domingo, 31 de janeiro de 2016

Any Color you Like e Brain Damage

THE DARK SIDE OF THE MOON -
A Obra prima do Pink Floyd segundo a Psicologia Junguiana
(parte 6)






Any Color you Like (Alguma cor que você goste)


A música Any Color You Like é inteiramente instrumental e podemos lhe atribuir um significado simbólico, relacionando-o ao prisma que compõe a capa de The Dark Side of The Moon. Assim, a cor a ser escolhida nos remete ao espectro, onde as cores refletem a capacidade da consciência em reconhecer como elementos diferentes o que antes formava um todo indiferenciado, a exemplo do que ocorre na decomposição da luz ao atravessar o prisma. Da mesma forma que o branco é a junção de todas as cores, o inconsciente reúne todos os elementos indistintos que depois serão discriminados pela consciência.

A imagem do prisma: criação de Storm Thorgerson


Assim, o feixe colorido que sai do prisma é uma analogia à aquisição da consciência, pois ao deixar para trás o estado de indiferenciação, representado pela luz branca, o ser humano tornou-se um ser consciente e capaz de escolher e decidir de acordo com sua vontade. Tudo isso se reflete no sentimento de que somos verdadeiramente livres e donos de nosso destino, uma crença comum ao homem moderno.

Porém, esse sentimento de liberdade, sem dúvida uma conquista do ser humano, não pode levar o indivíduo a se afastar do inconsciente, sob o risco de perder o contato com suas camadas vitais e criativas, que no prisma estão relacionadas ao raio infravermelho e ultravioleta, respectivamente os domínios do instinto e do espírito, analogia feita pelo próprio Jung.



Mas o que tem acontecido é justamente o desprezo pelo aspecto vital e transformador da psique, fato que caracteriza a alienação do homem moderno, extremamente identificado com a razão e com a vontade do seu ego, que se julga capaz de fazer suas escolhas sem se preocupar. 

Para se evitar essa unilateralidade é preciso que, além das cores visíveis, que no espectro estão associadas à consciência ou ao conhecido, há muitas outras coisas que não são imediatamente acessíveis aos sentidos, mas que são parte de um todo mais abrangente, ainda que desconhecido, como os raios infravermelho e ultravioleta, que neste caso representam os aspectos inconscientes da psique. O ego não é somente o sujeito da razão e da consciência, mas também o objeto de um Outro que o transcende em força, poder e extensão.

É possível considerar ainda Any Color you Like como um mergulho no caleidoscópio da loucura, onde tudo é mais intenso e revelador, pois ela é a música que antecede Brain Damage, que no contexto do disco é para onde converge tudo o que está relacionado ao lado oculto da Lua.



Brain Damage (Dano Cerebral)


O lunático está na grama
O lunático está na grama
Relembrando jogos, colares de margarida e sorrisos
É preciso manter os doidos na linha
O lunático está no saguão
Os lunáticos estão no meu saguão
Os jornais seguram seus rostos dobrados colados no chão
E todo o dia o entregador traz mais
E se a represa arrebentar muitos anos cedo de mais
E se não houver espaço encima da colina
E se sua cabeça explodir com presságios sombrios também
Verei você no lado oculto da Lua
O lunático está na minha cabeça
O lunático está na minha cabeça
Você levanta a lâmina, você faz a mudança
Você me rearranja até eu estar são
Você tranca a porta
 E joga a chave fora
Há alguém em minha cabeça, mas não sou eu
E se a nuvem estourar o trovão em seus ouvidos
Você grita e ninguém parece ouvir
E se a banda de que você faz parte começar a tocar em tons diferentes
Verei você no lado oculto da Lua


Brain Damage aborda a loucura, que em termos psiquiátricos recebe o nome de esquizofrenia, a doença que foi diagnosticada em Syd Barret, antigo membro do Pink Floyd.

Syd Barret (1946 - 2006)


Logo nos versos iniciais, a música traz uma figura muito associada à loucura: o lunático. O lunático é aquela pessoa que sucumbiu aos poderes do inconsciente, simbolicamente representado pela Lua. O fato de ele estar na grama, em contato com a natureza, nos mostra que ele está muito próximo da vida instintiva e, conseqüentemente do inconsciente. É nesse lugar que cenas do passado vêm a tona, e o lunático revive algumas de suas lembranças.

Essas lembranças evidenciam cenas que surgem do inconsciente, onde o lunático parece entrar de forma cada vez mais profunda. A pessoa, ao se tornar cada vez mais incapaz de lidar com as demandas da realidade externa, aciona um movimento que se chama de regressão da libido. Libido é o nome que se dá para energia psíquica. Quando permanece neste estado, o indivíduo vai se distanciando cada vez mais do mundo, podendo chegar a ponto de permanecer definitivamente afastado dele, que é quando as fantasias, devaneios ou lembranças passam a dominar a mente. Se este movimento não for compensado por tentativas de adaptação ao mundo exterior, o sentido de realidade se altera. O ego poderá ser dominado pelo inconsciente, e o sonho poderá assumir o lugar da realidade. Isso é a esquizofrenia, um transtorno mental que se caracteriza pelo predomínio dos conteúdos do inconsciente sobre a consciência, afetando os processos de pensamento, emoção e linguagem.

Em Brain Damage, as lembranças que foram reanimadas pelo inconsciente, os jogos, colares de margarida e sorrisos, se referem a fatos relacionados à vida pessoal de Syd Barret, que se refugia num mundo mágico de imaginação e fantasia como defesa para lidar com o medo da vida. Nesse momento, fica evidente na música a imposição da censura e da dominação em relação a tudo aquilo que se mostra estranho e alheio à ordem estabelecida, pois “é preciso manter os doidos na linha”. Normalmente, o que se faz em relação a isso é a reclusão e o isolamento social, atitude que tem respaldo científico no intuito de se fazer os devidos ajustes sobre a mente e a moral dos loucos.


Bruegel, o Velho, A Extração da Pedra da Loucura, 1568

No entanto, a música mostra que o lunático não mais se mantém isolado e começa a compartilhar um espaço em comum, pois agora “o lunático está no saguão”. Ele entra em cena para se tornar uma figura familiar que participa de um mesmo ambiente, junto com outras pessoas. A ideia deste verso é de que a loucura está se tornando cada vez mais comum, e que nos dias de hoje qualquer um está sujeito a ela. Avistar o lunático no saguão é o mesmo que dizer que “a loucura está entre nós”




O lunático, então, passa a representar a loucura num sentido mais amplo, o lado mórbido do mundo moderno, que é retratado ao longo de todo The Dark Side of The Moon através do medo, poder, violência e demais formas de insanidade encontrada nos dias de hoje. O lunático se desdobrou em várias figuras pelo saguão. A loucura se multiplicou e passou a afetar um número cada vez maior de pessoas. Eles também surgem retratados no jornal, uma forma de dizer que a loucura também foi elevada ás esferas do poder e da fama. E cada dia o entregador traz mais.

No verso seguinte surge a imagem da represa que pode vir a arrebentar. Essa imagem mostra o que seria o colapso mental. A água, em termos psicológicos, simboliza as emoções e o inconsciente. Então, a represa arrebentando seria a invasão do inconsciente, com toda a sua força, rompendo com as frágeis resistências do ego, ou da consciência. Jung diz em de seus livros o seguinte: “a consciência individual está cercada pelo mar ameaçador do inconsciente. É apenas aparentemente segura e confiável; na verdade, é algo frágil, assentada em bases instáveis.” Ou seja, isso já aconteceu com o lunático, mas pode acontecer com qualquer um.

Estrutura básica da psique proposta por Jung:
consciência, inconsciente pessoal e inconsciente coletivo.  

Porém, existe a possibilidade de se buscar refúgio em cima da colina, como diz a música. A colina, nesse caso, representa o aspecto da consciência que é capaz de suportar a invasão do inconsciente, ou seja, o próprio ego. Porém, se o indivíduo não tiver um ego forte e desenvolvido ele poderá ser tragado pelas águas do inconsciente e enlouquecer. Sendo assim, a explosão da cabeça, o próximo verso da música, é um a forma de representar exatamente isso, a fragmentação da personalidade, que é reduzida a estilhaços e que leva as pessoas a agirem de forma impulsiva e desproporcional. O lunático, então, invade e toma o lugar que antes era ocupado pelo ego, ele agora está dentro da cabeça, como diz a música.

A partir daí surge a lógica psiquiátrica frente à loucura que, com sua lâmina, ou seja, com seu poder discriminatório, separa, divide e classifica os indivíduos de acordo com o seu diagnóstico. No entanto, o que se observa é que, na maioria das vezes, o indivíduo se sente impotente quando está diante dessa lógica que, não raro, usa o isolamento e a exclusão forçada como meios de operar uma mudança, ou seja, tranca o indivíduo e joga as chaves fora, como nos versos da música. Esse método é bastante questionado hoje em dia, na medida em que só faz aumentar os anseios de fuga deste mundo fazendo com que a pessoa mergulhe cada vez no inconsciente, trazendo tristeza e sofrimento.



Então Brain Damage termina fazendo novamente uma referência a Syd Barret, como alguém a ser encontrado do outro lado da Lua. Os versos "E se a banda de que você faz parte começar a tocar em tons diferentes, verei você no outro lado da Lua" mostram que a loucura, e somente ela, é que pode unir o grupo de novo, depois da triste separação.

Além disso, a música também não deixa de ser uma homenagem a todos aqueles que de um modo ou de outro são tocados pela loucura, os vários lunáticos que estão espalhados por todos os cantos do mundo.


"É da maior importância entender que o conflito não é apenas um fracasso pessoal, mas ao mesmo tempo um sofrimento comum a todos, um problema que caracteriza toda uma época. Essa generalização desafoga o indivíduo de si próprio, ligando-o à humanidade."(Carl Gustav Jung)



Portanto, Any Color you Like se refere ao prisma que está na capa do disco, onde as cores representam a capacidade de discriminação da consciência, sendo necessário que também levemos em conta os aspectos não visíveis do espectro, os raios infravermelho e ultravioleta, o nosso lado mais instintivo e também o nosso lado mais espiritual. O título da música também nos remete ao psicodelismo, uma manifestação do inconsciente e uma experiência que dão outros contornos às experiências vividas pela nossa consciência. Brain Damage, por sua vez, aborda a loucura, tanto como uma psicopatologia, como o que aconteceu com o Syd Barret, como também num sentido mais geral, como uma forma disseminada de desequilíbrio e insanidade presentes na modernidade.

Confira:


Any Color you Like



Brain Damage





Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS



(Próxima publicação: Eclipse)

Fonte: Yabuschita, Fábio Massao. The Dark Side of The Moon, a obra-prima do Pink Floyd segundo a Psicologia Junguiana. Editora Dracaena.

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