A Obra prima do Pink Floyd segundo a Psicologia Junguiana
(parte 5)
US AND THEM (Nós e Eles)
Nós e eles
Afinal somos todos homens comuns
Eu e você
Deus sabe que não é isso que teríamos escolhido
para fazer
Avante, gritou ele da retaguarda
E tombaram os homens da linha de frente
E o general sentou-se e as linhas no mapa
Eram movidas de um lado para o outro
Preto e azul
E quem
saberia dizer qual é qual e quem é quem
Para cima e para baixo
E tudo afinal
É apenas uma continuidade de círculos
Você não ouviu, é uma batalha de palavras
Gritou a pessoa que carregava o cartaz
Ouça, filho, disse o homem com a arma
Há um lugar para você lá dentro
Por baixo e na pior
Não dá
para evitar
Mas isto pode ser encontrado em todo lugar
Com, sem
E quem vai negar que esta é a razão de toda briga
Sai do caminho
Estou com a mente ocupada
Por falta do preço do chá com uma fatia
O velho morreu
A
música Us and Them traz a ideia de violência. A expressão “nós e eles” se
refere às divisões entre as pessoas, países e culturas que acabam levando à
discriminação, preconceitos, conflitos, e por fim, às guerras, a mais brutal
das formas de violência. O termo também pressupõe a ausência do “eu”, enquanto
entidade dotada de singularidade e valor próprio, muito diferente de um “eu”
alienado, internamente dividido e sempre pronto a irromper com os mais insanos
atos de violência.
É bom
lembrar que a ideia de indivíduo, como uma entidade dotada de um mundo interior
e subjetividade própria, é algo recente na história humana. A identidade, no
tempo anterior a Renascença, era algo essencialmente grupal e coletiva.
Pensava-se e agia-se em função do grupo e da coletividade. Hoje, mesmo sendo
capaz de se reconhecer como um ser distinto, o indivíduo é levado muitas vezes
a agir com a suposição de que é igual ao seu próximo. Isso ocorre na medida em
que a consciência grupal, ou o “nós”, como diz a música, se impõe sobre o
indivíduo.
O predomínio do
social em relação ao individual se dá devido ao reducionismo conferido pela
visão estatística do ser humano, que se fundamenta na anulação daquilo que cada
um tem de único e particular em favor de generalizações, que reduzem o indivíduo a
números e cifras, quando não, a diagnósticos psiquiátricos. A visão estatística
é construída a partir de uma concepção abstrata, que ao visar à média, exclui
as diferenças e enaltece o que é comum, ou seja, a normalidade. E, então,
cria-se a ideia de um “homem ideal”.
A
hegemonia do coletivo, por sua vez, é do interesse social, pois tendo sua
individualidade reprimida, o sujeito submerge na massa como uma unidade
anônima, destituído de suas virtudes e de seu potencial criativo. Alienado de
si mesmo, o indivíduo acaba sucumbindo à mentalidade coletiva. Assim, “O que
muitos acreditam ser verdadeiro, o que muitos desejam, deve ser digno de luta,
necessário e, portanto, bom”. Qualquer tentativa na direção contrária pode ser
enquadrada como egoísmo, soberba ou subversão. Assim, para nossa segurança e
comodidade, passa a ser mais fácil ser parte do rebanho, onde somos
apenas homens comuns.
Então, com seu poder de contágio, a massa forma um amontoado
de seres inconscientes e despersonalizados, que sucumbem a valores, interesses
e idéias que lhe são impostos de fora. O indivíduo se subordina a interesses
alheios a sua vontade. Isso o torna influenciável e susceptível de ser tomado
por instintos de crueldade e violência, pois o que acontece é um
rebaixamento do nível da consciência, enquanto vontade e capacidade de reflexão
e decisão, potencializando aquilo que é primitivo e inconsciente.
A
massa também favorece a constelação da figura de um líder ou ideal, cujo
fascínio e força de atração levarão o indivíduo a agir de tal forma que ele, em
seu juízo normal, jamais o faria. O individuo passa a ser literalmente
contaminado e guiado por forças que encobrem fraquezas e inferioridades que ele
desconhece em si mesmo, justamente por estar alienado de si mesmo. E, como o
estranho e o desconhecido são sempre atribuídos ao outro, este se torna uma
ameaça que precisa ser combatida.
Assim, o indivíduo trava batalhas que apenas
refletem, em escala maior, um conflito que deveria ser travado consigo próprio.
E, alheio à própria sombra, o indivíduo passa a projeta-la em inimigos externos
que, no nível pessoal, pode ser um vizinho ou alguém que declara uma opinião
diferente da sua, mas que no nível coletivo assume proporções maiores, levando o
mundo a se dividir em lados opostos. Divisão esta que está na raiz da maioria
das guerras e conflitos mundiais.
É a
extinção da personalidade singular que torna a massa suscetível aos poderes e
vontade de um líder. Este determina o caminho a ser seguido, formando a linha
de frente de batalha, onde estão os primeiros a tombar. Ele faz crer que
concentra em si toda força e poder que cada indivíduo, tomado isoladamente
ignora em si mesmo, pois uma característica da psicologia das massas é a
formação de indivíduos inseguros e facilmente influenciáveis, sempre prontos a
obedecer e avançar àqueles que se impõem como autoridade central, seja ela
política, religiosa ou social.
A música, num determinado momento, também faz
referência a uma “batalha de palavras”, ou seja, algo que ocorre no plano
ideológico. O uso da linguagem indica a possibilidade de se renunciar a
violência física em favor de um processo dialético, como ocorre na democracia,
por exemplo. Jung já dizia que a democracia é o melhor modelo de organização
política e social, pois só ela propicia espaço para o confronto de opiniões com
respeito à lei do próximo. A massa pode lutar de maneira justa e organizada.
Porém, a esperança é logo perdida pela imagem do homem com a arma na mão que ameaça aquele que
carrega o cartaz, mostrando um contexto de intolerância e falta de compreensão,
o que favorece a eclosão de atos violentos.
Qualquer
tipo de entendimento parece improvável, o que significa que as coisas de fato
não estão bem, e se assim estão, é porque o indivíduo também não está bem. A
eclosão de grandes guerras e catástrofes fizeram o homem moderno perceber da
forma mais cruel possível o seu potencial para a morte e a destruição, nos
mostrando que não somos nada daquilo que imaginávamos ser. Como diz a música,
em todo lugar a situação é de ruína e derrocada, e isso não dá para evitar.
Sweet Dreams Baby!(1965), Roy Lichtenstein: violência industrializada |
Jung
sempre ressaltou a importância que devemos dar a cada pessoa em particular,
algo que está se perdendo atualmente, como se observa na música a morte do
velho, ocorrida por motivos absolutamente banais. Este fato mostra que a vida
está perdendo seu sentido, porque o indivíduo, tomado pelo sentimento de
nulidade em relação a si próprio, não está tendo mais valor. Conseqüentemente,
o seu sentimento de nulidade é dirigido também para o outro, alguém que como
ele, também não tem valor e importância. A alienação gera falta de compromisso
com o outro e consigo mesmo e alimenta o desejo de poder e dominação de uns
sobre os outros, o que é oposto à capacidade humana de amar e se relacionar. Como
diria Jung onde falta amor, reina o poder, e onde há o poder, inexiste o amor.
Um é a sombra do outro.
Portanto, Us and Them fala
sobre as relações humanas e sobre os fatores que impedem a capacidade de
relacionamento, como a massificação e a perda do senso de individualidade, esta favorecida pela visão
estatística do ser humano, que quando cria a imagem de um homem médio ideal,
negligencia o homem real, que é o único e verdadeiro portador do espírito da
vida. Também a música aborda a guerra, a intolerância e a
violência urbana como fenômenos relacionados à sombra, aquela parte que
desconhecemos ou rejeitamos em nós mesmos, e que, então, passamos a enxergar no
outro.
Confira:
"O mais alto interesse da sociedade livre deveria ser a questão das relações humanas, uma vez que sua conexão própria e sua força nela repousam. Onde acaba o amor, tem início o poder, a violência e o terror." (C.G.Jung)
Por Melissa Samrsla Brendler
CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS
CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS
(Próxima publicação: Any Color you Like e Brain Damage)
(Anterior: Money)
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Fonte: Yabuschita, Fábio Massao. The Dark Side of The Moon, a obra-prima do Pink Floyd segundo a Psicologia Junguiana. Editora Dracaena.
Olá Mel. Parabéns pelo texto, achei muito condizente a atual quadra da história. Essa despersonalização do ser contribuiu para o fenômeno da servidão voluntária, uma vez que quando todos os indivíduos são iguais, torna-se mais fácil uma massa homogênea de dominados subservientes.
ResponderExcluirAbraços.
Obrigada mais uma vez pela visita e pelo comentário Erik!!! Abração!
ExcluirFantastico!!!!! Excelente análise e percepção! Altamente condizente como o atual cenário.
ResponderExcluirQue bom que você gostou Andreia! Obrigada pelas palavras, um beijão pra ti!
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