sábado, 26 de maio de 2018

PROJEÇÕES: o outro como espelho




Qualquer pessoa que esteja inconsciente de si mesma – e todos nós estamos em maior ou menor grau - está propensa a se ver em outra pessoa, como em um espelho. Para compreender essa circunstância, precisamos olhar para aquilo que na Psicologia chamamos de PROJEÇÃO.

Somos naturalmente inclinados a acreditar que o mundo é como o vemos e que as pessoas são exatamente quem imaginamos que sejam. Logo aprendemos que não é bem assim, porque frequentemente as pessoas revelam-se completamente diferentes da maneira que pensamos que fossem. Se não são próximas, não pensamos muito a respeito, mas quando se trata de alguém muito íntimo, é bem provável que nos sentiremos desolados e decepcionados quando a verdade aparecer.

Jung considerava que os conteúdos do nosso inconsciente estão constantemente se projetando no ambiente ao nosso redor. Vemos aspectos não reconhecidos de nós mesmos nas outras pessoas o tempo todo. Assim, vamos criando uma série de relacionamentos, muitas vezes imaginários, que frequentemente têm pouco ou nada a ver com a realidade em si.

A boa e a má noticia é que ninguém escapa disso. Faz parte da dinâmica natural da psique que os conteúdos inconscientes se projetem. A projeção costuma ter uma imagem negativa, mas ela também tem aspectos positivos, pois através dela criam-se pontes entre as pessoas, facilitando as relações interpessoais, diminuindo nossas defesas e, portanto, nos auxiliando e encorajando a viver experiências. A projeção faz a “liga”, e o bem da verdade é que a vida seria bem chata e monótona se não fosse assim.

Além do mais, a projeção não acontece somente em relação a pessoas. Nós podemos nos projetar em qualquer coisa. Podemos, por exemplo, desenvolver uma verdadeira fascinação por sapatos, carros ou dinheiro, por algum lugar específico, por algum animal ou planta, ou por certa prática ou atividade. Costumamos chamar essas projeções de fetiche, fobia, mania ou obsessão, e elas sempre possuem um significado interno simbólico e importante sobre a psicologia do individuo que as possui. 

Jung definiu duas formas de projeção: a PROJEÇÃO PASSIVA e a PROJEÇÃO ATIVA. A projeção passiva é um fenômeno inconsciente, sendo completamente automática e não-intencional. É o que acontece quando nos apaixonamos, por exemplo, ou quando nos irritamos profundamente com o jeito de outra pessoa. Podemos não saber nada sobre ela e, de fato, quanto menos soubermos, mais fácil será para projetarmos. Vamos preenchendo o vazio por nossa conta, ou melhor, por conta daquilo que existe em nosso interior. É claro que para haver a projeção é necessário haver um “gancho”, ou seja, a pessoa sobre a qual se dá o fenômeno pode acabar encorajando-o em função das suas características pessoais.

A projeção ativa, por outro lado, seria o que chamamos de EMPATIA: a capacidade de se colocar no lugar do outro, de imaginar o que o outro sente ou de sentir junto com ele. Uma habilidade essencial para determinadas profissões e para os relacionamentos em geral, mas que também possui seus riscos, pois pode facilmente se transformar em IDENTIFICAÇÃO.

Há uma linha muito tênue entre a empatia (projeção ativa) e a identificação. A identificação não pressupõe nenhuma separação entre sujeito e objeto, nenhuma diferença entre o meu eu e o da outra pessoa. Nessa lógica, o que é bom para mim deve ser bom para o outro. 

A identificação é bastante comum e sempre significa um problema. Quando nos identificamos com a outra pessoa, nosso bem-estar emocional fica intimamente ligado ao estado de espírito dela e sua atitude com relação a nós. É como um círculo vicioso. Não conseguimos funcionar de forma independente, e essa dependência torna a outra pessoa responsável pela maneira como nos sentimos. Na pior das hipóteses, construímos relacionamentos que, psicologicamente, são exatamente iguais aquele existente entre pais e filhos. Essa responsabilidade é perfeitamente normal no primeiro caso, mas entre adultos, torna-se impraticável a longo prazo. Ninguém pode fazer um movimento sem exercer um efeito sobre o outro, o que acaba inibindo significativamente a auto expressão de ambos: uma verdadeira prisão.

É por isso que o autoconhecimento tona-se tão importante se quisermos ter relacionamentos verdadeiramente saudáveis. Somente quando tomamos consciência dos nossos próprios complexos e predisposições é que podemos saber dos nossos limites: onde terminamos e onde começam os outros. E, mesmo assim, nunca teremos totalmente certeza. É preciso estar sempre atento, mantendo o máximo de cuidado.

Se nossas projeções não chegarem até as vias da identificação, elas são verdadeiramente úteis. Quando admitimos que alguma qualidade ou característica está presente no outro e, depois, com a experiência, descobrimos que não é bem assim, somos obrigados a reconhecer que muito do que enxergamos no mundo é nossa própria criação. Então, ao pararmos para refletir a respeito, vamos aprender muito sobre nós mesmos e sobre nossa história.

A finalidade última das nossas projeções é favorecer o encontro interior. O inconsciente, ao projetar-se no meio externo, expõe seus conteúdos nos possibilitando confronta-los e integra-los, o que nos aproxima cada vez mais da nossa inteireza. No entanto, cabe salientar que só se torna necessário retirar as projeções quando nos frustramos em relação às expectativas que depositamos no meio externo, principalmente se isso vier acompanhado de forte carga afetiva (paixão, medo, ódio, raiva, encanto, fascinação, etc.). Do contrário, não havendo disparidade entre aquilo que esperamos ou imaginamos ser verdade e a realidade em si, não há necessidade de retirarmos nossas projeções. Deixemos que a vida siga seu caminho.



Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga – CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS



Referências:
JUNG, Carl Gustav. A Natureza da Psique. Obras Completas, vol.5. Petrópolis: Vozes, 2000.
SHARP, Daryl. Ensaios de Sobrevivência: anatomia de uma crise de meia idade. São Paulo: Cultrix, 1995.
SHARP, Daryl. Léxico Junguiano: dicionário de termos e conceitos. São Paulo: Cultrix, 1993. 
STEIN, Murray. JUNG, o mapa da alma: uma introdução. São Paulo: Cultrix, 2016.