A Obra prima do Pink Floyd segundo a Psicologia Junguiana
(parte 7)
ECLIPSE
Tudo o que você toca
Tudo o que você vê
Tudo o que você prova
Tudo o que você sente
Tudo o que você ama
Tudo o que você odeia
Tudo o que você desconfia
Tudo o que você salva
Tudo o que você dá
Tudo o que você negocia,
Tudo o que você compra, mendiga ou rouba
Tudo o que você cria
Tudo o que você destrói
Tudo o que você faz
Tudo o que você fala
Tudo o que você come, todo mundo que você encontra
Tudo o que você despreza, todo mundo com quem você
luta
Tudo o que é agora, tudo o que passou e tudo o que
está por vir
E todas as coisas estão em harmonia sob o Sol,
Mas o Sol é eclipsado pela Lua.
A música Eclipse retoma os temas abordados ao longo do disco com um novo e
surpreendente final. Ela aborda as experiências e aspectos da vida que têm
relação com a personalidade consciente, com o ego, mas que têm origem no
inconsciente.
Assim,
os primeiros versos da música, tudo o que você toca, vê, prova e sente, se
referem às quatro funções da consciência: Sensação (o que você toca),
Pensamento (o que você vê), Sentimento (o que você prova) e Intuição (o que
você sente).
Nascemos
com todas estas funções em potencial dentro de nós, mas desenvolvemos apenas uma
delas, mais do que todas as outras. A função que a gente desenvolve melhor se
tornará a nossa função principal. Assim, cada indivíduo tem uma função
dominante que vai influenciar o seu modo de perceber o mundo e de se relacionar
com os outros e consigo próprio.
Quem
tem a função sensação como principal prioriza os sentidos como maneira de se
orientar e foca sempre o aspecto concreto daquilo que é percebido. A função
sensação percebe que algo existe pelo gosto, cheiro, cor, forma, etc.
Se a
função sensação diz que algo existe, a função pensamento interpreta e conceitua
aquilo que se apresenta. Quem tem a função pensamento como principal prima pela
razão e pela lógica dos fatos, organiza os dados dos sentidos e aquilo que vê
passa a conhecer, atribuindo um julgamento para aquilo que é percebido.
Quem
tem a função sentimento como principal, por sua vez, atribui um valor a tudo
que é percebido. Este valor surge de um julgamento subjetivo e pessoal que
varia de acordo com cada um. A função sentimento leva em conta os critérios
pessoais, ao contrário da função pensamento que leva em conta critérios lógicos
e racionais gerais que provém do conhecimento humano. É importante saber que
sentimento não é o mesmo que emoção. A emoção é uma reação fisiológica que não depende
de critérios de avaliação, ao contrário do sentimento, que é uma função que
atribui valores pessoais ao que é percebido.
A
quarta e última função da consciência é a intuição, ou “tudo aquilo que você
sente”, como diz a música. A função intuição se refere a um tipo de percepção
inconsciente sobre a realidade, pois surge espontaneamente na consciência, como
um pressentimento. Ela fornece um conhecimento irracional sobre a experiência,
sua finalidade ou possibilidades futuras. Sendo assim, ela é oposta à função
sensação, que se relaciona com os dados concretos e imediatos da experiência.
Os
versos “tudo o que você ama, odeia, desconfia e salva” nos remetem novamente à
questão da conscientização e integração da própria sombra como forma de
ampliarmos a nossa consciência sobre as coisas e sobre nós mesmos. Tudo aquilo
que não conhecemos ou não aceitamos em nós mesmos tendemos a enxergar do lado
de fora, nas outras pessoas. Nesse sentido, duvidar e desconfiar de todos os
nossos juízos e reações emocionais exageradas ou desproporcionais em relação às
coisas e às pessoas é extremamente importante para que possamos nos libertar do
aprisionamento causado pelas nossas projeções. Assim, podemos ampliar a
consciência sobre quem de fato nós somos, promovendo a paz e o entendimento com
aquilo que nos cerca.
Os
versos “tudo aquilo que você dá, negocia, compra, mendiga ou rouba” nos lembram
a temática da música “Money”, que retrata algumas situações comuns no
capitalismo e suas contradições, onde as relações humanas são mediadas pelo
mercado e pelo capital, e onde o consumo tornou-se a medida de todas as coisas.
Estes versos também mostram hábitos comuns da nossa vida cotidiana, muito
sujeitos a deslizes e tentações, mas que no geral representam o jogo de papéis
que cada um de nós assume na vida social. Esses papéis formam a Persona, que é
o termo utilizado por Jung para o aspecto mais visível e superficial da nossa
personalidade. A Persona é a nossa identidade social que facilita o convívio e
interação com as outras pessoas. É a máscara de cada um nós, para o bem ou para
o mal.
Os
versos “tudo o que você cria e destrói” mostram as forças opostas de criação e
destruição que se manifestam na consciência humana. Cultura e contra-cultura,
ordem e revolução, masculino e feminino, consciência e inconsciente são
expressões dessas forças em constante conflito dentro de nós, como também
expressa o símbolo do yin-yang. É na nossa alma que essas forças opostas podem
dialogar e buscar o equilíbrio e a totalidade, pois todas são necessárias à
vida e à nossa existência.
Os
versos “tudo o que você faz e fala” se referem a nossas atitudes, ou às
escolhas e decisões que vamos tomando ao longo da vida. Tudo aquilo que a gente
faz está baseado num conjunto de valores e códigos de conduta, que se refletem
naquilo que a gente fala. Há momentos, porém, que a nossa atitude pode ser
moralmente indesejável, mas ser eticamente necessária. Isso acontece quando
optamos por não reproduzir a moral dominante e resolvemos nos tornar um agente
de transformação no nosso meio social. Isso só acontece quando nos permitimos
ouvir a nossa voz interior e colocarmos ela na prática, através das nossas
atitudes.
Os
versos “tudo o que você come, todo mundo que você encontra, despreza e todo
mundo com quem você luta” se referem à capacidade humana de relacionar através
do amor ou do poder. O ser
humano é um ser gregário por natureza. Nós precisamos nos sentir aceitos pelos
outros e também precisamos participar de uma vida em comum com as outras
pessoas. Sem o instinto gregário a nossa vida não seria possível.
O que nos liga às
outras pessoas não é só a necessidade de juntar forças para um bem comum, mas
também o afeto, ou seja, a nossa capacidade de estabelecer relações afetivas,
característica que está muito mais próxima dos sentimentos e das emoções do que
com o mundo da razão, voltada para o ego.
O sentimento de
desprezo pelo outro está intimamente ligado ao desejo de poder, pois ele surge
do nosso sentimento de inferioridade em relação ao outro, da ignorância que
temos em relação à nossa própria sombra e da nossa incapacidade de estabelecer
relações afetivas. Então, recorremos ao uso da força física, moral ou
intelectual como forma de impor uma relação baseada na dominação, na disputa e
não reconhecimento das diferenças.
Os versos “tudo o
que é agora, tudo o que passou e tudo o que está por vir” nos remetem novamente
a questão do tempo. Como vimos na música “Time”, passado, presente e futuro só
podem ser percebidos pela consciência, pois sem ela tudo repousaria no mais
absoluto estado de inconsciência. Isso equivale ao desenvolvimento da nossa
personalidade ao longo de todo ciclo vital, dividido em infância, fase adulta e
velhice, e também à relação do consciente com o inconsciente, simbolicamente
representados pelo Sol e pela Lua.
O último verso de
“Eclipse”, que também é o último verso do disco, “E todas as coisas estão em
harmonia sob o sol, mas o sol é eclipsado pela Lua” nos fala que todos os fatos
e eventos que foram citados ao longo da música estão em sintonia com os valores
da consciência. Nos adaptamos à vida exterior e a vida foi transcorrendo de
forma ordenada. Desenvolvemos a razão e passamos a acreditar que ela é o único
critério para conduzir nossos pensamentos e ações. Assim também passamos a
acreditar que todas os nossos questionamentos relacionados à morte, ao tempo, à
loucura e ao poder podem ser respondidos seguindo os critérios e atributos da
nossa consciência. Tudo isso está em “harmonia sob Sol”, não fosse pelo fato
que de que “o Sol é eclipsado pela Lua”.
Este verso que
encerra o The Dark Side of The Moon resume toda a essência do disco. A imagem
do sol eclipsado pela Lua representa a consciência sendo obscurecida pelo
inconsciente.
Todos os valores,
experiências e planos que nos trazem conforto e segurança, na verdade, não
passam de ilusão e fantasia. Assim, o eclipse denota o estado de desequilíbrio
que está na raiz de todas as guerras, medos, vícios, sofrimentos e vazio
abordados ao longo do disco. Desequilíbrio que é causado justamente pela unilateralidade
da consciência que se afasta do inconsciente, fazendo com ele ressurja em seu
aspecto destruidor, justamente porque foi negado, ou deixado para trás. O disco
termina em sombras.
Porém, Jung
sempre dizia que quanto maior a escuridão, maior a chance de se encontrar luz.
O inconsciente, apesar de avassalador, traz sempre com ele o germe da
reconstrução, a semente do novo. O inconsciente é a própria vida e tudo o que a
vida quer é a realização plena de si mesma.
Talvez seja
justamente isso que aquela enigmática fala colocada no fim do disco queira
dizer: “Não há lado oculto da Lua; na verdade, ela é toda escura”.
Confira:
Confira:
Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS
Fonte: Yabuschita, Fábio Massao. The Dark Side of The Moon, a obra-prima do Pink Floyd segundo a Psicologia Junguiana. Editora Dracaena.
Sensacional, estou sem fôlego. Vou ter que voltar e ler diversas vezes. Pessoalmente agora entendo porque gosto tanto de Pink Floyd, principalmente esse álbum, e me identifico tanto com a psicologia analítica de Jung. Ouvir o disco me trazia a sensação, a experiência inconsciente desse conhecimento, estudar psicologia está trazendo ele à tona. Obrigado por publicar o blog, fantástico.
ResponderExcluirObrigada Eduardo Cotting!!! Um grande abraço pra você!!!
ExcluirMuito bom texto, aprendi muito, pretendo assim, fazer ainda melhor a minha arte, de poetar...
ResponderExcluirObrigada Inaê!
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