Embora se manifestem como elementos contrários, matéria e
espírito, ou masculino e feminino, constituem um todo que se complementam,
conforme a imagem do yin e yang, símbolo que representa a união e
o equilíbrio entre os opostos. Esse equilíbrio tornou-se cada vez mais precário
ao longo do desenvolvimento da consciência humana. A excessiva valorização do
princípio masculino acabou nos levando ao individualismo, na medida em que o
ego, a razão e a consciência foram sendo considerados os únicos donos e
criadores de todas as coisas.
O
feminino, embora tenha sido considerado algo inferior e desprovido de
importância, nunca deixou de existir. Ele permaneceu num nível primitivo e
pouco desenvolvido, buscando meios de se manifestar em um mundo dominado por
juízos, valores e leis patriarcais. Com isso, o que seria ligação ou conexão
com a terra, transformou-se em uma obsessão apaixonada pela matéria, ou por tudo
aquilo que pode ser visto, tocado e usufruído pelos sentidos. O materialismo,
quando extremado, representa a forma negativa como o homem se relaciona com a
terra e com a natureza. Assim, o feminino, ao ser rechaçado, reprimido e mantido
inconsciente, passou a mostrar-se no seu aspecto negativo.
O
interesse na matéria, enquanto valorização daquilo que se mostra de forma
concreta e objetiva, é algo encontrado também na Alquimia. As origens dessa
antiga tradição remontam a Hermes Trismegisto e ao Deus egípcio Toth. Consistia
em um vasto conjunto de técnicas e ensinamentos que buscavam, através da opus
alquímica, transformar o vil metal em ouro. O vil metal, algo desprovido de valor e importância, é a prima
materia de um longo e meticuloso trabalho que consistia na busca pela pedra
filosofal, o lapis philosoforum, a substância capaz de transformar os
metais em ouro.
Concomitante
a essa transformação, de onde se extraia algo superior de algo inferior,
acontecia a transformação espiritual do alquimista, que ao executar sua obra,
confrontava-se consigo próprio através de suas projeções sobre o mundo
exterior. Assim, a mudança que acontecia fora era acompanhada de uma mudança
que acontecia dentro, no interior de sua psique. O cerne da opus
alquímica, deste modo, não era a transformação meramente física da matéria, mas
uma transformação dos valores e do caráter do ser humano, este sim a pedra a
ser transformada no verdadeiro ouro filosofal.
Muito
diferente dos alquimistas, que viam na escuridão da matéria um caminho para o
autoconhecimento, o homem de hoje, desenraizado e alienado de sua própria
natureza, vive uma relação negativa com aquilo que poderia ser a prima
materia de uma transformação maior de si e de seus valores. Por fixar seus
interesses somente naquilo que se mostra de forma concreta, como os bens de
consumo, por exemplo, o indivíduo passou a acreditar que o sentido e a
finalidade da vida são impostos de fora para dentro, e não algo a ser buscado
no âmago de cada um. O homem moderno
não só deixou de cultivar a cultura da alma, como perdeu também a capacidade de
se voltar para dentro, para o seu mundo interior.
A
falta de introspecção afasta o homem da realidade da sua alma e também impede
que o mundo material seja compreendido como um recipiente das projeções do seu
mundo interior, como ocorre, por exemplo, quando um sentimento de inferioridade
e baixa auto estima é compensado pela posse de bens materiais. Esse tipo de
atitude, quando utilizada para suprir um vazio ou falta de sentido, só faz
aumentar a dependência e o apego em relação a esses bens, pois geram uma falsa
sensação de prazer e bem-estar.
Quanto
à isso, Jung dizia que “Não há dúvida de que é mais confortável morar numa
casa bem ordenada e instalada, mas isso não resolve a questão de saber quem é o
habitante desta casa e se sua alma também goza da mesma ordem e do mesmo asseio
que a morada que serve à vida exterior. Ensina-nos a experiência que o homem
voltado excessivamente para as coisas exteriores nunca se contentará com o
estritamente necessário, ambicionando sempre o mais e melhor, que ele busca no
exterior. Assim procedendo, se esquece por completo de que internamente
continua sempre o mesmo, apesar dos sucessos exteriores, e é por isso que se
queixa de sua pobreza quando só possui um carro, em vez de dois, como os outros”.
A
metáfora da transformação do vil metal em ouro, ou seja, da transformação da prima
materia na pedra filosofal, corresponde ao processo de individuação,
enquanto busca e realização da nossa totalidade e singularidade mais última,
única e incomparável. Processo esse que transforma a nossa vida, conferindo-lhe
um significado maior, da mesma forma que os alquimistas buscavam extrair o ouro
daquilo que não tinha valor algum.
Essa
busca requer voltar o nosso olhar para o mundo interior, que é tão real quanto
a materialidade daquilo que nos cerca. Caso contrário, estaremos sujeitos a
sucumbir ao ideal da valorização irracional dos bens materiais, sendo levados a
acreditar que só eles possuem algum valor legítimo. Na medida em que nos
submetemos cegamente a isso, o valor atribuído a nós mesmos diminui,
permanecendo na condição de algo vil e sem importância, enquanto tudo o que é
exterior torna-se atraente e sedutor.
Precisamos
recuperar nossos conteúdos interiores que estão projetados na materialidade do mundo
exterior e reintegra-los à nossa consciência. Essa seria uma forma de encontrar
novos sentidos para a vida, pois como disse Jung “é a consciência de que a
vida tem uma significação mais ampla que eleva o homem acima do simples
mecanismo de ganhar e gastar”. Só assim poderemos acessar nosso mundo
interior e despertar para nós mesmos, pois, como já é sabido através daquela famosa frase do Jung, “aquele que
olha para fora sonha, aquele que olha para dentro desperta”. Esse é o
caminho da individuação, a busca pela pedra filosofal, que nos liberta do
materialismo e nos torna cada vez mais livres e conscientes do nosso próprio
potencial de transformação.
Por
Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS
Adaptado de: YABUSCHITA, F. Massao. The Dark Side of the Moon: a obra prima do Pink Floyd segundo a Psicologia Junguiana. Içara/SC: Dracaena, 2012.
Psicóloga - CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS
Adaptado de: YABUSCHITA, F. Massao. The Dark Side of the Moon: a obra prima do Pink Floyd segundo a Psicologia Junguiana. Içara/SC: Dracaena, 2012.
O materialismo, o consumismo e o egocentrismo roubam do homem a alma...
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