sábado, 9 de janeiro de 2016

Time, Breathe reprise e The Great Gig in the Sky

THE DARK SIDE OF THE MOON - 
A Obra prima do Pink Floyd Segundo a Psicologia Junguiana
(Parte 3)





TIME (Tempo)

As horas passam marcando os momentos que se vão em um dia monótono
Você desperdiça e perde as horas de uma maneira descontrolada
Perambulando num pedaço de terra de sua cidade natal
Esperando que alguém ou algo venha mostrar-lhe o caminho
Cansado de se deitar à luz do sol e de ficar em casa observando a chuva
Você é jovem e a vida é longa e há tempo de viver o hoje
E um dia você descobre que dez anos ficaram para trás
Ninguém te avisou quando correr, você perdeu o tiro de partida.
E você corre e corre para alcançar o Sol, mas ele está indo embora no horizonte
Girando ao redor da terra para se levantar atrás de você outra vez
O Sol permanece relativamente o mesmo, mas você está mais velho
Com fôlego mais curto e a cada dia mais próximo da morte
Cada ano está ficando mais curto, você nunca parece ter tempo
Planos que tampouco deram em nada ou em meia página de linhas rabiscadas
Permanecer num desespero quieto é o modo inglês
O tempo se foi, a canção acabou, pensei que tivesse algo mais a dizer


A música Time começa com referências ao ritmo desacelerado do tempo. Neste início ele é sentido como algo abundante, o que nos remete para um estado de inconsciência, já que a percepção do tempo só é possível a partir do desenvolvimento da consciência. Isso ocorre a partir do nascimento e se estende gradualmente até a idade adulta, quando a nossa consciência atinge o seu grau máximo de diferenciação.

Na fase inicial do desenvolvimento psicológico, mãe e criança formam um todo psicológico onde predomina na criança o estado inconsciente. Nesta fase o ego não se diferencia do mundo exterior, o eu e o outro são sentidos como algo único e inseparável, como uma totalidade inconsciente. A vida ainda não é medida pelo tempo, mas regulada pelo instinto. 

Mais adiante o filho se identificará com a figura paterna e, posteriormente, surgirão outras identificações importantes: com a família, o grupo social, a aldeia, a comunidade, ou mesmo com a pátria. Todas essas identificações conferem um sentido de identidade e pertencimento. Tudo isso representa a cidade natal, o pedaço de terra citado na música “Time”, onde a vida parece estagnada e sem sentido. 

Nessa fase da música, o indivíduo está inteiramente voltado à natureza, em estado de contemplação e passividade. Passa os dias deitado ao sol, ou observando a chuva, vivendo o tempo que está relacionado à natureza. Essa forma de se lidar com o tempo é observada na criança e aponta para o estado anterior ao despertar da consciência, quando a vida é apenas um fluir, livre de preocupações ou expectativas, mas sem a possibilidade de realização plena de si mesmo.



A formação da consciência começa na infância, a partir dos primeiros anos de vida, mas atinge o seu ponto crítico e de maior importância na adolescência, que é quando o indivíduo deixa o solo materno e as identificações que resumem o que seria sua cidade natal, como diz a música, para trilhar o caminho que o conduzirá ao encontro e descoberta de si mesmo.



O caminho citado na música representa o desenvolvimento da personalidade. O tempo passa a ser sentido de outra maneira, como algo que não volta. Ele perde seu caráter circular, que antes foi representado pelos fenômenos da natureza, dias de sol e chuva que se sucediam como uma roda que gira. Esse “novo” tempo é o tempo linear, o tempo da consciência, o tempo no qual o mundo civilizado se organiza, compartimentado em dias, horas, minutos e segundos. A partir deste momento, que coincide com a vida adulta e com a competitividade do mundo moderno, o relógio passa a ditar o ritmo, alinhando o indivíduo aos seus ponteiros, como se cada tic-tac fosse um ajuste, e o despertador, o tiro de partida.



Agora o indivíduo se vê obrigado a apressar os passos, a correr como diz a música, pois o tempo deixou de ser abundante como o tempo da infância, e a vida já não é mais algo a se perder de vista. As demandas da vida adulta, organizada em função de jornadas de trabalho, horários, prazos e todo o tipo de exigências relacionadas ao tempo, transformam o seu curso num fluir sem volta.

Esse fluir sem volta no que se transformou o tempo aumenta o desespero e a vontade de controlar os seus efeitos. Assim, alcançar o Sol é uma forma de não se sujeitar ao tempo, já que, como diz a música, o Sol não envelhece, ou seja, ele representa aquilo que não está sujeito ao tempo enquanto passado, presente e futuro. Por outro lado, a imagem do Sol se pondo no horizonte também nos dá a ideia do tempo como algo que empurra o ser humano para frente, em direção a um futuro do qual a única certeza é a morte.




À medida que a música vai chegando ao fim, percebe-se como é difícil lidar com o tempo. Ele tornou o indivíduo um ser impotente e incapaz de atender às demandas que lhes são impostas pelo mundo exterior. Porém, uma vida significativa e plena de realizações só pode ser alcançada se o inconsciente estiver presente neste processo, algo que não aconteceu em Time, onde os planos do indivíduo não deram em nada, não passando de meia página de linhas rabiscadas.

Somente através do retorno ao nosso mundo interior é que o eterno e o atemporal podem se manifestar, conferindo um significado maior à nossa vida. Esse retorno é uma experiência religiosa, no sentido de religare, que significa restabelecer novamente a ligação perdida, entre o ego humano, através do reconhecimento de sua finitude e transitoriedade, com aquilo que há de eterno em cada um de nós.



A música Time traz em seu desfecho, acompanhado de um “quieto desespero”, como diz a letra, a sensação de algo que está chegando ao fim, neste caso a própria canção, de acordo com a lógica do tempo linear, a lógica da finitude humana.

Como nos diz Jung, a Modernidade, ao privilegiar o ego racional e materialista, orientada para o mundo exterior em busca de satisfações mundanas e fixada numa temporalidade vazia, sem história e sem raiz, afasta o indivíduo do essencial, tornando-o um ser oprimido pelo tempo e temeroso diante da fatalidade do seu destino.


BREATHE reprise (Respiração)

Em casa, em casa novamente
Gosto de estar aqui quando eu posso
Quando eu chego em casa com frio e cansado
É bom esquentar meus ossos junto ao fogo
Bem longe através do campo
O badalo do sino de ferro
Conclama os fiéis a se ajoelharem
Para ouvir os encanamentos proferidos com fala suave


“Breathe reprise” mostra em seu início o indivíduo voltando ao lar, um fato com importante implicação psicológica. Como seqüência de Time, os primeiros versos da música apontam para um desfecho. O caminho, que simbolicamente representa o processo de desenvolvimento da personalidade ao longo da vida, foi enfim percorrido. A música sugere uma experiência religiosa, onde a volta ao lar significa o restabelecimento do eixo ego-inconsciente perdido. As aflições vivenciadas anteriormente foram superadas, e o indivíduo consegue então desfrutar de algum conforto e segurança junto ao fogo.



O elemento espiritual que em “Breathe” foi relacionado ao ar, agora está representado pelo fogo. Tanto o ar quanto o fogo são elementos que se referem à realidade psíquica, ou realidade da alma. Segundo Jung, se compreende facilmente que a respiração, por ser um sinal de vida, também serve para representa-la simbolicamente, assim como o fogo, ou uma chama, porque o calor é também um sinal de vida. Esses significados apontam para uma atitude religiosa do indivíduo (no sentido de religar), que busca encontrar dentro de si, no mundo interior, um ponto de apoio que o ajude a se orientar no mundo exterior.

Jung mostrou que a melhor coisa que homem moderno pode fazer para lidar com sua angústia espiritual, com seu sentimento de estar perdido num mundo sem sentido, com seus anseios irrealizados e também com sua sensação ilusória de bem-estar dentro de um vazio espiritual e religioso, é trilhar o caminho da experiência interior. Portanto, estar junto ao fogo é também uma forma de consumar-se a experiência simbólica que faltou em “Breathe”, e que só veio a ocorrer em “Breathe (reprise)”, não por acaso a música que vem depois da vivência angustiante de “Time”.

Porém, o que acontece ao longe, onde os fiéis são chamados a se ajoelharem, está muito distante do que se passa dentro da casa, na beira do fogo. Há um contraste na música entre a experiência religiosa, relacionada ao mundo interior, e a confissão, enquanto atividade relacionada ao mundo exterior. Nesta parte, a experiência religiosa ocorre em outro contexto, através dos símbolos e dos ritos consagrados para este fim.



The Dark Side of The Moon aborda em “Breathe (reprise)” a religião como uma experiência individual, através do contato com o fogo, ou coletiva, através dos rituais das Igrejas.

A música mostra que esse processo de religação, perdido pelo racionalismo e materialismo do mundo moderno, traz também o risco da submissão à uma mentalidade coletiva, onde o indivíduo é ordenado pelo pregador a se ajoelhar, juntando-se à massa de fiéis que é alimentada pelo moralismo e fanatismo, que fazem da religião algo inóspito e sem vida.

A interpretação da música poderia se encerrar neste ponto, não fosse por um detalhe que amplia o seu campo de interpretação: o badalo dos sinos de ferro. Tradicionalmente, o badalo dos sinos serve para anunciar a morte de alguém, principalmente no momento de prestar-se as últimas homenagens. Assim, “Breathe (reprise)” aborda também a questão da morte, um tema ao qual a razão não oferece conforto algum, nem tampouco respostas satisfatórias.



Apesar destas alusões à morte, é na próxima música “The Great Gig In The Sky” que ela será abordada de forma mais direta, o que nos faz pensar que o badalo do sino de ferro conclamando os fiéis a se ajoelharem é o prenúncio do que ainda está por vir.


THE GREAT GIG IN THE SKY (Um Grande Concerto no Céu)

“The Great Gig In The Sky” traz a questão da morte. Embora a morte seja o tema principal da música, ela já vem sendo abordada em suas mais variadas nuances desde o início do disco.

O fato é que a morte é um mistério que perturba o ser humano, podendo ser considerada, por assim dizer, o lado oculto da vida, aquilo que de fato não conhecemos e que, portanto, está muito mais relacionada ao inconsciente do que à consciência, à superfície visível e ao mundo exterior.

A morte, enquanto mistério, pode vir acompanhada de sentimentos contraditórios de dor e alegria. Do ponto de vista do nosso ego, ela é uma terrível brutalidade, pois como diz Jung (Em Memórias, Sonhos, Reflexões“um ser humano é arrancado da vida e o que permanece é um silêncio mortal e gelado. Não há mais esperança de estabelecer qualquer relação: todas as pontes foram cortadas” .

A Escada de Jacó (1880) de William Blake:
a ligação entre o Céu e a Terra

Porém, sob o ponto de vista da alma, a morte é um acontecimento importante, pois com ela, pode-se assim dizer, a alma alcança a metade que lhe falta e atinge a totalidade. Essa totalidade é uma forma de encontro, ou casamento, que se refere ao mais completo estado de união. Por isso, há muitos ritos que inserem a morte num contexto de alegria e festividade, representada entre banquetes e dançarinas.

Ou seja, essas manifestações mostram que a morte é sentida, por assim dizer, como uma festa. Um Grande Concerto no Céu, que é o nome desta música.


Portanto, Time, Breathe reprise e The Great Gig in the Sky também formam uma seqüência no The Dark Side of the Moon. Time aborda a forma como vamos percebendo o tempo ao longo da vida, a partir do desenvolvimento da nossa consciência e da nossa personalidade. O tempo deixa de ser percebido como algo circular, abundante e qualitativo para ser percebido no seu aspecto lógico, cronológico e quantitativo. Este é também o tempo característico dos nossos tempos modernos. Então, em Breathe reprise, a jornada do desenvolvimento que começou em Time, representada pelo caminho a ser percorrido, chega então ao seu fim. Surge a questão religiosa, que tanto pode ser algo íntimo, vivo e transformador, como também algo institucionalizado, baseado em normas e moral coletiva. Surge também uma referencia à morte, que não deixa de ser uma outra forma de se voltar para casa, tema que é abordado em The Great Gig in the Sky, onde a morte é vista como uma forma de encontro, uma celebração da união entre a vida e a morte.


Confira:




Por Melissa Samrsla Brendler
CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS

(Próxima publicação: Money)

Fonte: Yabuschita, Fábio Massao. The Dark Side of The Moon, a obra-prima do Pink Floyd segundo a Psicologia Junguiana. Editora Dracaena.


Pink Floyd: Richard Wright, Roger Waters, Nick Mason e David Gilmour

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Um comentário:

  1. Home! Home again! I like to be here when I can!When I come home,cold and tired.... it's good to warm my bones besides the fire....

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