sábado, 4 de junho de 2016

Eu sei que vou te amar...Se a paixão não nos separar.



Assim que ele a viu, apaixonou-se. Ele diz a ela, recordando: “A primeira vez que eu te vi, você nem sabe. Foi numa festa. Antes de te ver, vi seus cabelos, você virou o rosto. Você não me viu. Aí eu não vi mais ninguém. Parecia que eu via num segundo tudo o que nós íamos viver no futuro. Sensação de que eu me lembrava de tudo o que ia nos acontecer. O que uma mulher tem que as outras não têm?”.

Ela, recordando pra ele: “Quem é esse homem tão lindo, andando, sorrindo, que vem em minha direção como se já me conhecesse? Mas ele não me conhece, eu não o conheço. No entanto é alguém que eu já vi, quando eu pensava que eu queria ver alguém, que eu não conhecesse, que fosse tão lindo quanto ele, que vem andando na minha direção, me olhando, andando e sorrindo como se já me conhecesse.”



O diálogo acima faz parte do filme “Eu sei que vou te amar” de Arnaldo Jabor. Um filme que através de suas sucessivas cenas de paixão, ilusão, decepção, raiva, inveja, humor, sarcasmo, desejo de encontro e desesperança, nos mostra com boas doses de realidade e profundidade emocional, as alegrias e as dores que a vivência do relacionamento amoroso pode nos trazer.

Esse diálogo se refere ao momento inicial, o momento do encontro, da idealização do outro, da escolha apaixonada. Nessa primeira fase a única certeza que todos nós temos é que queremos ser felizes e que o outro é certamente tudo o que precisamos pra isso. Embora pareça simplista demais, essa idéia contém desejos vividos por todos nós, pelo menos em algum momento de nossas vidas.

É uma fase de muitos planos, onde tudo parece mágico. As diferenças individuais não contam e as atitudes desagradáveis do outro não são assim tão relevantes. O que realmente importa é o desejo que cada um alimenta pelo outro. Essa é uma fase do relacionamento marcada por muitas expectativas fantasiosas, porém fundamental, pois possibilita o encontro entre as pessoas e abre um campo fértil para vivenciarmos experiências emocionais profundas, como poucas experiências humanas podem fazer. Esse mar de emoções, que o estado do apaixonamento provoca, vai ser capaz de nos arrastar para a profundidade de nossas almas, nos encaminhando para o bem ou para o mal, dependendo dos caminhos que o relacionamento vai tomar.

Em termos psicológicos, o outro por quem nos apaixonamos, corresponde a uma imagem que já carregamos dentro de nós e que, então, será projetada. Ninguém é totalmente homem ou totalmente mulher. Todos nós possuímos uma contraparte inconsciente que tem por função compensar a unilateralidade da nossa consciência. Dentro de todo homem existe uma contraparte feminina, que Jung deu o nome de anima, e dentro de toda mulher existe uma contraparte masculina, que Jung deu o nome de animus. O ego, na sua evolução psicológica habitual, identifica-se com a qualidade masculina ou feminina do corpo e a outra parte se transforma numa função inconsciente, que passamos então a projetar, ver fora de nós, como se fizesse parte da outra pessoa e nada tivesse a ver conosco. Isso tem implicações importantes para o relacionamento amoroso, pois cada um enxerga no outro sua contraparte inconsciente. O diálogo do filme “Eu sei que vou te amar” nos mostra esse fato, no qual cada um tomou o outro como uma representação dessa parte de si mesmo, gerando aquele estado aparentemente perfeito do estarem apaixonados.

Termos consciência disso é uma das coisas mais difíceis, justamente por se dar de forma inconsciente. Na maioria das vezes, nossas projeções são as responsáveis pelo destino complicado com o qual nos deparamos nos nossos relacionamentos. Quando não temos consciência daquilo que nos pertence, ficamos perdidos de nós mesmos e buscamos nos achar no outro. É aí que começam os problemas. Acabamos sendo traídos justamente por aquilo que mora dentro de nós. Os motivos pelo qual escolhemos uma determinada pessoa, muitas vezes vão ser os mesmos que, mais tarde, nos levarão aos maiores desentendimentos com ela.

Por outro lado, a tomada de consciência dessas fantasias e idealizações que pertencem ao nosso ser interno, podem ser um caminho muito criativo para o crescimento e amadurecimento mútuos. Ao tentarmos nos buscar no outro, estamos na verdade em busca de nós mesmos e, portanto, na trilha do autoconhecimento. Quando o relacionamento amoroso é capaz de se sustentar ao longo do tempo, de tal forma que cada um possa reformular a base sobre a qual a relação se constituiu, então a paixão tinha, na sua essência, a semente de um encontro fértil, capaz de promover o desenvolvimento das duas personalidades.

As fantasias e idealizações vão sempre estar presentes no início de um relacionamento. Elas fazem parte do apaixonar-se e funcionam como um imã de atração necessário entre duas pessoas. O desenvolvimento da relação dependerá da capacidade de cada um de lidar com a frustração dessas imagens e das condições emocionais e psicológicas do casal para reestruturarem o vínculo amoroso, agora de forma diferenciada, profunda e em bases mais reais.

Não é fácil para nós abrirmos mão de nossos desejos e fantasias. Esse movimento exige maturidade, exige que sejamos capazes de abdicar de nossas idéias infantis de felicidade. Um dia todos nós sonhamos em ser Cinderelas ou Príncipes, e acalentamos secretamente a esperança desse encontro mágico. Essas fantasias continuam presentes dentro de nós, mesmo enquanto adultos, interferindo nas nossas condutas, reivindicando de alguma forma a sua realização. O importante a compreender nesse processo é que não existe príncipe nem princesa fora de nós. O único casamento mágico que pode vir a ocorrer é o casamento interior, o encontro verdadeiro consigo mesmo.
  

Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP 07/13831

Atende em Porto Alegre/RS


Ref: Sanford, John A. Os Parceiros Invisíveis. São Paulo: Paulus, 1987. Yorio, Vanda Di. Amor Conjugal e Terapia de casal: uma abordagem arquetípica. São Paulo: Summus, 1996. 

 

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