domingo, 24 de janeiro de 2016

Us and Them

THE DARK SIDE OF THE MOON -
A Obra prima do Pink Floyd segundo a Psicologia Junguiana
(parte 5)






US AND THEM (Nós e Eles)

Nós e eles
Afinal somos todos homens comuns
Eu e você
Deus sabe que não é isso que teríamos escolhido para fazer
Avante, gritou ele da retaguarda
E tombaram os homens da linha de frente
E o general sentou-se e as linhas no mapa
Eram movidas de um lado para o outro
Preto e azul
E quem saberia dizer qual é qual e quem é quem
Para cima e para baixo
E tudo afinal
É apenas uma continuidade de círculos
Você não ouviu, é uma batalha de palavras
Gritou a pessoa que carregava o cartaz
Ouça, filho, disse o homem com a arma
Há um lugar para você lá dentro
Por baixo e na pior
Não dá para evitar
Mas isto pode ser encontrado em todo lugar
Com, sem
E quem vai negar que esta é a razão de toda briga
Sai do caminho
Estou com a mente ocupada
Por falta do preço do chá com uma fatia
O velho morreu


A música Us and Them traz a ideia de violência. A expressão “nós e eles” se refere às divisões entre as pessoas, países e culturas que acabam levando à discriminação, preconceitos, conflitos, e por fim, às guerras, a mais brutal das formas de violência. O termo também pressupõe a ausência do “eu”, enquanto entidade dotada de singularidade e valor próprio, muito diferente de um “eu” alienado, internamente dividido e sempre pronto a irromper com os mais insanos atos de violência.

É bom lembrar que a ideia de indivíduo, como uma entidade dotada de um mundo interior e subjetividade própria, é algo recente na história humana. A identidade, no tempo anterior a Renascença, era algo essencialmente grupal e coletiva. Pensava-se e agia-se em função do grupo e da coletividade. Hoje, mesmo sendo capaz de se reconhecer como um ser distinto, o indivíduo é levado muitas vezes a agir com a suposição de que é igual ao seu próximo. Isso ocorre na medida em que a consciência grupal, ou o “nós”, como diz a música, se impõe sobre o indivíduo.

O predomínio do social em relação ao individual se dá devido ao reducionismo conferido pela visão estatística do ser humano, que se fundamenta na anulação daquilo que cada um tem de único e particular em favor de generalizações, que reduzem o indivíduo a números e cifras, quando não, a diagnósticos psiquiátricos. A visão estatística é construída a partir de uma concepção abstrata, que ao visar à média, exclui as diferenças e enaltece o que é comum, ou seja, a normalidade. E, então, cria-se a ideia de um “homem ideal”.
A hegemonia do coletivo, por sua vez, é do interesse social, pois tendo sua individualidade reprimida, o sujeito submerge na massa como uma unidade anônima, destituído de suas virtudes e de seu potencial criativo. Alienado de si mesmo, o indivíduo acaba sucumbindo à mentalidade coletiva. Assim, “O que muitos acreditam ser verdadeiro, o que muitos desejam, deve ser digno de luta, necessário e, portanto, bom”. Qualquer tentativa na direção contrária pode ser enquadrada como egoísmo, soberba ou subversão. Assim, para nossa segurança e comodidade, passa a ser mais fácil ser parte do rebanho, onde somos apenas homens comuns.

Então, com seu poder de contágio, a massa forma um amontoado de seres inconscientes e despersonalizados, que sucumbem a valores, interesses e idéias que lhe são impostos de fora. O indivíduo se subordina a interesses alheios a sua vontade. Isso o torna influenciável e susceptível de ser tomado por instintos de crueldade e violência, pois o que acontece é um rebaixamento do nível da consciência, enquanto vontade e capacidade de reflexão e decisão, potencializando aquilo que é primitivo e inconsciente.


A massa também favorece a constelação da figura de um líder ou ideal, cujo fascínio e força de atração levarão o indivíduo a agir de tal forma que ele, em seu juízo normal, jamais o faria. O individuo passa a ser literalmente contaminado e guiado por forças que encobrem fraquezas e inferioridades que ele desconhece em si mesmo, justamente por estar alienado de si mesmo. E, como o estranho e o desconhecido são sempre atribuídos ao outro, este se torna uma ameaça que precisa ser combatida.

Assim, o indivíduo trava batalhas que apenas refletem, em escala maior, um conflito que deveria ser travado consigo próprio. E, alheio à própria sombra, o indivíduo passa a projeta-la em inimigos externos que, no nível pessoal, pode ser um vizinho ou alguém que declara uma opinião diferente da sua, mas que no nível coletivo assume proporções maiores, levando o mundo a se dividir em lados opostos. Divisão esta que está na raiz da maioria das guerras e conflitos mundiais.


É a extinção da personalidade singular que torna a massa suscetível aos poderes e vontade de um líder. Este determina o caminho a ser seguido, formando a linha de frente de batalha, onde estão os primeiros a tombar. Ele faz crer que concentra em si toda força e poder que cada indivíduo, tomado isoladamente ignora em si mesmo, pois uma característica da psicologia das massas é a formação de indivíduos inseguros e facilmente influenciáveis, sempre prontos a obedecer e avançar àqueles que se impõem como autoridade central, seja ela política, religiosa ou social.

A música, num determinado momento, também faz referência a uma “batalha de palavras”, ou seja, algo que ocorre no plano ideológico. O uso da linguagem indica a possibilidade de se renunciar a violência física em favor de um processo dialético, como ocorre na democracia, por exemplo. Jung já dizia que a democracia é o melhor modelo de organização política e social, pois só ela propicia espaço para o confronto de opiniões com respeito à lei do próximo. A massa pode lutar de maneira justa e organizada. Porém, a esperança é logo perdida pela imagem do homem com a arma na mão que ameaça aquele que carrega o cartaz, mostrando um contexto de intolerância e falta de compreensão, o que favorece a eclosão de atos violentos.

Qualquer tipo de entendimento parece improvável, o que significa que as coisas de fato não estão bem, e se assim estão, é porque o indivíduo também não está bem. A eclosão de grandes guerras e catástrofes fizeram o homem moderno perceber da forma mais cruel possível o seu potencial para a morte e a destruição, nos mostrando que não somos nada daquilo que imaginávamos ser. Como diz a música, em todo lugar a situação é de ruína e derrocada, e isso não dá para evitar.

Sweet Dreams Baby!(1965), Roy Lichtenstein:
violência industrializada

Jung sempre ressaltou a importância que devemos dar a cada pessoa em particular, algo que está se perdendo atualmente, como se observa na música a morte do velho, ocorrida por motivos absolutamente banais. Este fato mostra que a vida está perdendo seu sentido, porque o indivíduo, tomado pelo sentimento de nulidade em relação a si próprio, não está tendo mais valor. Conseqüentemente, o seu sentimento de nulidade é dirigido também para o outro, alguém que como ele, também não tem valor e importância. A alienação gera falta de compromisso com o outro e consigo mesmo e alimenta o desejo de poder e dominação de uns sobre os outros, o que é oposto à capacidade humana de amar e se relacionar. Como diria Jung onde falta amor, reina o poder, e onde há o poder, inexiste o amor. Um é a sombra do outro.
Portanto, Us and Them fala sobre as relações humanas e sobre os fatores que impedem a capacidade de relacionamento, como a massificação e a perda do senso de individualidade, esta favorecida pela visão estatística do ser humano, que quando cria a imagem de um homem médio ideal, negligencia o homem real, que é o único e verdadeiro portador do espírito da vida. Também a música aborda a guerra, a intolerância e a violência urbana como fenômenos relacionados à sombra, aquela parte que desconhecemos ou rejeitamos em nós mesmos, e que, então, passamos a enxergar no outro.


Confira: 



"O mais alto interesse da sociedade livre deveria ser a questão das relações humanas, uma vez que sua conexão própria e sua força nela repousam. Onde acaba o amor, tem início o poder, a violência e o terror." (C.G.Jung)




Por Melissa Samrsla Brendler
CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS

(Próxima publicação: Any Color you Like e Brain Damage)
(Anterior: Money)

Fonte: Yabuschita, Fábio Massao. The Dark Side of The Moon, a obra-prima do Pink Floyd segundo a Psicologia Junguiana. Editora Dracaena.



4 comentários:

  1. Olá Mel. Parabéns pelo texto, achei muito condizente a atual quadra da história. Essa despersonalização do ser contribuiu para o fenômeno da servidão voluntária, uma vez que quando todos os indivíduos são iguais, torna-se mais fácil uma massa homogênea de dominados subservientes.
    Abraços.

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    1. Obrigada mais uma vez pela visita e pelo comentário Erik!!! Abração!

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  2. Fantastico!!!!! Excelente análise e percepção! Altamente condizente como o atual cenário.

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    1. Que bom que você gostou Andreia! Obrigada pelas palavras, um beijão pra ti!

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