Essa é uma conhecida frase de Carl
Gustav Jung que circula bastante pelas redes sociais. Mas o que ela quer dizer exatamente? Acredito que a melhor maneira de
entendermos o seu significado é através do Mito de Édipo, um dos mais famosos
da antiga Grécia.
Édipo, que não sabia ter
sido criado por pais adotivos, consultou o oráculo de Delfos, que lhe previu
estar destinado a matar o pai e a casar-se com sua mãe. A fim de evitar a
tragédia, ele resolve fugir. Durante a fuga, envolve-se em uma briga na
estrada, e sem saber, mata Laio, o seu verdadeiro pai. Mais tarde, em Tebas,
Édipo se defronta com a Esfinge que vinha devastando a região, e resolve o
enigma que ela propôs, salvando as pessoas dessa terrível ameaça. Como
recompensa pela sua astúcia e inteligência, torna-se rei e se casa com a Rainha
Jocasta, viúva de Laio e sua verdadeira mãe. Quando descobre a verdade, Édipo
lamenta o ocorrido e arranca seus próprios olhos e, por fim, atira-se em uma
fenda que se abre na terra, consumando-se assim sua tragédia.
O
Mito de Édipo se tornou famoso pela importância que lhe foi
atribuída por Freud no séc.XIX e na formulação teórica do complexo que recebe o
mesmo nome – o Complexo de Édipo. De acordo com a visão freudiana, o mito
mostra o conjunto de desejos amorosos e hostis que uma criança
experimenta em relação aos seus pais e que desempenham um papel fundamental na estruturação da personalidade e na
orientação do desejo humano. Mas não vou me deter aos detalhes da
teoria freudiana, até por que meu objetivo aqui é falar do Mito de Édipo a
partir de uma perspectiva diferente.
Do ponto de vista
da Psicologia Junguiana, o Mito de Édipo adquire outros contornos. E dele podemos tirar uma importante lição, talvez ainda mais significativa que
a freudiana e que nos remete ao nosso racionalismo e materialismo.
No transcorrer da
história humana, o homem tem feito tentativas heróicas no sentido de se
libertar dos domínios de sua natureza animal. Em função disso, passou a
supervalorizar alguns aspectos da vida, como a razão, a consciência e a objetividade, em detrimento de outros, considerados inferiores, como as paixões
e as emoções.
Porém, como diria Jung,
a vida, assim como a Esfinge, tem seus mistérios. Decifra-los não é apenas
tarefa da razão, como bem pretendeu Édipo. Precisamos compreender que não cabe
apenas ao intelecto extrair o significado da vida, mas há outros fatores que
não se explicam lógica e racionalmente e que compõem o nosso lado mais
irracional, instintivo e criativo.
Vivermos nossa vida
unicamente centrada nos valores da razão e nas preocupações do nosso ego limita
a expressão de toda riqueza e potencial que trazemos dentro de nós. Nos aliena
dos significados vivos que brotam da nossa natureza mais inconsciente e nos faz
viver uma vida estéril, rígida, unilateral e sem um sentido, ou significado
simbólico mais profundo. O destino fatídico de Édipo.
A vida simbólica, a
sensibilidade e receptividade ao irracional, intuitivo e imaginativo da vida é
necessária para o nosso desenvolvimento e equilíbrio psicológicos. Se Édipo
tivesse considerado a profecia do Oráculo simbolicamente em vez de considera-la
ao “pé da letra”, e se tivesse olhado pra dentro de si mesmo em vez de mudar
sua geografia externa, poderia ter evitado o seu destino cruel, tanto no nível
literal quanto no simbólico. Poderia,
por exemplo, ter encarado o fato de “matar o pai” como uma advertência para
controlar melhor suas ações impulsivas, seu temperamento, seu orgulho e
arrogância juvenil diante de tudo e de todos. Poderia ter explorado sua
tendência para “casar com a mãe”, como um símbolo de sua necessidade regressiva
de buscar superproteção, permanecendo infantil e imaturo. Diante destas
horríveis premonições, um Édipo moderno poderia ter procurado ajuda
profissional, evitando essas atrocidades.
Às vezes temos a
impressão de que a vida nos trapaceia e nos faz passar por papéis ridículos.
Mas não é a vida (ou a Esfinge) que nos enganou, mas as nossas próprias
ilusões, criadas pelo nosso pensamento, que nos fazem acreditar que a vida é
uma sucessão de fatos em ordem crescente de hierarquia que nos levarão um dia à
perfeição dos deuses ou à felicidade plena.
Porém, como disse Jung, nós não viemos ao mundo para sermos felizes,
perfeitos ou bons, mas para ampliarmos nossa consciência.
No
entanto, precisamos encarar o fato de que não há despertar de consciência sem
dor.
O sofrimento é parte
fundamental da vida e condição indispensável para o nosso amadurecimento. Sem
ele permaneceríamos inconscientes, infantis e dependentes. Se não formos
capazes de contemplar o sofrimento e de entender sua finalidade, permaneceremos
para sempre fugindo, ou negando, ou assumindo o papel de vítimas, como Édipo
fez.
Se
pararmos para olhar o caminho trilhado por Édipo, fugindo do seu destino e
reencontrando-o novamente para dolorosamente cumpri-lo, veremos que ele acaba
por dar uma volta completa num círculo, chegando ao ponto exato de onde partiu.
Édipo nos ensina que quanto mais tentamos fugir, quanto mais evitamos de
encarar as nossas emoções e as tarefas que precisamos cumprir nesta vida, mais
próximos estamos de nos encontrar com elas, e da pior forma. Como nos alertou
Jung na sua famosa frase: “tudo aquilo a que você resiste, persiste”.
Por
Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS
Psicóloga - CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS
Referências: CHEVALIER,
Jean. GHEERBRANT. Alain. Dicionário de Símbolos. 16 ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 2001. JUNG,
Carl Gustav. Símbolos da Transformação: análise dos prelúdios de
uma esquizofrenia. Vol.V. Obras Completas. 6 ed. Petrópolis: Vozes, 2008. NICHOLS,
Sallie. Jung e o Tarô, uma jornada arquetípica. São Paulo: Cultrix, 1997. YABUSCHITA, F. Massao. The Dark Side of
The Moon, a obra prima do Pink Floyd segundo a Psicologia Junguiana. Içara/SC:
Editora Dracaena, 2012.
Os gregos antigos eram bem trágicos... Mas, baseando-me no que costuma ensinar o Augusto Cury, eu diria que Edipo não soube escrever sua História. Faltou diálogo consigo mesmo para poder adquirir algum controle sobre suas escolhas e emoções. De fato, poderia ter procurado terapia e compreendido a si próprio como ensinava o Oráculo de Delfos.
ResponderExcluirIsso mesmo Rodrigo! Grata pelo comentário! Abraços
ExcluirAugusto Cury tem alguma relação com Jung? Ou Meditação?
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