Segundo
Marie Louise Von-Franz, psicóloga e importante continuadora do trabalho de Carl Gustav Jung, o problema
número um de nossa época é o fato de estarmos erigindo um muro de racionalidade
em nossa sociedade, impenetrável ao sentimento. Como consequência, estamos perdendo
a capacidade de amar e sermos amados. A única coisa que poderia nos salvar de
cairmos numa sociedade de massas super-racional, superorganizada e que sufoca e
anula o individuo, de acordo com ela, seria uma reavaliação dos sentimentos pessoais. E, felizmente,
muita gente está acordando para isso.
A massificação da sociedade advém da super população do planeta, a qual exige uma ampla
organização que sufoca o indivíduo. Há regras, parâmetros e estatísticas
demais, e tudo isso é sempre muito impessoal: eles se aplicam a todos. Por outro lado, se
formos estudar ou visitar uma tribo primitiva ou uma comunidade agrícola veremos que isso não acontece. Nelas todos se conhecem, e cada um se relaciona pessoalmente
com o outro. Os portadores de distúrbios mentais, por exemplo, não costumam ser afastados ou recolhidos em
instituições. A sociedade simplesmente os tolera.
Nesse
sentido, Von Franz lembra de uma situação que ocorreu quando voltou ao vilarejo
onde cresceu. Um homem chegou à ela e disse que seu pai era cleptomaníaco e que
se algo fosse roubado era favor não chamarem a polícia, mas avisa-lo que ele
devolveria tudo. Assim, o pobre velho não precisava ser internado. Todos sabiam
do seu problema e agiam de modo compensatório. Isso é relacionamento pessoal: o
velho e o seu problema pertenciam à comunidade. Em uma sociedade assim, salienta Von Franz, há
menos criminosos e menos pessoas internadas em manicômios. A sociedade ampara o
indivíduo e o suporta. A
função sentimento, portanto, dá uma certa margem de liberdade, pois as pessoas
são aceitas como são, e é justamente isso que estamos perdendo e que precisamos
restaurar.
Costumamos relacionar a função sentimento com afeto e
emoção. No entanto, sentimento é algo diferenciado, é amar uma pessoa única,
justamente porque ela é única. Isso é
bem difícil, porque pressupõe que sejamos capazes de perceber a singularidade
do outro, livre de julgamentos psicológicos esquemáticos. Em última análise,
trata-se de algo irracional e que tem a ver com o nosso próprio
desenvolvimento. Quanto mais nos tornamos um individuo único, quanto mais nos
individuarmos no sentido junguiano do termo, mais seremos capazes de ver o
outro como um ser único, sem juízos estereotipados. Se pararmos para observar
como as pessoas costumam falar da vida alheia, veremos que muito do que é dito
é apenas clichê, que não capta a singularidade do próximo e que não a define (o
uso vulgar dos diagnósticos psiquiátricos ou posições políticas e ideológicas, por exemplo).
Liberar o coração significa nos tornarmos capazes de sentir e
perceber o aspecto único da personalidade alheia e amar essa singularidade. Não
se trata de um sentimentalismo meloso cristão, pronto a tudo perdoar, como Von Franz fala. Ao contrário, trata-se de uma grande precisão do
sentimento: sentir a singularidade do outro e esperar que ele seja autêntico.
Isso é a coisa mais importante: amar o que é genuíno e desgostar abertamente do
que não é genuíno. Isso faz vir à tona o que o individuo realmente é, ou o que
a natureza quer que ele seja. Isso é amor verdadeiro. Amor que cura e faz do
outro uma pessoa inteira.
Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS
Ref.: BOA, Fraser, VON-FRANZ, Marie Louise. O Caminho dos Sonhos. São
Paulo: Cultrix, 2007.
Foi este que eu não tinha lido. Acho muito pertinente. Isto é o mesmo que se passa na Europa. Fiquei muito esclarecido. Obrigado
ResponderExcluirQue bom que você gostou! Grande abraço!
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