Nenhuma experiência se repete mais na nossa vida do que a
perda. Na verdade, nossa vida começa com a perda. Somos separados da proteção
do útero materno e lançados em um mundo incerto e amedrontador. Depois,
perderemos a segurança, a inocência, os amigos e os amores, as energias físicas
do nosso corpo e as várias identificações que fizemos ao longo do caminho.
A
perda é uma condição tão central na nossa vida, que não há uma só cultura que
não possua uma mitologia que dramatize essa sensação de desconexão. Os mitos de
queda e expulsão do paraíso são um bom exemplo disso.
Precisamos
compreender que a vida é uma permanente experiência de sofrimento. Esse
sofrimento é basicamente causado pelo nosso desejo de controle. Queremos controlar
o ambiente, controlar os outros e controlar até mesmo a morte. Como não
conseguimos controlar tudo completamente, nosso sofrimento vai sendo
diretamente proporcional às nossas perdas.
Sendo
assim, o único caminho para transformarmos o sofrimento e irmos além dele é
renunciarmos ao desejo de controlar. Precisamos nos entregar e acompanhar a
sabedoria que está contida na “qualidade transitória da natureza”. O ato de
renúncia não vai nos transformar em vítimas da perda, mas sim em participantes
ativos da entrega.
É
fundamental reconhecermos que a única coisa permanente na vida é sua própria
impermanência. Tudo está em constante mudança, nada é ou está parado, tudo
gira, corre, anda, move-se, nasce, cresce e morre. E cada fim é seguido de um
novo começo, em um eterno vir-a-ser. Não apenas os aspectos materiais estão em
transmutação, mas também os emocionais, espirituais, filosóficos, culturais e
até econômicos. Deixar de mudar é contrário à vida, é a morte!
Por
outro lado, a experiência da perda só pode ser intensa quando algo de valor
esteve na nossa vida. Se não houve a sensação de perda é porque não houve nada
de valor. Sendo assim, a tarefa implícita nesse sofrimento é enxergar esse
valor e segura-lo dentro de nós, tornando consciente a contribuição dessa
pessoa, situação ou experiência em nossa vida, mesmo que não possamos segura-la
concretamente. Isso não é uma negação da perda, ao contrário, é uma
transformação, pois tudo aquilo que é internalizado dentro de nós, jamais é
completamente perdido.
A
traição, por sua vez, é uma outra forma de perda. O que perdemos é a inocência
e a confiança no relacionamento. No entanto, estar em um relacionamento e
confiar nele significa também pressupor a capacidade de sermos traídos. Se não
confiamos, não nos aprofundamos; e sem profundidade, não existe a verdadeira
traição. Sendo assim, o paradoxo da
confiança e da traição é que uma pressupõe a outra.
A
traição é uma das coisas mais difíceis de serem perdoadas. Porém, a capacidade
de perdoar é também o reconhecimento da nossa capacidade de errar, da nossa
capacidade de trair e a única atitude que pode nos libertar do passado. Um
considerável crescimento torna-se possível a partir de então. Podemos aprender
com nossas dores, mas se não o fizermos, nós a repetiremos em outro momento ou
nos identificaremos com elas. Ficaremos presos ao passado, identificados com a
traição.
A
vingança nos coloca no papel de eternas vítimas e nos faz perder todas as
oportunidades de vida que podem ser nossas a partir de então. Negar a dor da
traição é recusar-se ao crescimento que esse sofrimento implica. Por outro
lado, generalizar a experiência, uma outra tentação da pessoa traída, vai nos
transformar em paranóicos que fogem o tempo todo da intimidade dos
relacionamentos.
Se
lidarmos adequadamente com a traição, ela nos levará à expansão da nossa
consciência. Por mais difícil que seja, seremos intimados a reconhecer o quanto
fomos ingênuos, dependentes e o quanto fomos coniventes com todos os fatores
que levaram à traição e à dor que estamos sentindo no momento.
A
mensagem que nos chega através da dor da perda e da traição é que não podemos
nos agarrar a nada, não podemos ter ninguém ou nada como certo e garantido. Não
é possível evitar a dor. Mas o que fica, o que é permanente em meio a
impermanência da vida, é o convite à consciência. O que se mantém sob o nosso
controle é a atitude de estarmos dispostos a descobrir até nas mais amargas
experiências o que permanece dentro de nós para ser vivido.
Por
Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS
Atende em Porto Alegre/RS
Fonte: James Hollis. Os Pantanais da Alma: nova vida em lugares sombrios.
São Paulo: Paulus, 2001.
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