sexta-feira, 23 de março de 2018

O tesouro escondido: a depressão como um caminho de autodescoberta


O Poço Iniciático - Sintra/Portugal.



Nada no mundo existe sem o seu oposto. “Uma maior quantidade de luz, significa sempre uma noite mais comprida”, observou Jung. A vida necessita do contraste, da referência e de pontos de vista para permanecer em equilíbrio. No entanto, costumamos distorcer essa realidade. Buscamos uma felicidade pura, restrita apenas em sentir prazer, alegria e satisfação. Porém, essa busca pode acabar provocando exatamente o oposto daquilo que pretende. Quando qualquer coisa torna-se unilateral e exclui o seu oposto, o outro lado, ou aquilo que foi negligenciado, inevitavelmente entrará em ação, reivindicando seu espaço. Por pior que possa parecer, esse “encontro com a sombra”, como costumamos chamar na Psicologia Junguiana, é um convite à expansão da consciência, e tem por objetivo enriquecer nossa realidade, ou nosso senso de eu, que de outro modo permaneceria alienado e superficial. Por isso, podemos afirmar desde já que há um sentido profundo escondido na depressão.

No entanto, para poder entende-la, primeiro precisamos esclarecer alguns aspectos. A depressão pode manifestar-se de três formas diferentes. Ela pode ser reativa, endógena ou intrapsíquica. Freqüentemente, elas podem ser confundidas entre si, ou uma pessoa pode sofrer dos três tipos ao mesmo tempo. Logo, cabe ao psicoterapeuta ajudar a identificar qual delas é a que se faz presente.

A depressão reativa, como o próprio nome diz, é uma reação absolutamente normal a uma perda, desilusão ou desapontamento. Ela se manifesta na mesma medida do envolvimento com a realidade exterior que provocou os sintomas. Ela só é patológica quando perturba profundamente o funcionamento normal da pessoa, ou quando o impacto da experiência se prolonga além de um período razoável.

A depressão endógena vem de uma base desconhecida, porém presumivelmente biológica. É uma depressão transmitida geneticamente, e geralmente encontramos outros membros da família com o mesmo problema. Ela se caracteriza pela enorme dificuldade e esforço em executar tarefas simples que a maioria de nós executa com facilidade. É como se estas pessoas carregassem um enorme peso em seu corpo e sua alma. É o tipo de depressão que se beneficia bastante do uso de antidepressivos, embora o indivíduo ainda possa sofrer das desgraças “normais” da vida.

A depressão intrapsíquica, sobre a qual trata-se o texto, é aquela que vai sendo forjada a partir das circunstâncias que inevitavelmente internalizamos ao longo da vida, especialmente aquelas que se referem à família de origem e ao processo de construção do senso do eu, dos outros e dos relacionamentos. É o chamado “poço sem fundo”, embora do ponto de vista da Psicologia Junguiana seja um poço com fundo.

A palavra de-pressão significa, literalmente, pressionado para baixo. A energia vital e a intencionalidade da vida são contrariadas, pressionadas para baixo. É como se a vida estivesse em guerra contra a própria vida. Algo ficou para trás, foi esquecido, isolado ou negligenciado. Uma grande quantidade da energia vital está presa nos porões mais escuros do inconsciente, impedindo o fluxo natural da vida e reivindicando seu reconhecimento e assimilação.  É a psique mostrando seu desejo de expansão ou transição, nos convocando à produção de novos significados para o existir. Precisaremos encontrar o sentido que está oculto por trás dos sintomas, nadando até o fundo do poço para poder enxerga-lo, e assim começar a curar nossa alma.

Existe um certo dilema que atinge a história de todos nós. Ao longo do crescimento, assim como uma planta, nós nos torcemos e até nos distorcemos a fim de obter luz e calor - no caso, a energia amorosa dos nossos pais e cuidadores. Posteriormente, vamos transmitir esse mesmo tipo de funcionamento para todas as relações da nossa vida. No entanto, para que nos tornemos nós mesmos, precisamos abandonar a legítima esperança da criança que reside dentro de nós e nos aceitarmos como somos. Para acabar com a depressão, vamos ter que correr o risco de enfrentar justamente aquilo que mais tememos e que está bloqueando nosso crescimento natural: a ansiedade do isolamento e do desamor devido a frustrantes expectativas coletivas.

Então, somos forçados a escolher entre a ansiedade e a depressão. Se avançamos, como solicita nossa alma, sentiremos ansiedade. Se não avançamos, ficaremos presos na depressão. Nesse processo difícil, precisamos escolher a ansiedade, pois ela indica um caminho de crescimento. A depressão, ao contrário, é a estagnação e derrota da vida.

Portanto, existe um valor profundamente terapêutico na depressão. É um movimento de regressão da energia psíquica que vem a serviço da nossa totalidade e equilíbrio, nos mostrando que existe algo de errado em nosso modo de funcionamento. Se tivermos deixado para trás uma parte importante e vital de nós mesmos, a depressão nos fará voltar para encontra-la, traze-la à superfície, integra-la e vive-la. E, quando formos capazes de tornar consciente esse material, ela irá embora.

Certamente, é preciso muita coragem para isso. Coragem para valorizar e respeitar a depressão, coragem para não se distrair ou se distanciar dela e coragem para não tentar elimina-la a todo custo com o uso de medicamentos. Lá no fundo, nos meandros do nosso labirinto interior, existe um significado profundo, vivo e dinâmico. A depressão nos convida a descer até lá e encontrar esse precioso tesouro.



Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP 07/13831
Porto Alegre/RS



Fonte: HOLLIS, James. Os Pantanais da Alma; nova vida em lugares sombrios. São Paulo: Paulus,1999, 1ed. JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Obras Completas, vol.19/1.

terça-feira, 6 de março de 2018

Mulheres na construção de uma Bela Velhice




Você já ouviu falar em uma coisa chamada “Curva da Felicidade”?

Uma pesquisa realizada em 80 países, com mais de dois milhões de pessoas, descobriu um padrão constante em relação à felicidade: que as pessoas mais jovens e as pessoas mais velhas é que são as mais felizes. As que se sentem menos felizes são aquelas que estão entre 40 e 50 anos. Os pesquisadores descobriram uma curva da felicidade, que tem o mesmo formato da letra U: ela é maior no início da vida, começa a diminuir ao longo dos anos, chegando ao seu ponto mais baixo em torno dos 45 anos, e depois começa a subir novamente. Ou seja, eles descobriram que as pessoas mais velhas - se tiverem boa saúde, estabilidade financeira e afetiva - podem se sentir tão ou mais felizes quanto a mais jovens.


A antropóloga e escritora Mirian Goldenberg, uma das referências mais importantes no campo de estudos de gênero no Brasil, encontrou essa mesma curva da felicidade na sua pesquisa de mais de 30 anos com mulheres brasileiras. Ela descobriu que aquelas que têm entre 40 e 50 anos são as que mais se sentem infelizes, insatisfeitas, frustradas, deprimidas e exaustas. Entre as reclamações principais estão: falta de tempo, falta de reconhecimento e falta de liberdade. Quando foram questionadas sobre aquilo que mais invejavam nos homens, respondiam em primeiríssimo lugar: LIBERDADE. A liberdade com o próprio corpo, a liberdade sexual, a liberdade de rir e de brincar por qualquer bobagem e tantas outras liberdades. Em relação ao que mais invejavam nas outras mulheres estavam o corpo, a beleza, a juventude, a magreza e a sensualidade.

Veja bem, o corpo invejado pelas mulheres brasileiras é jovem, magro e sensual. Obviamente, isso não é nenhuma novidade. No Brasil, este modelo de corpo é um verdadeiro capital. As mulheres brasileiras são as que mais fazem (no mundo) cirurgia plástica, preenchimento e botox. São também as que mais fazem uso de tinturas pra cabelo, remédios para dormir e emagrecer, moderadores de apetite e ansiolíticos. Somos nós, as mulheres brasileiras, as que estão mais insatisfeitas com o próprio corpo. Somos nós as que mais deixam de sair de casa, de ir a festas e até mesmo de trabalhar quando nos sentimos velhas, gordas e feias. Ou seja, as brasileiras têm um verdadeiro pânico de envelhecer.  Essa crise parece que encontra o seu ápice por volta dos 40 anos de idade, a chamada fase do “nem-nem”: nem jovem e nem velha. Uma participante da pesquisa (45 anos) chegou a dizer que se sentia uma mulher invisível ou transparente: sem saber que lugar ocupar e com muito medo de parecer ridícula aos olhos dos outros.

Porém, as coisas tendem a melhorar - e muito - depois dos 50 anos. Época em que a curva da felicidade começa a subir novamente. As mulheres com mais de 60 anos costumam definir este período como o melhor momento de suas vidas. Sentem-se muito felizes, pois finalmente sentem que podem ser elas mesmas. Elas sentem-se livres!

Mas como será que elas conquistaram essa liberdade tão almejada?

Segundo Mirian Goldenberg, em primeiro lugar, elas descobriram que o TEMPO é o verdadeiro capital. As mulheres mais velhas não querem e não podem mais desperdiçar o próprio tempo. As mais jovens, ao contrário, se preocupam demais em querer agradar e cuidar de todo mundo, e acabam não tendo tempo para elas mesmas. Quando amadurecem, há uma mudança de foco, e o tempo para cuidar de si passa a ser prioridade. No entanto, para isso acontecer, essas mulheres tiveram que aprender algumas coisas...

A principal delas foi APRENDER A DIZER NÃO. Uma coisa que parece muito simples, mas não é. Na verdade, aprender a dizer não é uma verdadeira revolução para as mulheres, que desde muito cedo são ensinadas a serem muito solícitas e abnegadas, fazendo tudo o que estiver ao seu alcance para agradar aos demais. Além disso, elas também precisaram fazer uma verdadeira FAXINA EXISTENCIAL. Não no sentido de se desfazer de roupas ou cacarecos que não servem mais - isso também é importante, mas é o mais fácil. A faxina existencial que precisaram fazer foi tirar da vida todas aquelas pessoas que só faziam mal, só criticavam, só sugavam suas energias. Os chamados vampiros emocionais. Elas também aprenderam uma outra coisa muito importante. Como a própria Miriam Goldenberg disse: “elas aprenderam a ligar o botão do FODA-SE. Não é que ficam dizendo foda-se para todo mundo. Não é isso. Elas são muito elegantes”.  O foda-se a que ela se refere é, na verdade, uma atitude interna ou uma espécie de filosofia: é um não se preocupar, um não estar nem aí para o que os outros possam pensar ou dizer a respeito delas.  E isso, em se tratando de mulheres, tem um efeito verdadeiramente libertador!

Outro ponto bastante curioso sobre as mulheres que redescobriram  a felicidade, é a importância da amizade. Segundo elas, são as amigas que cuidam, escutam, conversam, levam ao médico e que telefonam todos os dias para saber como elas estão. Elas falaram muito mais das amigas do que dos maridos, filhos e netos. Quando perguntadas sobre quem cuidaria delas na velhice, responderam em primeiro lugar “eu mesma”, e, em segundo lugar, “minhas amigas”.

Por fim, essas mulheres finalmente aprenderam a rir e a brincar muito mais. 60% das mulheres mais jovens, que participaram da pesquisa, disseram que invejavam a capacidade masculina de rir de brincar de qualquer bobagem. Quanto perguntadas, então, porque não riam mais, a resposta era sempre “falta de tempo” ou “muito medo do que os outros vão pensar”. Assim, quando mais velhas, aprenderam a rir muito mais, especialmente rir de si mesmas!

Como disse uma médica de 65 anos: “não sei porque eu demorei tanto tempo pra descobrir uma coisa tão simples: que liberdade é a melhor rima pra felicidade! Minha receita para uma vida feliz é: ter um projeto de vida, não me preocupar com que os outros pensam, dizer não pra tudo o que eu não quero mais na minha vida e curtir as minhas amigas. Como médica eu posso garantir: rir muito, principalmente rir de si mesma, é sempre o melhor remédio!”.

Por que será que demoramos tanto tempo para descobrir uma coisa tão simples? 



Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS





Fonte: GOLDENBERG, Mirian. A Bela Velhice. Rio de Janeiro: Record, 2013.