A Obra prima do Pink Floyd Segundo a Psicologia Junguiana
(Parte 3)
TIME (Tempo)
As horas passam marcando os momentos que se vão em um dia monótono
Você desperdiça e perde as horas de uma maneira descontrolada
Perambulando num pedaço de terra de sua cidade
natal
Esperando que alguém ou algo venha mostrar-lhe o
caminho
Cansado de se deitar à luz do sol e de ficar em
casa observando a chuva
Você é jovem e a vida é longa e há tempo de viver o
hoje
E um dia você descobre que dez anos ficaram para
trás
Ninguém te avisou quando correr, você perdeu o tiro
de partida.
E você corre e corre para alcançar o Sol, mas ele
está indo embora no horizonte
Girando ao redor da terra para se levantar atrás de
você outra vez
O Sol permanece relativamente o mesmo, mas você
está mais velho
Com fôlego mais curto e a cada dia mais próximo da
morte
Cada ano está ficando mais curto, você nunca parece
ter tempo
Planos que tampouco deram em nada ou em meia página
de linhas rabiscadas
Permanecer num desespero quieto é o modo inglês
O tempo se foi, a canção acabou, pensei que tivesse
algo mais a dizer
A
música Time começa com referências ao ritmo desacelerado do tempo. Neste início
ele é sentido como algo abundante, o que nos remete para um estado de inconsciência,
já que a percepção do tempo só é possível a partir do desenvolvimento da
consciência. Isso ocorre a partir do nascimento e se estende gradualmente até a
idade adulta, quando a nossa consciência atinge o seu grau máximo de
diferenciação.
Na fase inicial
do desenvolvimento psicológico, mãe e criança formam um todo psicológico onde
predomina na criança o estado inconsciente. Nesta fase o ego não se diferencia
do mundo exterior, o eu e o outro são sentidos como algo único e inseparável,
como uma totalidade inconsciente. A vida ainda não é medida pelo tempo, mas
regulada pelo instinto.
Mais adiante o filho se identificará com a figura
paterna e, posteriormente, surgirão outras identificações importantes: com a
família, o grupo social, a aldeia, a comunidade, ou mesmo com a pátria. Todas
essas identificações conferem um sentido de identidade e pertencimento. Tudo
isso representa a cidade natal, o pedaço de terra citado na música “Time”, onde
a vida parece estagnada e sem sentido.
Nessa fase da música, o indivíduo está
inteiramente voltado à natureza, em estado de contemplação e passividade. Passa
os dias deitado ao sol, ou observando a chuva, vivendo o tempo que está
relacionado à natureza. Essa forma de se lidar com o tempo é observada na
criança e aponta para o estado anterior ao despertar da consciência, quando a
vida é apenas um fluir, livre de preocupações ou expectativas, mas sem a
possibilidade de realização plena de si mesmo.
A
formação da consciência começa na infância, a partir dos primeiros anos de
vida, mas atinge o seu ponto crítico e de maior importância na adolescência,
que é quando o indivíduo deixa o solo materno e as identificações que resumem o
que seria sua cidade natal, como diz a música, para trilhar o caminho que o
conduzirá ao encontro e descoberta de si mesmo.
O caminho citado
na música representa o desenvolvimento da personalidade. O tempo passa a ser
sentido de outra maneira, como algo que não volta. Ele perde seu caráter
circular, que antes foi representado pelos fenômenos da natureza, dias de sol e
chuva que se sucediam como uma roda que gira. Esse “novo” tempo é o tempo
linear, o tempo da consciência, o tempo no qual o mundo civilizado se organiza,
compartimentado em dias, horas, minutos e segundos. A partir deste momento, que
coincide com a vida adulta e com a competitividade do mundo moderno, o relógio
passa a ditar o ritmo, alinhando o indivíduo aos seus ponteiros, como se cada
tic-tac fosse um ajuste, e o despertador, o tiro de partida.
Agora o indivíduo
se vê obrigado a apressar os passos, a correr como diz a música, pois o tempo
deixou de ser abundante como o tempo da infância, e a vida já não é mais algo a
se perder de vista. As demandas da vida adulta, organizada em função de
jornadas de trabalho, horários, prazos e todo o tipo de exigências relacionadas
ao tempo, transformam o seu curso num fluir sem volta.
Esse
fluir sem volta no que se transformou o tempo aumenta o desespero e a vontade
de controlar os seus efeitos. Assim, alcançar o Sol é uma forma de não se
sujeitar ao tempo, já que, como diz a música, o Sol não envelhece, ou seja, ele
representa aquilo que não está sujeito ao tempo enquanto passado, presente e
futuro. Por outro lado, a imagem do Sol se pondo no horizonte também nos dá a ideia do tempo como algo que empurra o ser humano para frente, em direção a um
futuro do qual a única certeza é a morte.
À
medida que a música vai chegando ao fim, percebe-se como é difícil lidar com o
tempo. Ele tornou o indivíduo um ser impotente e incapaz de atender às demandas
que lhes são impostas pelo mundo exterior. Porém, uma vida significativa e
plena de realizações só pode ser alcançada se o inconsciente estiver presente
neste processo, algo que não aconteceu em Time, onde os planos do indivíduo não
deram em nada, não passando de meia página de linhas rabiscadas.
Somente
através do retorno ao nosso mundo interior é que o eterno e o atemporal podem
se manifestar, conferindo um significado maior à nossa vida. Esse retorno é uma
experiência religiosa, no sentido de religare, que significa
restabelecer novamente a ligação perdida, entre o ego humano, através do
reconhecimento de sua finitude e transitoriedade, com aquilo que há de eterno
em cada um de nós.
A
música Time traz em seu desfecho, acompanhado de um “quieto desespero”, como
diz a letra, a sensação de algo que está chegando ao fim, neste caso a própria
canção, de acordo com a lógica do tempo linear, a lógica da finitude humana.
Como nos diz Jung, a Modernidade, ao privilegiar o ego racional e materialista, orientada para
o mundo exterior em busca de satisfações mundanas e fixada numa temporalidade
vazia, sem história e sem raiz, afasta o indivíduo do essencial, tornando-o um
ser oprimido pelo tempo e temeroso diante da fatalidade do seu destino.
BREATHE reprise (Respiração)
Em casa, em casa novamente
Gosto de estar aqui quando eu posso
Quando eu chego em casa com frio e cansado
É bom esquentar meus ossos junto ao fogo
Bem longe através do campo
O badalo do sino de ferro
Conclama os fiéis a se ajoelharem
Para ouvir os encanamentos proferidos com fala
suave
“Breathe
reprise” mostra em seu início o indivíduo voltando ao lar, um fato com
importante implicação psicológica. Como seqüência de Time, os primeiros versos
da música apontam para um desfecho. O caminho, que simbolicamente representa o
processo de desenvolvimento da personalidade ao longo da vida, foi enfim
percorrido. A música sugere uma experiência religiosa, onde a volta ao lar
significa o restabelecimento do eixo ego-inconsciente perdido. As aflições
vivenciadas anteriormente foram superadas, e o indivíduo consegue então
desfrutar de algum conforto e segurança junto ao fogo.
O
elemento espiritual que em “Breathe” foi relacionado ao ar, agora está
representado pelo fogo. Tanto o ar quanto o fogo são elementos que se referem à
realidade psíquica, ou realidade da alma. Segundo Jung, se compreende
facilmente que a respiração, por ser um sinal de vida, também serve para
representa-la simbolicamente, assim como o fogo, ou uma chama, porque o calor é
também um sinal de vida. Esses significados apontam para uma atitude religiosa
do indivíduo (no sentido de religar), que busca encontrar dentro de si, no
mundo interior, um ponto de apoio que o ajude a se orientar no mundo exterior.
Jung
mostrou que a melhor coisa que homem moderno pode fazer para lidar com sua
angústia espiritual, com seu sentimento de estar perdido num mundo sem sentido,
com seus anseios irrealizados e também com sua sensação ilusória de bem-estar
dentro de um vazio espiritual e religioso, é trilhar o caminho da experiência
interior. Portanto, estar junto ao fogo é também uma forma de consumar-se a
experiência simbólica que faltou em “Breathe”, e que só veio a ocorrer em
“Breathe (reprise)”, não por acaso a música que vem depois da vivência
angustiante de “Time”.
Porém,
o que acontece ao longe, onde os fiéis são chamados a se ajoelharem, está muito
distante do que se passa dentro da casa, na beira do fogo. Há um contraste na
música entre a experiência religiosa, relacionada ao mundo interior, e a
confissão, enquanto atividade relacionada ao mundo exterior. Nesta parte, a
experiência religiosa ocorre em outro contexto, através dos símbolos e dos
ritos consagrados para este fim.
The Dark Side of
The Moon aborda em “Breathe (reprise)” a religião como uma experiência
individual, através do contato com o fogo, ou coletiva, através dos rituais das
Igrejas.
A
música mostra que esse processo de religação, perdido pelo racionalismo e
materialismo do mundo moderno, traz também o risco da submissão à uma mentalidade
coletiva, onde o indivíduo é ordenado pelo pregador a se ajoelhar, juntando-se à massa de fiéis que é alimentada pelo moralismo e fanatismo, que fazem da
religião algo inóspito e sem vida.
A
interpretação da música poderia se encerrar neste ponto, não fosse por um
detalhe que amplia o seu campo de interpretação: o badalo dos sinos de ferro.
Tradicionalmente, o badalo dos sinos serve para anunciar a morte de alguém,
principalmente no momento de prestar-se as últimas homenagens. Assim, “Breathe
(reprise)” aborda também a questão da morte, um tema ao qual a razão não
oferece conforto algum, nem tampouco respostas satisfatórias.
Apesar destas
alusões à morte, é na próxima música “The Great Gig In The Sky” que ela será
abordada de forma mais direta, o que nos faz pensar que o badalo do sino de
ferro conclamando os fiéis a se ajoelharem é o prenúncio do que ainda está por
vir.
THE GREAT GIG IN THE SKY (Um Grande Concerto no Céu)
“The Great Gig In The Sky” traz a questão da morte. Embora a morte
seja o tema principal da música, ela já vem sendo abordada em suas mais
variadas nuances desde o início do disco.
O
fato é que a morte é um mistério que perturba o ser humano, podendo ser
considerada, por assim dizer, o lado oculto da vida, aquilo que de fato não
conhecemos e que, portanto, está muito mais relacionada ao inconsciente do
que à consciência, à superfície visível e ao mundo exterior.
A
morte, enquanto mistério, pode vir acompanhada de sentimentos contraditórios de
dor e alegria. Do ponto de vista do nosso ego, ela é uma terrível brutalidade,
pois como diz Jung (Em Memórias, Sonhos, Reflexões) “um ser humano é arrancado da vida e o que permanece é um
silêncio mortal e gelado. Não há mais esperança de estabelecer qualquer
relação: todas as pontes foram cortadas” .
A Escada de Jacó (1880) de William Blake: a ligação entre o Céu e a Terra |
Porém,
sob o ponto de vista da alma, a morte é um acontecimento importante, pois com
ela, pode-se assim dizer, a alma alcança a metade que lhe falta e atinge a
totalidade. Essa totalidade é uma forma de encontro, ou casamento, que se
refere ao mais completo estado de união. Por isso, há muitos ritos que inserem
a morte num contexto de alegria e festividade, representada entre banquetes e
dançarinas.
Ou
seja, essas manifestações mostram que a morte é sentida, por assim dizer, como
uma festa. Um Grande Concerto no Céu, que é o nome desta música.
Portanto, Time, Breathe reprise e The Great Gig in the Sky também formam uma seqüência no
The Dark Side of the Moon. Time aborda a forma como vamos percebendo o tempo ao
longo da vida, a partir do desenvolvimento da nossa consciência e da nossa
personalidade. O tempo deixa de ser percebido como algo circular,
abundante e qualitativo para ser percebido no seu aspecto lógico,
cronológico e quantitativo. Este é também o tempo característico dos nossos
tempos modernos. Então, em Breathe reprise, a jornada do desenvolvimento que
começou em Time, representada pelo caminho a ser percorrido, chega então ao seu
fim. Surge a questão religiosa, que tanto pode ser algo íntimo, vivo e
transformador, como também algo institucionalizado, baseado em normas e moral
coletiva. Surge também uma referencia à morte, que não deixa de ser uma outra
forma de se voltar para casa, tema que é abordado em The Great Gig in the Sky, onde a morte é vista como uma forma de encontro, uma celebração da união
entre a vida e a morte.
Confira:
Por Melissa Samrsla Brendler
CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS
CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS
(Próxima publicação: Money)
Fonte: Yabuschita, Fábio Massao. The Dark Side of The Moon, a obra-prima do Pink Floyd segundo a Psicologia Junguiana. Editora Dracaena.
Pink Floyd: Richard Wright, Roger Waters, Nick Mason e David Gilmour |
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Home! Home again! I like to be here when I can!When I come home,cold and tired.... it's good to warm my bones besides the fire....
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