No tempo das primeiras expressões religiosas da
humanidade, mais precisamente no período neolítico, muitas evidências
arqueológicas apontam para uma característica comum em todas as partes do
mundo: o culto à Grande Mãe. Doadora, curadora e também ceifadora da vida, essa
Deusa assumiu diversos nomes como Gaia, Pachamama, Diana, Isis, Ishtar, entre
outros. Foi revestida com as particularidades de cada cultura, sendo a generosa
personificação da Terra.
As
mulheres, por serem as representantes dessa Grande Mãe, possuíam um lugar de
respeito e autonomia dentro dessa forma de organização social. Porém, a lógica
dessa manifestação religiosa era bastante igualitária. Não era uma forma de
dominação como o patriarcado acabou construindo. Homens e mulheres eram, da mesma forma, filhos desta Terra e
todos chegaram ao mundo através de um útero. Portanto, a reverência à natureza
era o fundamento dos cultos à Grande Mãe, e entendia-se que a sobrevivência só
era possível porque ela fornecia tudo o que se precisa para viver.
Com
a transição da sociedade de coleta para a de caça, a partir de determinadas
mudanças climáticas e invasões de povos bárbaros, as características típicas do
masculino foram se tornando mais valorizadas, como a força física, a dominação
do mais forte sobre o mais fraco e a lógica do pensamento linear (o feminino
possui uma lógica mais intuitiva e sistêmica). Gradativamente, os mitos e ritos
da religião da Deusa foram sendo substituídos pelo culto a divindades
masculinas que, por sua vez, validavam a cultura da dominação e da guerra. E,
como sabemos bem, a mulher perdeu sua autonomia e importância e passou a
desempenhar um papel secundário, inferior ou coadjuvante.
A
mulher, que antes era amada e reconhecida como humana e divina ao mesmo tempo e
que, assim como a Terra, era livre e possuía algo de selvagem e indomável em
sua alma e em seus olhos, passou a ser temida, reprimida e banida do convívio
dos demais, quando não queimada, amordaçada e violentada. No entanto, a mulher
é parte da natureza, ou melhor, ela é a própria natureza e não pode ser
simplesmente aniquilada. Embora o que ainda possuímos são apenas resquícios,
sua essência permanece viva nos confins do inconsciente de homens e mulheres
que, em vista de toda essa repressão, sentem um profundo sentimento de vazio e
solidão em suas vidas.
Resgatar
o Sagrado Feminino hoje em dia é fazer um retorno das mulheres e homens
contemporâneos a essa essência e a essa consciência de que a natureza, bem como
seus corpos, ciclos, intuição, emoções e sensibilidade, entre outros aspectos,
são tão importantes que merecem ser reverenciados. Quando revestimos um objeto,
pessoa ou situação em um véu de máximo respeito e significado, isso se torna
Sagrado para nós. Retomar o sentido do
Sagrado Feminino não significa voltar ao culto da Grande Mãe como fé e
religião, mas simplesmente honrar os aspectos particulares da experiência
biológica, social, psicológica e espiritual do que é ser uma mulher e também do
feminino mais amplo que nos habita, tanto em homens quanto em mulheres.
No
que se refere às mulheres, só de mudar o paradigma em torno da natureza de seus
corpos e de seus ciclos menstruais já é um avanço bastante significativo. E
isso exige apenas disponibilidade para o autoconhecimento e aceitação. A
maioria das mulheres encontra-se profundamente desconectada de si mesma. Sentem
inúmeros desconfortos físicos e emocionais, e as que tomam hormônios de forma
contínua, acabam por não conhecerem as características de suas menstruações e
de seus ciclos. Por estarem tão impregnadas pelo paradigma patriarcal, muitas
mulheres não reconhecem mais, ou não conseguem mais acessar internamente a
vivência saudável e natural da sua sexualidade e dos processos biológicos e
psicológicos da menstruação, gestação, parto, amamentação e menopausa.
Quando
a mulher reverencia o sagrado feminino dentro de si, a menstruação passa a ser
vista como uma dádiva que lhe permite renovar-se fisicamente e energeticamente
todos os meses, e não como um atraso ou algo sujo, incômodo e vergonhoso. E,
assim da mesma forma, a vivência da sua sexualidade e de suas emoções. Além do
mais, uma mulher que desperta o Sagrado feminino internamente, aprende que é
autônoma e livre para escolher o que a faz se sentir melhor, independente disso
ter um rótulo culturalmente construído para ser feminino ou não. Essa mulher
tem consciência de si mesma e de suas necessidades, e aprende a se amar e a se
respeitar em sua integralidade, sem excluir, renegar e maltratar seu corpo e
sua subjetividade.
Por
outro lado, o homem que conseguiu resgatar a essência do Sagrado Feminino
dentro de si, consegue honrar e proteger o feminino que se manifesta fora, na
forma da mulher e também na forma da Mãe Terra. Decidem conscientemente não ser
mais tão competitivos, pois compreendem e reconhecem os princípios da
irmandade, da parceria, da cooperação e do respeito. Não escolhem suas
parceiras pela forma física, mas pela conexão que sentem em sua alma, mente e
coração. Não baseiam a sua sexualidade em uma psicogênese de fantasias oriundas
da pornografia e da objetificação do corpo da mulher, mas em verdadeiras
sensações e no empenho em conhecer genuinamente seu corpo e o corpo de uma
mulher. Aceitam-se vulneráveis e são capazes de entrar em contato com as suas
emoções, externalizando o que sentem e aceitando os processos internos dos
outros. Por isso, também se sentem responsáveis pela cura e manutenção de suas
relações. Ao terem filhos, sabem que o cuidado não é exclusivamente da mãe.
Honram, admiram e respeitam os movimentos cíclicos das mulheres e os processos
naturais da maternidade, bem como seus próprios movimentos internos. Estes
homens se assumem como cuidadores no mais amplo sentido, e prezam pela
sustentabilidade e pelo consumo consciente.
Retomar
a essência do Sagrado Feminino é resgatar a sabedoria milenar de que somos
todos filhos desta Grande Mãe Terra. Relembrar que nossos corpos e nossas
emoções são parte integrantes da natureza, e que nós somos, viemos e precisamos
dela para continuar a viver e a evoluir. E, acima de tudo, reconhecer que ela
tem sua própria sabedoria, que precisa ser honrada e respeitada por todos.
Homens e mulheres precisam voltar a se harmonizar com o que há de mais natural,
reintegrando o princípio básico de que estamos todos ligados de alguma forma,
curando e se libertando da sensação de isolamento e artificialidade que é tão
adoecedora e que já produziu incontáveis conseqüências desastrosas para todos
nós.
Por
Melissa Samrsla Brendler
Psicologa - CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS
Psicologa - CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS
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Fontes:
CARDOSO,
Morena. O Sagrado Masculino. Disponível em
http://www.danzamedicina.net/blog/sagradomasculino.
CARVALHO,
Mayara S. Mas o que é esse tal de Sagrado Feminino?. Disponível em
http://caminhosterapeuticos.com.br/2016/09/03/mas-o-que-e-esse-tal-de-sagrado-feminino/.
EISLER,
Riane. O Prazer Sagrado: sexo, mito e política do corpo. São Paulo: Rocco,
2000.
ESTES,
Clarissa Pinkola. Mulheres que correm com os Lobos: mitos e histórias do
arquétipo da mulher selvagem. São Paulo: Rocco, 2014.
Amei��
ResponderExcluirQue bom Sandra! Abraços pra ti!
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