O Remorso de Orestes de William-Adolphe Bouguereau - 1862. |
A culpa é um dos sentimentos
mais básicos e também um dos mais tenebrosos que podemos sentir. Ela não passa
simplesmente de um momento para o outro, como a alegria e a raiva, por exemplo.
Ela é um sentimento que nos consome lentamente e nos martiriza, por não
conseguirmos encontrar uma desculpa ética e moralmente aceitável para deixá-la
de lado e continuarmos nossa vida normalmente.
A culpa nos paralisa.
Sentir-se culpado significa que fizemos algo considerado terrível para nós ou
para alguém, nos aprisionado ao passado e contaminando o presente com vários
outros sentimentos e atitudes decorrentes, como medo, raiva, angústia,
tormento, auto-sacrifício e autopunição.
Podemos encontrar esse
sentimento muito bem representado pelo
mito de Orestes. A história de Orestes e A Maldição da Casa de Atreu é uma das
mais longas e fortes passagens da mitologia grega. Orestes era filho de
Agamenon e Clitemnestra, rei e rainha de Argos. Ao voltar da guerra de Tróia,
Agamenon é assassinado pela sua mulher e por Egisto, seu amante. Para que não
houvesse nenhuma interferência de seus planos, Clitemnestra envia Orestes para
a Fócida, a fim de que ele não soubesse do crime, ou tentasse impedi-la ou
mesmo vingar a morte do pai.
Porém, o deus Apolo aparece
para Orestes na Fócida e disse-lhe que deveria vingar a morte do pai. Orestes
protestou horrorizado, pois aquilo significava ter que matar a própria mãe.
Mas, diante das ameaças terríveis de Apolo, o jovem príncipe acabou aceitando
seu destino e empreendeu sua viagem de volta a Argos. Chegando lá, matou Egisto
e sua mãe com a ajuda de sua irmã, Electra. Tendo obedecido as ordens de Apolo,
julgou estar livre, mas imediatamente passou a ser atormentado e perseguido
pelas Fúrias - seres horríveis com caras de cobra e asas de morcego – que
acabaram por deixar Orestes louco, com pesadelos medonhos e visões tenebrosas.
Cansado e desesperado, Orestes procura Atena, a deusa da justiça, que interfere
a favor dele fazendo as pazes com as Fúrias e libertando-o da antiga maldição.
Nessa narrativa, a culpa está
representada pelas Fúrias que passam a perseguir e atormentar Orestes em função
das escolhas e decisões que ele fez no passado. Como nos mostra o mito, a saída
para esse sentimento é o vislumbre, ou insight, fruto de uma reflexão imparcial
e mais profunda, representada por Atena, a deusa da justiça.
Na maioria das vezes, a culpa
surge em função da frustração dos ideais de perfeição que todos carregamos dentro
de nós, fruto da nossa educação, ou dos valores morais e éticos aos quais
estamos inseridos. Nesse sentido, precisamos entender que a culpa está
associada a uma visão. Toda e qualquer atividade criativa pressupõe a
transgressão em relação àquilo que é considerado como certo, normal ou
aceitável. O que muitas vezes são conceitos relativos e não absolutos. Tudo
aquilo que não serve mais, que nos aprisiona e que nos mantém infantilizados e
acomodados deve ser transgredido.
Por outro lado, a culpa também
nos mostra que somos tão falíveis como qualquer outro ser humano. Ela nos ajuda
a ser mais humildes e a ter mais consciência dos nossos atos. Quando ampliamos
nossa consciência sobre as coisas e sobre nós mesmos, quando encaramos nossos
problemas de frente, com a clareza e honestidade de Atena, mudamos de direção,
buscamos novos caminhos, novas formas de agir. Amadurecemos.
Além do mais, nenhuma pessoa
consciente neste mundo pode se dizer inocente, seja no nível pessoal como no
coletivo. Assim como aconteceu com Orestes no mito, muitas vezes somos
colocados diante de forças opostas e destrutivas. E cabe a nós fazer escolhas,
através das quais outros podem vir a sofrer. Sendo assim, é parte indispensável
do nosso desenvolvimento a aceitação da responsabilidade pelas conseqüências de
nossas escolhas, por mais inconscientes que elas tenham sido na ocasião.
A culpa é um sentimento que
nos faz sofrer, mas não devemos nos tornar infelizes por causa dela, e sim mais
conscientes. Nós só entendemos quem somos de verdade através do sofrimento.
Portanto, se estiver se sentindo culpado, não viva atormentado como Orestes,
nem rebaixe a si mesmo ou se puna. Lamente, mas tenha compaixão por si mesmo.
Procure lembrar de suas qualidades positivas e transforme a experiência em
aprendizado. Esse é o início da sabedoria e o único
caminho que pode nos conduzir a libertação!
Por Melissa Samrsla Brendler
CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS
CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS
Fontes:
CHEVALIER, Jean. GHEERBRANT.
Alain. Dicionário de Símbolos. 16 ed. Rio de
Janeiro: José Olympio, 2001. HOLLIS, James. Os Pantanais da Alma:
nova vida em lugares sombrios. Coleção Amor & Psique. São Paulo:
Paulus,1999. Mourão.
Hellen Reis. Ensaio sobre Culpa. Café com Jung
(cafecomjung.blogspot.com.br). SHARMAN-BURKE, Juliet
& GREENE, Liz. O Tarô
Mitológico. São Paulo: Arx/Siciliano, 2003.
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