sexta-feira, 1 de abril de 2016

Culpa e Libertação


O Remorso de Orestes de William-Adolphe Bouguereau - 1862. 


A culpa é um dos sentimentos mais básicos e também um dos mais tenebrosos que podemos sentir. Ela não passa simplesmente de um momento para o outro, como a alegria e a raiva, por exemplo. Ela é um sentimento que nos consome lentamente e nos martiriza, por não conseguirmos encontrar uma desculpa ética e moralmente aceitável para deixá-la de lado e continuarmos nossa vida normalmente.

A culpa nos paralisa. Sentir-se culpado significa que fizemos algo considerado terrível para nós ou para alguém, nos aprisionado ao passado e contaminando o presente com vários outros sentimentos e atitudes decorrentes, como medo, raiva, angústia, tormento, auto-sacrifício e autopunição.

Podemos encontrar esse sentimento muito bem representado pelo  mito de Orestes. A história de Orestes e A Maldição da Casa de Atreu é uma das mais longas e fortes passagens da mitologia grega. Orestes era filho de Agamenon e Clitemnestra, rei e rainha de Argos. Ao voltar da guerra de Tróia, Agamenon é assassinado pela sua mulher e por Egisto, seu amante. Para que não houvesse nenhuma interferência de seus planos, Clitemnestra envia Orestes para a Fócida, a fim de que ele não soubesse do crime, ou tentasse impedi-la ou mesmo vingar a morte do pai.

Porém, o deus Apolo aparece para Orestes na Fócida e disse-lhe que deveria vingar a morte do pai. Orestes protestou horrorizado, pois aquilo significava ter que matar a própria mãe. Mas, diante das ameaças terríveis de Apolo, o jovem príncipe acabou aceitando seu destino e empreendeu sua viagem de volta a Argos. Chegando lá, matou Egisto e sua mãe com a ajuda de sua irmã, Electra. Tendo obedecido as ordens de Apolo, julgou estar livre, mas imediatamente passou a ser atormentado e perseguido pelas Fúrias - seres horríveis com caras de cobra e asas de morcego – que acabaram por deixar Orestes louco, com pesadelos medonhos e visões tenebrosas. Cansado e desesperado, Orestes procura Atena, a deusa da justiça, que interfere a favor dele fazendo as pazes com as Fúrias e libertando-o da antiga maldição.

Nessa narrativa, a culpa está representada pelas Fúrias que passam a perseguir e atormentar Orestes em função das escolhas e decisões que ele fez no passado. Como nos mostra o mito, a saída para esse sentimento é o vislumbre, ou insight, fruto de uma reflexão imparcial e mais profunda, representada por Atena, a deusa da justiça.

Na maioria das vezes, a culpa surge em função da frustração dos ideais de perfeição que todos carregamos dentro de nós, fruto da nossa educação, ou dos valores morais e éticos aos quais estamos inseridos. Nesse sentido, precisamos entender que a culpa está associada a uma visão. Toda e qualquer atividade criativa pressupõe a transgressão em relação àquilo que é considerado como certo, normal ou aceitável. O que muitas vezes são conceitos relativos e não absolutos. Tudo aquilo que não serve mais, que nos aprisiona e que nos mantém infantilizados e acomodados deve ser transgredido.

Por outro lado, a culpa também nos mostra que somos tão falíveis como qualquer outro ser humano. Ela nos ajuda a ser mais humildes e a ter mais consciência dos nossos atos. Quando ampliamos nossa consciência sobre as coisas e sobre nós mesmos, quando encaramos nossos problemas de frente, com a clareza e honestidade de Atena, mudamos de direção, buscamos novos caminhos, novas formas de agir. Amadurecemos.

Além do mais, nenhuma pessoa consciente neste mundo pode se dizer inocente, seja no nível pessoal como no coletivo. Assim como aconteceu com Orestes no mito, muitas vezes somos colocados diante de forças opostas e destrutivas. E cabe a nós fazer escolhas, através das quais outros podem vir a sofrer. Sendo assim, é parte indispensável do nosso desenvolvimento a aceitação da responsabilidade pelas conseqüências de nossas escolhas, por mais inconscientes que elas tenham sido na ocasião.

A culpa é um sentimento que nos faz sofrer, mas não devemos nos tornar infelizes por causa dela, e sim mais conscientes. Nós só entendemos quem somos de verdade através do sofrimento. Portanto, se estiver se sentindo culpado, não viva atormentado como Orestes, nem rebaixe a si mesmo ou se puna. Lamente, mas tenha compaixão por si mesmo. Procure lembrar de suas qualidades positivas e transforme a experiência em aprendizado. Esse é o início da sabedoria e o único caminho que pode nos conduzir a libertação!



Por Melissa Samrsla Brendler
CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS




Fontes: CHEVALIER, Jean. GHEERBRANT. Alain. Dicionário de Símbolos. 16 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2001. HOLLIS, James. Os Pantanais da Alma: nova vida em lugares sombrios. Coleção Amor & Psique. São Paulo: Paulus,1999. Mourão. Hellen Reis. Ensaio sobre Culpa. Café com Jung (cafecomjung.blogspot.com.br). SHARMAN-BURKE, Juliet & GREENE, Liz. O Tarô Mitológico. São Paulo: Arx/Siciliano, 2003. 


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