso redor. Trazemos em nós este arquétipo. E
é por isso que essa imagem desempenha tamanho fascínio e importância sobre o
nosso psiquismo quando somos crianças. Por trás do pai, existe o arquétipo do
pai, e o nosso pai pessoal é apenas o mediador de uma imagem muito maior.
No nível pessoal, a transição do arquétipo da mãe para o
arquétipo do pai é bastante significativa. Nos primeiros meses de vida, mãe e
criança estão em perfeita simbiose, formam uma unidade psicológica, onde
predomina na criança o estado inconsciente. Para a criança, não existe
diferença entre o mundo exterior e mundo interior, o eu e o outro são sentidos
como algo único e inseparável. A vida não é medida pelo tempo, mas regulada
pelas suas necessidades instintivas. Mais tarde, quando começa a ficar de pé,
passa a ver o mundo sob outra perspectiva, a vertical, e ao passar da
horizontalidade para a verticalidade começa a operar o arquétipo do pai.
O pai é o primeiro ‘estranho’ que a gente encontra ao sair
do estado de simbiose com nossa mãe. Pela sua simples presença, o pai impõe um
elemento de diferenciação e dá início ao movimento de separação entre a mãe e a
criança. O fim dessa fusão emocional marca o nascimento da consciência no filho
e lança as bases para a construção de sua identidade. O pai vai ser o agente
capacitador do processo de auto-afirmação da criança como sujeito e da sua
capacidade de se de se defender e explorar o meio ambiente com segurança.
Quando o sujeito não teve a oportunidade de ter essa experiência mediada por um
pai pessoal, ou seu substituto, ele se sentirá extremante vulnerável e incapaz
de lidar com as crescentes demandas da vida, e de aceitar os desafios do medo e
da solidão. Permanecerá para sempre como um “filho eterno”, identificado com
sua mãe, em fusão com o próprio inconsciente e, portanto, sem acesso à sua
individualidade.
Esse processo se repetirá em novas bases quando, no
futuro, o indivíduo precisar fazer a passagem do mundo da família para o mundo
da sociedade. Nesse sentido, o arquétipo ou a imagem paterna também está
associado com a questão da autoridade. Nenhum de nós pode se desenvolver por
completo em nossa própria verdade sem encontrarmos uma autêntica autoridade
interna. Por essa razão, o processo de desenvolvimento emocional nos obriga a
buscar alguma forma de sobrepujar a autoridade externa, seja ela modelada pelos
pais pessoais, pela cultura ou por alguma divindade.
Um sentimentalismo em relação à família e à tradição deixa
passar despercebido o fato de que o nosso desenvolvimento psicológico exige
certa revolução, certa transcendência perante à autoridade externa, para que se
possa chegar à autoridade interna. Se formos olhar para a origem e evolução dos
deuses na Mitologia Grega, veremos que há uma relação de hierarquia e conflito
entre pais e filhos, que é ilustrada por três gerações de deuses encabeçadas
por Urano, Cronos e Zeus, em que o filho sempre destrona o pai e toma o seu
lugar. O mito nos mostra que essas revoltas contra a autoridade são a única
maneira pela qual uma nova autoridade pode ser encontrada ou um novo tempo pode
ser firmado, trazendo a renovação da antiga cultura e da tradição.
No entanto, é justamente nesses momentos que o arquétipo
paterno mostra o seu lado sombrio. E como novamente nos mostra o mito, no qual
Urano, Cronus e Zeus por medo de serem destronados, devoram os próprios filhos,
a energia arquetípica criadora do pai também pode se transformar em uma força
que impede toda e qualquer tentativa de auto-afirmação do filho, seja por sua
ausência emocional ou física, ou por ser extremante autoritário e opressor, ou
por nutrir, de fato, uma discreta inveja dos talentos do filho.
Assim, a imagem paterna possui, como todos os arquétipos,
dois lados. O pai dá poder e/ou castra, autoriza e/ou tiraniza, protege e/ou
destrói. Sempre que estivermos lidando com questões de autoridade pessoal, com
nossa própria capacidade ou impotência, sempre que estivermos servindo à uma
imagem divina ou questionando sua relevância para nossa vida real, estaremos
lidando com o arquétipo do pai em nós. Sempre que procuramos a proteção ou a
destruição do outro, que impusermos nossa autoridade sobre alguém, que
transmitirmos uma mensagem de capacitação ou incapacitação, estaremos
“paternando”, ou seja, exercendo o papel de pai, independente do nosso sexo ou
da nossa intenção.
O pai é uma metáfora para uma energia muito poderosa e
atuante que existe dentro de cada um de nós. O pai promove a nossa
independência, a nossa capacidade de discriminação e compreensão do mundo e
interrompe o que até então era natural para instaurar o deliberado, o
escolhido, o consciente. No entanto, convém lembrar, o pai pessoal é
apenas o mediador dessa energia poderosa e, como nós, é apenas o filho de outra
pessoa, de outro pai. Ele é finito, frágil e tão cheio de medo quanto qualquer criança. E por
ser assim, também é “merecedor de amor, indulgência, compreensão e perdão”,
como o próprio Jung disse.
Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS
Atende em Porto Alegre/RS
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