segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Speak To Me, Breathe e On The Run

THE DARK SIDE OF THE MOON - 
A Obra-prima do Pink Floyd Segundo a Psicologia Junguiana
(parte 2)








SPEAK TO ME (Fale para mim)

A música de abertura do The Dark Side of The Moon é uma espécie de prólogo composto por batidas de coração, ruídos e risos nervosos que se intensificam à medida que a atmosfera sonora vai se tornando cada vez mais densa, até culminar em uma seqüência visceral de gritos, que parecem expressar a angústia e o desespero que antecedem o surto ou o nascimento.



Esta breve introdução parece antecipar o destino que a face oculta da Lua reserva ao indivíduo, o sujeito da loucura e das insanidades características do mundo moderno. Em meio a esse estado de confusão mental, e dando continuidade à seqüência de gritos de “Speak to Me”, inicia-se a música “Breathe”.



BREATHE (Respiração)


Respire, inspire o ar
Não tenha medo de se importar
Vá, mas não me deixe
Olhe em volta e escolha seu próprio chão
Tenha uma vida longa e voe alto
E sorrisos você dará e lagrimas chorará
E tudo o que você toca e tudo o que você vê
É tudo o que sua vida sempre será
Corre, coelho, corre
Cave esse buraco, esqueça o sol
E finalmente, quando o trabalho terminar
Não vá se sentar, é hora de começar outro
Tenha uma vida longa e voe alto
Mas só se você se deixar levar pela maré
Equilibrado sobre a onda maior
Você corre em direção a uma precoce sepultura


Como o próprio título diz, a música se refere à respiração, condição essencial para a vida que tem início a partir do nosso nascimento. Na música, podemos também atribuir à ela um significado simbólico, relacionando com o desenvolvimento posterior do indivíduo, pois o ar também representa o sopro vital, o elemento espiritual que anima a vida humana. Esse elemento espiritual aqui, no caso, é próprio inconsciente, pois o inconsciente é o responsável por proporcionar o crescimento psíquico e o desenvolvimento da personalidade.

O inconsciente é sentido, num primeiro momento, através da figura materna, com quem a criança está psicologicamente fundida. Mãe e criança, no início do desenvolvimento, formam uma totalidade. A criança não vê a separação entre mundo interior e mundo exterior. Assim, ela desconhece problemas, pois vive de forma onipotente e em comunhão com a figura materna. Depois, a criança vai se diferenciar da mãe e, lentamente, vai adquirir consciência de si como um ser distinto e separado. 




A medida que vamos ganhando mais liberdade, o processo de aquisição da consciência vai levando a nos tornarmos cada vez mais responsáveis e conscientes. Vamos ser colocados diante de questões e dilemas éticos e teremos que recorrer cada vez mais à nossa própria consciência, que passará a assumir uma importância cada vez maior nas nossas vidas. Sendo assim, a separação e afirmação do nosso ego quando somos criança, nos leva cada vez mais à valorização da razão e da consciência, que são simbolicamente representadas pelo Sol, princípio masculino por excelência.

Nesse sentido, o processo de desenvolvimento e amadurecimento do ego faz com que nos afastemos cada vez mais do inconsciente, o que é necessário para darmos conta das demandas da vida adulta e do mundo civilizado. Porém, para um desenvolvimento psicológico saudável, o inconsciente não deve ser completamente abandonado ou deixado para trás, pois nele estão todas as forças criativas que conseguem sempre levar a nossa vida a novos desdobramentos, novas formas e novos horizontes. 




O caminho para isso seria nos mantermos fiel à nossa criança interior, que fica, de certa forma, esquecida no inconsciente. É ela que não devemos abandonar ou deixar para trás, para não gerarmos um desequilíbrio, pois quando levamos uma vida unicamente centrada no nosso ego e na razão, corremos o perigo de cair em uma vida estéril, carente de significado e marcada por sentimentos de poder e vazio existencial. E, assim, como nos dizem os versos da música, o que era alegria há de se tornar tristeza e se converter em lágrimas, pois a dor vai nos mostrar que voamos alto demais e ignoramos certos limites da vida.

Além do mais, nossa sociedade moderna valoriza a razão e a realidade física e material acima de todas as coisas, ou seja, “tudo aquilo que se toca e vê”, como nos versos da música. Ignoramos o lado irracional, intuitivo e criativo da vida, que são os domínios da Lua (ou do inconsciente). 

É nesse contexto que surge na música o Coelho, um animal bastante associado à Lua e ao feminino nas lendas e religiões de todo o mundo, e também muito associado ao medo, porque está sempre fugindo e se escondendo. Nesse sentido, o coelho simboliza o indivíduo que está fugindo, correndo como um coelho assustado, diante do medo e da falta de sentido, levando uma vida estéril e repetitiva, onde o que lhe resta é, como diz na letra, cavar um buraco atrás do outro.

O coelho é o animal que representa a vida instintiva,
intuitiva e irracional do ser humano, ou seja,
está associado ao inconsciente e ao mundo feminino.
Em Alice no País das Maravilhas, é um coelho
que conduz Alice ao mundo da fantasia e da imaginação,
onde elementos simbólicos levam a crer que o Pais das Maravilhas
é o próprio inconsciente da personagem. 

A música nos mostra que a saída para tudo isso seria se deixar levar pela maré. As formações das marés, como se sabe, se devem às influências da Lua, então, podemos compreender a analogia utilizada na música como uma atitude de maior sensibilidade e receptividade ao inconsciente (já que a Lua é símbolo do inconsciente). E só assim, o indivíduo poderá alcançar a promessa de uma vida longa e um vôo alto, uma forma simbólica do pleno desenvolvimento de si mesmo.



Porém, falta para o homem de hoje a condição necessária para esta experiência, que é uma atitude de maior introspecção. Algo que está muito além de tudo o que se toca e tudo o que se vê. Falta para o homem de hoje reverência e respeito pela vida, pelo fato de acreditar demais na onipotência do seu ego, e almejar sempre o lugar mais alto na crista da onda ou a onda maior. 

Sendo assim, o último verso de “Breathe” traz a ameaça da morte para quem viveu limitado por sua consciência unilateral, pois não manteve o diálogo com o inconsciente. A morte aqui pode ser entendida não como morte física, mas como morte psicológica ou espiritual, quando a vida se torna vazia e sem propósito. 

E aquele que outrora destemido, fugiu, mas não escapou ao seu destino. 
        Cavou no chão escolhido por ele sua própria sepultura.


ON THE RUN (Na corrida)

        
A música “On The Run” é uma composição instrumental, que foi elaborada a partir de sons eletrônicos. Esses sons eletrônicos nos remetem ao ritmo frenético e acelerado do mundo moderno, o que já foi constatado anteriormente em “Breathe”, na imagem do coelho que corre para cavar buracos, sem parar nem encontrar sentido naquilo que faz.


Como “On The Run” vem na seqüência de “Breathe”, que termina com o verso “você corre em direção a uma precoce sepultura”, podemos considerar que essa música se refere a esta trágica corrida, interrompida ao som de uma forte explosão no final, como se fosse o colapso do homem moderno, que apesar de suas mais elevadas conquistas, é incapaz de impedir a própria tragédia.

A música nos transmite a sensação de um indivíduo imerso num turbilhão de sensações, meio fora de órbita e absorto em uma atmosfera contaminada pelo caos.

A fala que foi adicionada à música “Viva o hoje, o amanhã já era, este sou eu”, seguida por risos assustadores, ilustra a perturbação e o descontrole mental de quem está prestes a sucumbir. As vozes anunciando vôos em um saguão de aeroporto seriam uma provável alusão à viagem enquanto destino dos insanos.



Portanto, Speak to Me, Breathe e On the Run formam uma seqüência no The Dark Side of the Moon. Speak to Me fala sobre a angústia ou o desespero que antecede o surto ou o nascimento. Depois vem Breathe, que aborda o processo de desenvolvimento da nossa consciência a partir do nascimento. Esse desenvolvimento começa de forma totalmente inconsciente, na fusão emocional da criança com a mãe. Depois o filho vai se diferenciar. Vai formar seu ego e sua consciência, num processo de ir se afastando lentamente do inconsciente até chegar a idade adulta. A música então faz uma crítica à sociedade moderna que, por suas características, se afastou da natureza inconsciente, instintiva, intuitiva, ficando unicamente centrada nos valores da razão, do ego e da consciência, levando o homem a viver uma vida vazia, sem sentido e sem um significado maior. Por fim, vem On The Run, que retrata a velocidade, o caos, a loucura e a fatalidade do mundo moderno, extremamente racionalista, materialista e egocêntrica.

Confira:

       




Por Melissa S. Brendler
CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS

(Próxima publicação: Time, Breathe reprise e The Great Gig in the Sky.)


Fonte: Yabuschita, Fábio Massao. The Dark Side of The Moon, a obra-prima do Pink Floyd segundo a Psicologia Junguiana. Editora Dracaena.






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