A Obra prima do Pink Floyd segundo a Psicologia Junguiana
(parte 6)
Any Color you Like (Alguma cor que você goste)
A música Any Color You Like é inteiramente
instrumental e podemos lhe atribuir um significado simbólico, relacionando-o ao
prisma que compõe a capa de The Dark Side of The Moon. Assim, a cor a ser
escolhida nos remete ao espectro, onde as cores refletem a capacidade da
consciência em reconhecer como elementos diferentes o que antes formava um todo
indiferenciado, a exemplo do que ocorre na decomposição da luz ao atravessar o
prisma. Da mesma forma que o branco é a junção de todas as cores, o
inconsciente reúne todos os elementos indistintos que depois serão
discriminados pela consciência.
A imagem do prisma: criação de Storm Thorgerson |
Assim,
o feixe colorido que sai do prisma é uma analogia à aquisição da consciência,
pois ao deixar para trás o estado de indiferenciação, representado pela luz
branca, o ser humano tornou-se um ser consciente e capaz de escolher e decidir
de acordo com sua vontade. Tudo isso se reflete no sentimento de que somos
verdadeiramente livres e donos de nosso destino, uma crença comum ao homem
moderno.
Porém,
esse sentimento de liberdade, sem dúvida uma conquista do ser humano, não pode
levar o indivíduo a se afastar do inconsciente, sob o risco de perder o contato
com suas camadas vitais e criativas, que no prisma estão relacionadas ao raio
infravermelho e ultravioleta, respectivamente os domínios do instinto e do
espírito, analogia feita pelo próprio Jung.
Mas o
que tem acontecido é justamente o desprezo pelo aspecto vital e transformador
da psique, fato que caracteriza a alienação do homem moderno, extremamente
identificado com a razão e com a vontade do seu ego, que se julga capaz de
fazer suas escolhas sem se preocupar.
Para se evitar essa unilateralidade é preciso que, além das cores visíveis, que no espectro estão associadas à consciência ou ao conhecido, há muitas outras coisas que não são imediatamente acessíveis aos sentidos, mas que são parte de um todo mais abrangente, ainda que desconhecido, como os raios infravermelho e ultravioleta, que neste caso representam os aspectos inconscientes da psique. O ego não é somente o sujeito da razão e da consciência, mas também o objeto de um Outro que o transcende em força, poder e extensão.
Para se evitar essa unilateralidade é preciso que, além das cores visíveis, que no espectro estão associadas à consciência ou ao conhecido, há muitas outras coisas que não são imediatamente acessíveis aos sentidos, mas que são parte de um todo mais abrangente, ainda que desconhecido, como os raios infravermelho e ultravioleta, que neste caso representam os aspectos inconscientes da psique. O ego não é somente o sujeito da razão e da consciência, mas também o objeto de um Outro que o transcende em força, poder e extensão.
É
possível considerar ainda Any Color you Like como um mergulho no
caleidoscópio da loucura, onde tudo é mais intenso e revelador, pois ela é a
música que antecede Brain Damage, que no contexto do disco é para onde
converge tudo o que está relacionado ao lado oculto da Lua.
Brain Damage (Dano Cerebral)
O lunático está na grama
O lunático está na grama
Relembrando jogos, colares de margarida e sorrisos
É preciso manter os doidos na linha
O lunático está no saguão
Os lunáticos estão no meu saguão
Os jornais seguram seus rostos dobrados colados no
chão
E todo o dia o entregador traz mais
E se a represa arrebentar muitos anos cedo de mais
E se não houver espaço encima da colina
E se sua cabeça explodir com presságios sombrios
também
Verei você no lado oculto da Lua
O lunático está na minha cabeça
O lunático está na minha cabeça
Você levanta a lâmina, você faz a mudança
Você me rearranja até eu estar são
Você tranca a porta
E joga a
chave fora
Há alguém em minha cabeça, mas não sou eu
E se a nuvem estourar o trovão em seus ouvidos
Você grita e ninguém parece ouvir
E se a banda de que você faz parte começar a tocar
em tons diferentes
Verei você no lado oculto da Lua
Brain
Damage aborda a loucura, que em termos psiquiátricos recebe o nome de
esquizofrenia, a doença que foi diagnosticada em Syd Barret, antigo membro do
Pink Floyd.
Syd Barret (1946 - 2006) |
Logo
nos versos iniciais, a música traz uma figura muito associada à loucura: o
lunático. O lunático é aquela pessoa que sucumbiu aos poderes do inconsciente,
simbolicamente representado pela Lua. O fato de ele estar na grama, em contato
com a natureza, nos mostra que ele está muito próximo da vida
instintiva e, conseqüentemente do inconsciente. É nesse lugar que cenas do
passado vêm a tona, e o lunático revive algumas de suas lembranças.
Essas lembranças evidenciam
cenas que surgem do inconsciente, onde o lunático parece entrar de forma cada
vez mais profunda. A pessoa, ao se tornar cada vez mais incapaz de lidar com as
demandas da realidade externa, aciona um movimento que se chama de regressão da
libido. Libido é o nome que se dá para energia psíquica. Quando permanece neste
estado, o indivíduo vai se distanciando cada vez mais do mundo, podendo chegar
a ponto de permanecer definitivamente afastado dele, que é quando as fantasias,
devaneios ou lembranças passam
a dominar a mente. Se este movimento não for compensado por tentativas de
adaptação ao mundo exterior, o sentido de realidade se altera. O ego poderá ser
dominado pelo inconsciente, e o sonho poderá assumir o lugar da realidade. Isso
é a esquizofrenia, um transtorno mental que se caracteriza pelo predomínio dos
conteúdos do inconsciente sobre a consciência, afetando os processos de
pensamento, emoção e linguagem.
Em Brain
Damage, as lembranças que foram reanimadas pelo inconsciente, os jogos,
colares de margarida e sorrisos, se referem a fatos relacionados à vida pessoal
de Syd Barret, que se refugia num mundo mágico de imaginação e fantasia como
defesa para lidar com o medo da vida. Nesse momento, fica evidente na música a
imposição da censura e da dominação em relação a tudo aquilo que se mostra
estranho e alheio à ordem estabelecida, pois “é preciso manter os doidos na
linha”. Normalmente, o que se faz em relação a isso é a reclusão e o isolamento
social, atitude que tem respaldo científico no intuito de se fazer os devidos
ajustes sobre a mente e a moral dos loucos.
Bruegel, o Velho, A Extração da Pedra da Loucura, 1568 |
No entanto, a
música mostra que o lunático não mais se mantém isolado e começa a compartilhar
um espaço em comum, pois agora “o lunático está no saguão”. Ele entra em cena
para se tornar uma figura familiar que participa de um mesmo ambiente, junto
com outras pessoas. A ideia deste verso é de que a loucura está se tornando
cada vez mais comum, e que nos dias de hoje qualquer um está sujeito a ela.
Avistar o lunático no saguão é o mesmo que dizer que “a loucura está entre
nós”.
O lunático, então, passa a representar a loucura num sentido mais amplo,
o lado mórbido do mundo moderno, que é retratado ao longo de todo The Dark Side
of The Moon através do medo, poder, violência e demais formas de insanidade
encontrada nos dias de hoje. O lunático se desdobrou em várias figuras pelo
saguão. A loucura se multiplicou e passou a afetar um número cada vez maior de
pessoas. Eles também surgem retratados no jornal, uma forma de dizer que a
loucura também foi elevada ás esferas do poder e da fama. E cada dia o
entregador traz mais.
No verso seguinte
surge a imagem da represa que pode vir a arrebentar. Essa imagem mostra o que
seria o colapso mental. A água, em termos psicológicos, simboliza as emoções e
o inconsciente. Então, a represa arrebentando seria a invasão do inconsciente,
com toda a sua força, rompendo com as frágeis resistências do ego, ou da
consciência. Jung diz em de seus livros o seguinte: “a consciência individual
está cercada pelo mar ameaçador do inconsciente. É apenas aparentemente segura
e confiável; na verdade, é algo frágil, assentada em bases instáveis.” Ou seja,
isso já aconteceu com o lunático, mas pode acontecer com qualquer um.
Estrutura básica da psique proposta por Jung: consciência, inconsciente pessoal e inconsciente coletivo. |
Porém,
existe a possibilidade de se buscar refúgio em cima da colina, como diz a
música. A colina, nesse caso, representa o aspecto da consciência que é capaz
de suportar a invasão do inconsciente, ou seja, o próprio ego. Porém, se o
indivíduo não tiver um ego forte e desenvolvido ele poderá ser tragado pelas
águas do inconsciente e enlouquecer. Sendo assim, a explosão da cabeça, o
próximo verso da música, é um a forma de representar exatamente isso, a
fragmentação da personalidade, que é reduzida a estilhaços e que leva as
pessoas a agirem de forma impulsiva e desproporcional. O lunático, então,
invade e toma o lugar que antes era ocupado pelo ego, ele agora está dentro da
cabeça, como diz a música.
A
partir daí surge a lógica psiquiátrica frente à loucura que, com sua lâmina, ou
seja, com seu poder discriminatório, separa, divide e classifica os indivíduos
de acordo com o seu diagnóstico. No entanto, o que se observa é que, na maioria
das vezes, o indivíduo se sente impotente quando está diante dessa lógica que,
não raro, usa o isolamento e a exclusão forçada como meios de operar uma
mudança, ou seja, tranca o indivíduo e joga as chaves fora, como nos versos da
música. Esse método é bastante questionado hoje em dia, na medida em que só faz aumentar os anseios de fuga deste mundo fazendo com
que a pessoa mergulhe cada vez no inconsciente, trazendo tristeza e sofrimento.
Então Brain Damage termina fazendo novamente uma referência a Syd Barret, como
alguém a ser encontrado do outro lado da Lua. Os versos "E se a banda de que
você faz parte começar a tocar em tons diferentes, verei você no outro lado da
Lua" mostram que a loucura, e somente ela, é que pode unir o grupo de novo,
depois da triste separação.
Além
disso, a música também não deixa de ser uma homenagem a todos aqueles que de um
modo ou de outro são tocados pela loucura, os vários lunáticos que estão
espalhados por todos os cantos do mundo.
"É da maior importância entender que o conflito não é apenas um fracasso pessoal, mas ao mesmo tempo um sofrimento comum a todos, um problema que caracteriza toda uma época. Essa generalização desafoga o indivíduo de si próprio, ligando-o à humanidade."(Carl Gustav Jung)
Portanto, Any Color you Like se refere ao prisma que
está na capa do disco, onde as cores representam a capacidade de discriminação
da consciência, sendo necessário que também levemos em conta os
aspectos não visíveis do espectro, os raios infravermelho e ultravioleta, o
nosso lado mais instintivo e também o nosso lado mais espiritual. O título da
música também nos remete ao psicodelismo, uma manifestação do inconsciente
e uma experiência que dão outros contornos às experiências vividas pela nossa
consciência. Brain Damage, por sua
vez, aborda a loucura, tanto como uma psicopatologia, como o que aconteceu com
o Syd Barret, como também num sentido mais geral, como uma forma disseminada de
desequilíbrio e insanidade presentes na modernidade.
Confira:
Any Color you Like
Brain Damage
Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS
Atende em Porto Alegre/RS
(Próxima publicação: Eclipse)
Fonte: Yabuschita, Fábio Massao. The Dark Side of The Moon, a obra-prima do Pink Floyd segundo a Psicologia Junguiana. Editora Dracaena.
vou levar pra vida toda seu texto, parabens!
ResponderExcluirQue legal Igor! Grande abraço!
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