domingo, 26 de junho de 2016

A Internet e a Revolução na concepção de trabalho




A internet está permitindo que as pessoas sejam elas mesmas, que sejam autênticas e, por isso, está fazendo uma verdadeira revolução. Uma revolução que está vindo de baixo, através de pessoas simples e comuns, que estão cada vez mais ganhando visibilidade e influenciando a vida de outras pessoas. E isso está diretamente ligada à liberdade de trabalho.

Muitos acreditam que isso é uma ilusão ou um otimismo sem fundamento. Acreditam que o mundo é manipulado por poderosos exploradores que só pensam em manter o status quo, enquanto a maioria sofre sem esperança. É claro que não podemos negar essa realidade. Existem muitas empresas, políticos, governos ou pessoas que colocam o poder pessoal e o lucro acima de todas as coisas, em detrimento do que é melhor para a humanidade. Nós temos problemáticas seriíssimas, de caráter mundial, ligadas à insensibilidade humana e ambiental. Mas a esperança que surge é o fenômeno dos nômades digitais.

O conceito de “nômade digital” é relativamente novo. É o movimento de pessoas que estão trabalhando online, o que pode acontecer em casa ou através de uma nova liberdade – a oportunidade de escolher viver em qualquer lugar, sem ter que considerar o local de trabalho. Esta é a primeira geração que de fato consegue manter um trabalho das 9h às 6h e viajar ao redor do mundo ao mesmo tempo. E o melhor de tudo é que muitas delas estão sinceramente querendo o bem das outras pessoas e um mundo melhor.

Os nômades digitais estão provando que é possível reverter a concepção tradicional de trabalho e valorizar pessoas com idéias mais humanas e conscientes no que diz respeito à Terra. Muitos estão compromissados com valores em relação ao trabalho que privilegiam o bem estar pessoal e que contribuem com a melhoria do mundo, ao invés da insana busca por lucro e poder. O maior ativo de pessoas que estão na internet fazendo acontecer são aqueles que respeitam, sobretudo os valores humanos de cooperação, reciprocidade, camaradagem e o bem comum.

Em relação ao charlatanismo, a internet é um espaço livre, no qual as pessoas só vão atrás do realmente às interessa. Quando encontram alguém que oferece conteúdo de valor e comprometimento com uma causa, apoiam com força. Mesmo que existam os charlatões, estes não sobrevivem por muito tempo, pois a “seleção natural” dos usuários que querem comprometimento e resultados os fazem sair de cena. Os bem sucedidos são aqueles que realmente fazem a diferença.

O valor fundamental dos nômades digitais é a liberdade. Poder escolher com o que, com quem, quando e como trabalhar. É poder trabalhar com o que dá prazer e satisfação em todos os sentidos. Fazer o que se gosta e ainda ter tempo para a família, diversão, esportes, espiritualidade e contato com a natureza. É poder ganhar dinheiro cooperando e não competindo com os outros, ser um profissional com um estilo de vida sustentável, que respeita os seres humanos e a natureza, e poder trabalhar sem parecer que está trabalhando, porque se faz aquilo que mais se ama fazer.

Saber que essa realidade é possível é extremamente motivante. Os nômades digitais estão mostrando para o mundo de que é possível adotar um jeito de viver que valoriza o que cada um tem de melhor. E pensar que, para a maioria das pessoas, trabalhar com o que se gosta, com quem se gosta, como e quando se gosta é uma doce ilusão. Como se isso não devesse ser a coisa mais normal do mundo. Nós conseguimos reverter completamente as coisas: o trabalho, que é onde passamos a maior parte do tempo de nossas vidas, é na maioria das vezes, visto como uma obrigação, como um peso. E todos nós vivemos como se isso fosse a normalidade.

Nesse sentido, é possível fazer uma analogia do fenômeno dos nômades digitais com a forma com a qual muitas tribos indígenas concebem o trabalho (ou pelo menos concebiam antes do descobrimento). Enquanto nas sociedades modernas o trabalho sempre foi considerado uma relação de comando-obediência, em muitas tribos indígenas essa concepção não existia. Para os índios, era impensável alguém dizer o que o outro deveria fazer. Não havia a ideia de poder coercitivo. Por isso, quando os europeus chegaram no Brasil, essa foi uma das grandes razões do fracasso da tentativa de escravizar os índios. Eles preferiam a morte ao serem coagidos ao trabalho forçado.

A correlação dos índios com os nômades digitais vem dessa subversão ao modelo de trabalho atual e à continua busca pela liberdade. Quem realmente está comprometido com o valor da liberdade e da não-conformidade ao esquema vigente de trabalho, acaba realizando esta transformação que estamos testemunhando. Os nômades digitais têm incentivado a total liberdade para a criatividade empreenditorial de cada indivíduo. E estão criando uma revolução que está vindo de baixo. Com a sua autenticidade, cada nômade digital mostra que é possível ter liberdade de tempo, dinheiro, local, modo de vestir entre outras coisas. E isso encoraja outras pessoas a tomar a mesma direção.

A criatividade está mais em colocar o seu jeito pessoal de fazer algo que já é feito ou melhorar algo que já existe. Não é uma exclusividade para artistas ou gênios. É uma abertura mental que nos permite desabrochar a nossa inventividade. É ser capaz e ter a coragem de colocar a cara à tapa. De pôr na mesa a própria unicidade.




Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP 07/13831

Atende em Porto Alegre/RS


(Texto adaptado para o Programa Psicodrops da Rádio Mutante, do original “A idéia indígena de trabalho reflete o principal valor nômade digital” por Isa Gama, publicado em 22 de abril de 2016, no site Jardim do Mundo -www.jardimdomundo.com)




sábado, 11 de junho de 2016

Música transforma!



A música parece ser tão essencial para nós quanto a linguagem. A maioria de nós ouve música, não importa o momento da vida. Todos nós somos capazes de sentir o poder vivificante e prazeroso da música, e todos nós sentimos como se ela tivesse algo de mágico e transcendente. Não existe uma cultura que não possua suas músicas características, não existe um povo que não tenha algum deus ou algum tipo de representação mitológica ligada à música, não há quem não goste. O que prova que ela é algo intrínseco à história do ser humano sobre a Terra e uma de suas manifestações mais importantes.

Como meio de expressão e de comunicação entre os homens, a música sempre refletiu as condições sociais e históricas de cada época, de cada povo, de cada cultura. Os homens pré-históricos, por exemplo, expressavam sua música, em forma de ritual, por meio de batidas rítmicas dos pés e das mãos.  E, através dos ritmos e dos sons, agradeciam e pediam proteção aos deuses para todas as suas questões.

Uma das facetas mais importantes da música na história da humanidade é como meio de cura para os males do corpo e da alma. De acordo com as concepções de saúde/doença de cada época, a música foi considerada de diversas formas como instrumento auxiliar na cura das pessoas. Na China antiga, por exemplo, um dos primeiros efeitos da música foi para a cura. A palavra chinesa, ou caractere, para a medicina, na verdade, vem do mesmo caractere para a música. Os antepassados chineses ​​acreditavam que a música tinha o poder de harmonizar a alma das pessoas de uma forma que a medicina não podia.


Caractere chinês para a palavra música e para a palavra medicina.

Essa associação entre música e cura também se fez presente no Ocidente através da mitologia grego-romana, principalmente no personagem de Orfeu. Orfeu era filho do Rei Ôiagro e da musa Calíope. Ele era músico, poeta e médico. Recebeu de presente de Apolo, o deus da música, uma lira, e aprendeu a tocar com tal perfeição que nada resistia ao encanto de sua música. Não somente os deuses e mortais, mas as árvores, os animais e até as rochas perdiam algo de sua ferocidade, de sua dureza, abrandadas pelas notas de sua lira. E foi com esse poder que Orfeu foi até os infernos resgatar sua mulher Eurídice, que morreu no dia do próprio casamento. Com a força de sua música, ele enfrenta Cérbero, o cão de três cabeças, as Fúrias e convence o próprio Hades (o senhor das Trevas) a levar Eurídice com ele. Porém, existia uma condição: não olhar nunca para ela enquanto durasse a travessia para o reino dos vivos. Não conseguindo resistir, Orfeu quebra o compromisso. Ele a vê ainda mais uma vez, antes de Eurídice se transformar numa sombra que se esvaiu para sempre. Perdido de dor pela nova perda de sua amada, ele canta. E, pelo poder curativo de sua música, torna-se um guia espiritual, confortando a todos que o procuravam.


O mito de Orfeu mostra como a música pode ser um meio de cura e expressão da totalidade do nosso ser. A música tem a capacidade de tocar mais rápido e mais profundamente as emoções das pessoas de uma forma que a linguagem verbal não consegue. A música é como se fosse uma espécie de linguagem emocional, pois através dos sons, consegue traduzir nossos afetos, emoções e conteúdos que nós, por vários motivos, não conseguimos acessar. Através dos sons, a música tem a capacidade de criar uma ponte, ou um laço, com tudo aquilo que está reprimido ou que permanece desconhecido dentro de nós, com tudo aquilo que nos é inconsciente. Ela nos faz acordar para a nossa essência, para o que somos e para o que podemos ser, levando vida aos lugares onde ela foi esquecida.


Atualmente, a idéia de que a música tem o poder de curar está sendo novamente considerada. Essa capacidade foi lindamente mostrada no documentário Alive Inside (Vivo por Dentro). O cineasta Michel Rossato-Bennet narra as experiências surpreendentes de pessoas em todos os EUA que foram revitalizadas através da simples experiência de ouvir música. Sua câmera revela a conexão exclusivamente humana que encontramos na música e como seu poder de cura pode triunfar onde os medicamentos normais não conseguem chegar.


Este documentário segue os passos do assistente social Dan Cohen, fundador de uma organização sem fins lucrativos chamada Music & Memory (Música e Memória), e mostra o seu esforço em demonstrar a capacidade da música para combater a perda de memória e restaurar um senso profundo de si mesmo para aqueles que sofrem com isso. O filme conta ainda com diversos depoimentos emocionantes de membros da família, que testemunharam os efeitos quase milagrosos da música sobre seus entes queridos, além dos depoimentos do renomado neurologista Oliver Sacks e do músico Bobby McFerrin. O documentário foi aplaudido de pé e ganhou prêmio no Sundance Film Festival em 2014.


A música nos toca e produz em todos nós reações instintivas e emocionais, que independem da razão. Podemos rir, chorar, ficar tristes, sentir saudades ou comover-nos ao som da música, pois ela expressa o movimento dos nossos sentimentos mais profundos. E, por ser assim, permite uma espécie de reconhecimento ou de reencontro com nós mesmos, despertando em nós, como mostra no filme, a nossa mais profunda segurança.


A música nos transforma! 

E, então, qual é a sua preferida?



 

Assista aqui na íntegra o documentário Alive Inside (Vivo por Dentro).



Por Melissa Samrsla Brendler 

Psicóloga - CRP 07/13831

Atende em Porto Alegre/RS


sábado, 4 de junho de 2016

Eu sei que vou te amar...Se a paixão não nos separar.



Assim que ele a viu, apaixonou-se. Ele diz a ela, recordando: “A primeira vez que eu te vi, você nem sabe. Foi numa festa. Antes de te ver, vi seus cabelos, você virou o rosto. Você não me viu. Aí eu não vi mais ninguém. Parecia que eu via num segundo tudo o que nós íamos viver no futuro. Sensação de que eu me lembrava de tudo o que ia nos acontecer. O que uma mulher tem que as outras não têm?”.

Ela, recordando pra ele: “Quem é esse homem tão lindo, andando, sorrindo, que vem em minha direção como se já me conhecesse? Mas ele não me conhece, eu não o conheço. No entanto é alguém que eu já vi, quando eu pensava que eu queria ver alguém, que eu não conhecesse, que fosse tão lindo quanto ele, que vem andando na minha direção, me olhando, andando e sorrindo como se já me conhecesse.”



O diálogo acima faz parte do filme “Eu sei que vou te amar” de Arnaldo Jabor. Um filme que através de suas sucessivas cenas de paixão, ilusão, decepção, raiva, inveja, humor, sarcasmo, desejo de encontro e desesperança, nos mostra com boas doses de realidade e profundidade emocional, as alegrias e as dores que a vivência do relacionamento amoroso pode nos trazer.

Esse diálogo se refere ao momento inicial, o momento do encontro, da idealização do outro, da escolha apaixonada. Nessa primeira fase a única certeza que todos nós temos é que queremos ser felizes e que o outro é certamente tudo o que precisamos pra isso. Embora pareça simplista demais, essa idéia contém desejos vividos por todos nós, pelo menos em algum momento de nossas vidas.

É uma fase de muitos planos, onde tudo parece mágico. As diferenças individuais não contam e as atitudes desagradáveis do outro não são assim tão relevantes. O que realmente importa é o desejo que cada um alimenta pelo outro. Essa é uma fase do relacionamento marcada por muitas expectativas fantasiosas, porém fundamental, pois possibilita o encontro entre as pessoas e abre um campo fértil para vivenciarmos experiências emocionais profundas, como poucas experiências humanas podem fazer. Esse mar de emoções, que o estado do apaixonamento provoca, vai ser capaz de nos arrastar para a profundidade de nossas almas, nos encaminhando para o bem ou para o mal, dependendo dos caminhos que o relacionamento vai tomar.

Em termos psicológicos, o outro por quem nos apaixonamos, corresponde a uma imagem que já carregamos dentro de nós e que, então, será projetada. Ninguém é totalmente homem ou totalmente mulher. Todos nós possuímos uma contraparte inconsciente que tem por função compensar a unilateralidade da nossa consciência. Dentro de todo homem existe uma contraparte feminina, que Jung deu o nome de anima, e dentro de toda mulher existe uma contraparte masculina, que Jung deu o nome de animus. O ego, na sua evolução psicológica habitual, identifica-se com a qualidade masculina ou feminina do corpo e a outra parte se transforma numa função inconsciente, que passamos então a projetar, ver fora de nós, como se fizesse parte da outra pessoa e nada tivesse a ver conosco. Isso tem implicações importantes para o relacionamento amoroso, pois cada um enxerga no outro sua contraparte inconsciente. O diálogo do filme “Eu sei que vou te amar” nos mostra esse fato, no qual cada um tomou o outro como uma representação dessa parte de si mesmo, gerando aquele estado aparentemente perfeito do estarem apaixonados.

Termos consciência disso é uma das coisas mais difíceis, justamente por se dar de forma inconsciente. Na maioria das vezes, nossas projeções são as responsáveis pelo destino complicado com o qual nos deparamos nos nossos relacionamentos. Quando não temos consciência daquilo que nos pertence, ficamos perdidos de nós mesmos e buscamos nos achar no outro. É aí que começam os problemas. Acabamos sendo traídos justamente por aquilo que mora dentro de nós. Os motivos pelo qual escolhemos uma determinada pessoa, muitas vezes vão ser os mesmos que, mais tarde, nos levarão aos maiores desentendimentos com ela.

Por outro lado, a tomada de consciência dessas fantasias e idealizações que pertencem ao nosso ser interno, podem ser um caminho muito criativo para o crescimento e amadurecimento mútuos. Ao tentarmos nos buscar no outro, estamos na verdade em busca de nós mesmos e, portanto, na trilha do autoconhecimento. Quando o relacionamento amoroso é capaz de se sustentar ao longo do tempo, de tal forma que cada um possa reformular a base sobre a qual a relação se constituiu, então a paixão tinha, na sua essência, a semente de um encontro fértil, capaz de promover o desenvolvimento das duas personalidades.

As fantasias e idealizações vão sempre estar presentes no início de um relacionamento. Elas fazem parte do apaixonar-se e funcionam como um imã de atração necessário entre duas pessoas. O desenvolvimento da relação dependerá da capacidade de cada um de lidar com a frustração dessas imagens e das condições emocionais e psicológicas do casal para reestruturarem o vínculo amoroso, agora de forma diferenciada, profunda e em bases mais reais.

Não é fácil para nós abrirmos mão de nossos desejos e fantasias. Esse movimento exige maturidade, exige que sejamos capazes de abdicar de nossas idéias infantis de felicidade. Um dia todos nós sonhamos em ser Cinderelas ou Príncipes, e acalentamos secretamente a esperança desse encontro mágico. Essas fantasias continuam presentes dentro de nós, mesmo enquanto adultos, interferindo nas nossas condutas, reivindicando de alguma forma a sua realização. O importante a compreender nesse processo é que não existe príncipe nem princesa fora de nós. O único casamento mágico que pode vir a ocorrer é o casamento interior, o encontro verdadeiro consigo mesmo.
  

Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP 07/13831

Atende em Porto Alegre/RS


Ref: Sanford, John A. Os Parceiros Invisíveis. São Paulo: Paulus, 1987. Yorio, Vanda Di. Amor Conjugal e Terapia de casal: uma abordagem arquetípica. São Paulo: Summus, 1996.