sábado, 6 de fevereiro de 2016

Eclipse

THE DARK SIDE OF THE MOON -
A Obra prima do Pink Floyd segundo a Psicologia Junguiana
(parte 7)





ECLIPSE

        
Tudo o que você toca
Tudo o que você vê
Tudo o que você prova
Tudo o que você sente
Tudo o que você ama
Tudo o que você odeia
Tudo o que você desconfia
Tudo o que você salva
Tudo o que você dá
Tudo o que você negocia,
Tudo o que você compra, mendiga ou rouba
Tudo o que você cria
Tudo o que você destrói
Tudo o que você faz
Tudo o que você fala
Tudo o que você come, todo mundo que você encontra
Tudo o que você despreza, todo mundo com quem você luta
Tudo o que é agora, tudo o que passou e tudo o que está por vir
E todas as coisas estão em harmonia sob o Sol,
Mas o Sol é eclipsado pela Lua.


A música Eclipse retoma os temas abordados ao longo do disco com um novo e surpreendente final. Ela aborda as experiências e aspectos da vida que têm relação com a personalidade consciente, com o ego, mas que têm origem no inconsciente.

Assim, os primeiros versos da música, tudo o que você toca, vê, prova e sente, se referem às quatro funções da consciência: Sensação (o que você toca), Pensamento (o que você vê), Sentimento (o que você prova) e Intuição (o que você sente).



Nascemos com todas estas funções em potencial dentro de nós, mas desenvolvemos apenas uma delas, mais do que todas as outras. A função que a gente desenvolve melhor se tornará a nossa função principal. Assim, cada indivíduo tem uma função dominante que vai influenciar o seu modo de perceber o mundo e de se relacionar com os outros e consigo próprio.

Quem tem a função sensação como principal prioriza os sentidos como maneira de se orientar e foca sempre o aspecto concreto daquilo que é percebido. A função sensação percebe que algo existe pelo gosto, cheiro, cor, forma, etc.

Se a função sensação diz que algo existe, a função pensamento interpreta e conceitua aquilo que se apresenta. Quem tem a função pensamento como principal prima pela razão e pela lógica dos fatos, organiza os dados dos sentidos e aquilo que vê passa a conhecer, atribuindo um julgamento para aquilo que é percebido.

Quem tem a função sentimento como principal, por sua vez, atribui um valor a tudo que é percebido. Este valor surge de um julgamento subjetivo e pessoal que varia de acordo com cada um. A função sentimento leva em conta os critérios pessoais, ao contrário da função pensamento que leva em conta critérios lógicos e racionais gerais que provém do conhecimento humano. É importante saber que sentimento não é o mesmo que emoção. A emoção é uma reação fisiológica que não depende de critérios de avaliação, ao contrário do sentimento, que é uma função que atribui valores pessoais ao que é percebido.

A quarta e última função da consciência é a intuição, ou “tudo aquilo que você sente”, como diz a música. A função intuição se refere a um tipo de percepção inconsciente sobre a realidade, pois surge espontaneamente na consciência, como um pressentimento. Ela fornece um conhecimento irracional sobre a experiência, sua finalidade ou possibilidades futuras. Sendo assim, ela é oposta à função sensação, que se relaciona com os dados concretos e imediatos da experiência.

Os versos “tudo o que você ama, odeia, desconfia e salva” nos remetem novamente à questão da conscientização e integração da própria sombra como forma de ampliarmos a nossa consciência sobre as coisas e sobre nós mesmos. Tudo aquilo que não conhecemos ou não aceitamos em nós mesmos tendemos a enxergar do lado de fora, nas outras pessoas. Nesse sentido, duvidar e desconfiar de todos os nossos juízos e reações emocionais exageradas ou desproporcionais em relação às coisas e às pessoas é extremamente importante para que possamos nos libertar do aprisionamento causado pelas nossas projeções. Assim, podemos ampliar a consciência sobre quem de fato nós somos, promovendo a paz e o entendimento com aquilo que nos cerca.



Os versos “tudo aquilo que você dá, negocia, compra, mendiga ou rouba” nos lembram a temática da música “Money”, que retrata algumas situações comuns no capitalismo e suas contradições, onde as relações humanas são mediadas pelo mercado e pelo capital, e onde o consumo tornou-se a medida de todas as coisas. Estes versos também mostram hábitos comuns da nossa vida cotidiana, muito sujeitos a deslizes e tentações, mas que no geral representam o jogo de papéis que cada um de nós assume na vida social. Esses papéis formam a Persona, que é o termo utilizado por Jung para o aspecto mais visível e superficial da nossa personalidade. A Persona é a nossa identidade social que facilita o convívio e interação com as outras pessoas. É a máscara de cada um nós, para o bem ou para o mal.

Os versos “tudo o que você cria e destrói” mostram as forças opostas de criação e destruição que se manifestam na consciência humana. Cultura e contra-cultura, ordem e revolução, masculino e feminino, consciência e inconsciente são expressões dessas forças em constante conflito dentro de nós, como também expressa o símbolo do yin-yang. É na nossa alma que essas forças opostas podem dialogar e buscar o equilíbrio e a totalidade, pois todas são necessárias à vida e à nossa existência.



Os versos “tudo o que você faz e fala” se referem a nossas atitudes, ou às escolhas e decisões que vamos tomando ao longo da vida. Tudo aquilo que a gente faz está baseado num conjunto de valores e códigos de conduta, que se refletem naquilo que a gente fala. Há momentos, porém, que a nossa atitude pode ser moralmente indesejável, mas ser eticamente necessária. Isso acontece quando optamos por não reproduzir a moral dominante e resolvemos nos tornar um agente de transformação no nosso meio social. Isso só acontece quando nos permitimos ouvir a nossa voz interior e colocarmos ela na prática, através das nossas atitudes.

Os versos “tudo o que você come, todo mundo que você encontra, despreza e todo mundo com quem você luta” se referem à capacidade humana de relacionar através do amor ou do poder. O ser humano é um ser gregário por natureza. Nós precisamos nos sentir aceitos pelos outros e também precisamos participar de uma vida em comum com as outras pessoas. Sem o instinto gregário a nossa vida não seria possível.

O que nos liga às outras pessoas não é só a necessidade de juntar forças para um bem comum, mas também o afeto, ou seja, a nossa capacidade de estabelecer relações afetivas, característica que está muito mais próxima dos sentimentos e das emoções do que com o mundo da razão, voltada para o ego.

O sentimento de desprezo pelo outro está intimamente ligado ao desejo de poder, pois ele surge do nosso sentimento de inferioridade em relação ao outro, da ignorância que temos em relação à nossa própria sombra e da nossa incapacidade de estabelecer relações afetivas. Então, recorremos ao uso da força física, moral ou intelectual como forma de impor uma relação baseada na dominação, na disputa e não reconhecimento das diferenças.

Os versos “tudo o que é agora, tudo o que passou e tudo o que está por vir” nos remetem novamente a questão do tempo. Como vimos na música “Time”, passado, presente e futuro só podem ser percebidos pela consciência, pois sem ela tudo repousaria no mais absoluto estado de inconsciência. Isso equivale ao desenvolvimento da nossa personalidade ao longo de todo ciclo vital, dividido em infância, fase adulta e velhice, e também à relação do consciente com o inconsciente, simbolicamente representados pelo Sol e pela Lua.

O último verso de “Eclipse”, que também é o último verso do disco, “E todas as coisas estão em harmonia sob o sol, mas o sol é eclipsado pela Lua” nos fala que todos os fatos e eventos que foram citados ao longo da música estão em sintonia com os valores da consciência. Nos adaptamos à vida exterior e a vida foi transcorrendo de forma ordenada. Desenvolvemos a razão e passamos a acreditar que ela é o único critério para conduzir nossos pensamentos e ações. Assim também passamos a acreditar que todas os nossos questionamentos relacionados à morte, ao tempo, à loucura e ao poder podem ser respondidos seguindo os critérios e atributos da nossa consciência. Tudo isso está em “harmonia sob Sol”, não fosse pelo fato que de que “o Sol é eclipsado pela Lua”.

Este verso que encerra o The Dark Side of The Moon resume toda a essência do disco. A imagem do sol eclipsado pela Lua representa a consciência sendo obscurecida pelo inconsciente.


Todos os valores, experiências e planos que nos trazem conforto e segurança, na verdade, não passam de ilusão e fantasia. Assim, o eclipse denota o estado de desequilíbrio que está na raiz de todas as guerras, medos, vícios, sofrimentos e vazio abordados ao longo do disco. Desequilíbrio que é causado justamente pela unilateralidade da consciência que se afasta do inconsciente, fazendo com ele ressurja em seu aspecto destruidor, justamente porque foi negado, ou deixado para trás. O disco termina em sombras.

Porém, Jung sempre dizia que quanto maior a escuridão, maior a chance de se encontrar luz. O inconsciente, apesar de avassalador, traz sempre com ele o germe da reconstrução, a semente do novo. O inconsciente é a própria vida e tudo o que a vida quer é a realização plena de si mesma.

Talvez seja justamente isso que aquela enigmática fala colocada no fim do disco queira dizer: “Não há lado oculto da Lua; na verdade, ela é toda escura”.

Confira:






Por Melissa Samrsla Brendler

Psicóloga - CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS

Fonte: Yabuschita, Fábio Massao. The Dark Side of The Moon, a obra-prima do Pink Floyd segundo a Psicologia Junguiana. Editora Dracaena.