O Nascimento de Vênus de Sandro Botticelli (1484–1486) |
Os artistas e
escritores da Renascença foram os principais responsáveis pelo resgate dos
valores artísticos, filosóficos, científicos e culturais dos antigos gregos e
romanos. Essa atitude contribuiu muito para a formação cultural do Ocidente. Os
deuses gregos antecederam e influenciaram quase todos os símbolos religiosos da
cultura judaico-cristã, assim como a arte e a literatura. Não há quem não tenha
viva em sua memória, por exemplo, a imagem do Nascimento de Vênus de Botticelli,
ou de outras obras importantes deste período.
Hoje, os deuses gregos ainda permanecem como a
imagem que melhor representa e descreve a natureza humana, a natureza de nossa
psique, com todos os seus impulsos ambivalentes e contraditórios. No entanto,
esse conhecimento apenas recentemente começou a ser estudado por meio da
psicologia moderna, que retorna aos antigos mitos e aos deuses pagãos para
compreender o comportamento humano.
Mas, o que é mito, na verdade? Se formos olhar no dicionário, encontraremos
várias definições para a palavra mito. Uma delas nos diz que o mito é uma
estória não verdadeira. De fato, nós sabemos que até hoje ninguém encontrou os
restos mortais de nenhum deus grego, como Hércules ou Édipo, por exemplo. Mas
aquilo que não é real em termos concretos pode ser absolutamente verdadeiro no
nível emocional, psicológico ou subjetivo.
O homem antigo dava sentido ao mundo através dos
mitos. Armstrong em seu livro Breve História do Mito nos diz que essas
estórias ajudavam as pessoas a encontrar sentido em suas vidas, além de revelar
regiões da mente humana que de outro modo permaneceriam inacessíveis. Sendo
assim, eles faziam uma ponte ou uma mediação entre a vida consciente e
inconsciente. Era como se fosse uma forma inicial de psicologia.
“As histórias de deuses e heróis que descem às profundezas da terra, lutando contra monstros e atravessando labirintos, trouxeram à luz os mecanismos misteriosos da psique, mostrando as pessoas como lidar com as crises íntimas”, conta ele.
Então, quando Freud e Jung iniciaram a moderna
investigação da alma, voltaram-se instintivamente para a mitologia clássica
para explicar suas teorias, dando uma nova interpretação a estes velhos mitos.
As imagens míticas são na realidade representações
espontâneas, fruto da imaginação do homem, que descreve em linguagem poética,
metafórica ou simbólica suas experiências fundamentais e os padrões do seu
desenvolvimento. Jung usou a palavra arquétipo para descrever esses
padrões, que são universais e existem em todas as pessoas de todas as
civilizações e culturas, em todos os períodos da História.
O nascimento, por exemplo, é uma experiência
arquetípica. No plano concreto isto é obvio, pois todos viemos ao mundo em
algum momento. Porém, o nascimento também é uma experiência psicológica, pois
toda vez que começamos algo novo, ou entramos numa nova fase da vida, existe o
sentido do nascimento. Essa experiência implica em determinados estados
subjetivos, pois nascer significa abrir mão do conforto do útero materno, tanto
em um nível físico como psicológico. E, então, nesse momento, nos encontramos
com Dioniso, o deus misterioso chamado de O Que Nasceu Duas Vezes.
A morte também é uma experiência arquetípica, pois
com certeza todos iremos morrer algum dia. No entanto, a morte também é
psicológica, pois a nossa natureza e a natureza da própria vida é a
impermanência. Cada vez que terminamos alguma coisa ou que alguma coisa
importante em nossa vida se encerra, existe o sentido da morte. Então, nesse
momento nos deparamos com o sombrio deus Hades, o senhor das Trevas.
A puberdade, outro exemplo, também é arquetípica.
Todos nós passamos pelas profundas transformações físicas e emocionais dessa
fase da vida. Mas nós ainda podemos fazer essa mesma passagem, em um nível interno
e subjetivo, várias vezes durante toda a vida, cada vez que mudamos de um ponto
infantil e inocente para uma postura mais desafiadora e madura com relação à
vida. E então, nesse momento, nos colocamos diante de Perséfone, filha da Mãe
Terra Deméter, e do mito que conta a história de seu rapto pelo deus Hades.
E assim, eu poderia citar diversas outras situações a que todo ser humano se depara ao
longo de sua vida, como o casamento, a gravidez, o envelhecimento, etc.
Experiências e situações comuns a todos nós e que são decorrentes da nossa
condição humana.
Apesar de
sermos os atores singulares de nossa própria história, trazemos uma herança
dentro de nós. Os mitos nos recordam essa herança, nos lembram que outras
pessoas já passaram pelo mesmo caminho que estamos trilhando e que nos deixaram
algumas pistas de como poderemos continuar. Isso não irá nos eximir do
sofrimento e da dificuldade, mas nos dará um sentido, uma forma de enfrentar e
suportar estes mesmos conflitos.
Sendo assim,
todo mito é de alguma forma uma tomada de consciência sobre nós mesmos, sobre nossa condição humana e sobre o nosso processo
de vida. Os mitos nos permitem
olhar a vida com toda sua riqueza de experiências através de outra perspectiva,
pois sua função primeira é nos ensinar.
Os mitos surgem como uma forma de expressar aquilo que desconhecemos em nós
mesmos: a nossa realidade arquetípica fundamental.
Como
nos diz Joseph
Campbell, mitólogo que tem mais de 20 obras publicadas sobre a importância dos
mitos para a humanidade:
“A mitologia é a canção do universo – música que nós dançamos mesmo quando não somos capazes de reconhecer a melodia”.
Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS
Atende em Porto Alegre/RS
Fontes: Armstrong,
K. Breve História do Mito. São Paulo: Cia das Letras, 2005. CAMPBELL, Joseph & MOYERS, Bill. O poder do mito. 1990.
SHARMAN-BURKE, Juliet & GREENE, Liz. O Tarô Mitológico. São Paulo: Arx/Siciliano, 2003. ULSON,
Glauco - O método Junguiano. Série Princípios. São Paulo: Ática, 1995.
Maravilhoso, Melissa!
ResponderExcluirObrigada Inaê!!! Bjs
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