terça-feira, 16 de outubro de 2018

O VÉU DAS ILUSÕES DE MAYA


Nosso modo de ser, condiciona nosso modo de ver.
(Carl Gustav Jung)

Maya nas mitologias orientais hindu e budista é o princípio causador da ilusão em todas as suas manifestações. É a miragem, o mundo das aparências, dos delírios e da alucinação. Representa nossas limitações de consciência e os condicionamentos que nos impedem de ver a verdadeira realidade das coisas. As sombras projetadas no fundo da caverna de Platão.

O homem aprisionado em Maya vive na ignorância. Considera o efêmero como eterno, a matéria como espírito, a dor como bem-aventurança, o falso como verdadeiro.

Maya, ao levantar seu véu revela a verdadeira natureza de todas as coisas.

"Vá mais fundo
Não seja apanhado
Na magnificência da minha criatividade
Minha criação é a ilusão
Por trás da qual está o conhecimento 
Eu sou Maya, a Mãe da Criação”


Maya detém o poder criador. Ela cria inúmeras e infinitas formas, mas nenhuma delas são dotadas de realidade e eternidade. Tudo é transitório. Tudo tem um início e um fim.


Maya nos convida à reflexão: 
o que é ilusão, o que é verdadeiro, o que é real?
É bom prestarmos muita atenção ao que nos chega. 
Será que estamos percebendo o que é real ou será que estamos enxergando algo que não existe?



Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP O713831
Atende em Porto Alegre - RS 

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

A Morte nos ensina a Viver




Nossa cultura é faltante. Falta maturidade, integridade, realidade. O tempo acaba, mas a maioria de nós não percebe que, quando olha o relógio repetidas vezes esperando o fim do dia está, na verdade, torcendo para que o tempo passe e a morte se aproxime.

O que separa o nascimento da morte é o tempo. Vida é o que fazemos dentro desse tempo, é a nossa experiência. Quando passamos a vida esperando pelo fim do dia, pelo fim de semana, pelas férias, pelo fim do ano, pela aposentadoria, estamos torcendo para que o dia da nossa morte se aproxime mais rápido. Dizemos que depois do trabalho vamos viver, mas esquecemos que a opção vida não é um botão on/off que desligamos conforme o clima ou o prazer de viver. Com ou sem prazer, estamos vivos 1OO% do tempo. O tempo corre em ritmo constante. Vida acontece todo o dia, e poucas vezes parecemos nos dar conta disso.

Enquanto desperdiçarmos tempo aceitando ilusões sobre o que é a vida, não podemos chegar à essência dela. Falta verdade sobre o nascer e o viver, e passamos a vida toda sob a falta de verdade sobre o que é morrer. Todo mundo morre, mas nem todo mundo um dia vai poder saber por que viveu.

O problema é que pensamos que somos eternos. Por causa dessa ilusão, vivemos nossas vidas de modo irresponsável, sem compromisso com o bom, o belo e o verdadeiro, distanciados da própria essência. Não gostamos de falar ou pensar sobre a morte. Somos como crianças brincando de esconde-esconde numa sala sem móveis. Tapamos os olhos com as mãos e achamos que ninguém nos vê. Acreditamos de forma ingênua que se não pensarmos na morte, é como se ela não existisse. E é justamente essa ingenuidade que praticamos o tempo todo com a nossa própria vida. Pensamos que, se não olharmos para o lixo de relação afetiva, o lixo de trabalho, o lixo de vida que preservamos a qualquer preço, será como se o lixo não existisse. Mas o lixo se faz presente. Cheira mal, traz desconforto e traz doenças.

Assim, vivemos como mortos-vivos: mortos para as relações de amizades, mortos para o encontro amoroso, mortos para a família e mortos para a relação com o sagrado em nossas vidas. Viver como mortos-vivos faz com que não consigamos viver de forma genuína. Existimos, mas não vivemos. Quantos de nós são assim!

Agimos, na verdade, como zumbis existenciais. Nas redes sociais, insistimos em compartilhar violência e preconceito, persistimos na vaidade de nos mantermos infelizes por dentro e bobamente felizes por fora. Cultivamos cada vez mais a própria morte, sem nos darmos conta disso. Agimos como crianças adormecidas, estranhamente crescidas, nuas, com as mãos tapando os olhos, acreditando-se invisíveis, sem percebermos que estamos expondo nossas piores expressões à luz de toda a sociedade. Estamos ausentes da própria vida, e isso é justamente um dos maiores arrependimentos que experimentamos no fim da vida.

Essa falta na própria vida é algo difícil de explicar. A conexão interna, a conexão com o outro, com a natureza, com o mundo à nossa volta e com o que cada um de nós considera sagrado exige, antes de tudo, um estado de presença. Não há espaço para falar sobre finitude com quem não está vivo em sua própria vida, com quem já se enterrou em todas as sua dimensões humanas e caminha sem rumo. Só falta morrer fisicamente.

O ser humano é a única espécie na terra que é definida por um verbo: SER humano. Nascemos animais, mamíferos pensantes e conscientes, mas só nos tornamos humanos à medida que aprendemos a SER humanos. No entanto, a maior parte dos animais da nossa espécie ainda não sabe o que é isso. E este é o verdadeiro sentido da expressão humanização. A princípio, parece sem sentido humanizar o humano. Mas percebemos claramente que a maior parte dos animais pensantes e conscientes da nossa espécie se comporta de maneira instintiva e cruel, não se aprofundando em seus pensamentos, sentimentos e atitudes. Falar em humanizar, portanto, faz todo sentido. Estamos sendo, e a completude desse SER só se dá quando sabemos qual é a finalização desse processo. Cada um de nós se organiza, se descobre, se realiza para SER humano até o dia em que a morte chega, e é só a consciência da morte que faz nos apressarmos para construir esse SER que deveríamos ser.

No entanto, não se trata de fazer alguma coisa. Isso é se distanciar do SER pelo caminho do FAZER. Ter uma vida boa não se trata de ter coisas ou fazer coisas. A ideia de SER humano é simplesmente existir e fazer diferença no lugar onde estamos, justamente por sermos quem somos. Do contrário, quando chegarmos no tempo de morrer, teremos que encarar o fato de que fomos apenas isso: ausência.



Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga – CRP O7/13831
Atende em Porto Alegre/RS

Adaptado de ARANTES, Ana Claudia Quintana. A morte é um dia que vale a pena viver. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2O16.

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Manifesto ao Amor




Onde existe amor, não existe poder. Um é a sombra do outro. Mas o que é o amor? O amor é um sentimento complexo, não é simplesmente um instinto, como a fome ou o medo, por exemplo. Não é uma emoção, paixão, encanto ou fascinação. Também não é algo que está dado ou posto como garantido. O amor é construção: envolve esforço, vontade, tempo e dedicação. É, acima de tudo, um estado de consciência, uma forma de estar no mundo, uma maneira de se relacionar, de ver a si mesmo e aos outros.
O amor é livre, não cabe em rótulos, grades ou caixas. Não pode ser forçado, só cultivado. O amor é múltiplo, vasto e válido em todas as suas manifestações. Ele é Eros, o elo de ligação, mas também é a base de onde nasce a empatia, o respeito, a compreensão e a compaixão.
O amor é o maior dos ensinamentos da humanidade. É o mestre que exige de nós evolução freqüente - em relação aos nossos preconceitos, às nossas falhas e intolerâncias. É o sentimento que une e cura tudo o que alcança e, por ser assim, é a nossa esperança!O amor não pode ter fim, pois “onde acaba o amor, têm início o poder, a violência e o terror” (Carl Jung).
Por isso, amor profundo!
Por nós e para todos nós... 

Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP O713831 Atende em Porto Alegre - RS 

#amorelesim #amorsim #amor #partidodoamor 





quinta-feira, 6 de setembro de 2018

MEDUSA E PERSEU: um breve ensaio sobre a psicologia e superação do trauma




As Górgonas na Mitologia Grega eram três irmãs-monstros com a cabeça rodeada de serpentes venenosas enfurecidas, presas de javali saindo dos lábios, mãos de bronze e asas de ouro. A mais famosa delas é Medusa, a única das três que era mortal. Quem se atrevesse a olhar diretamente para os seus olhos, era petrificado.
As Górgonas eram as três irmãs-monstros: Medusa, Esteno e Euríale
Há diversas versões do mito. Uma delas conta que Medusa foi uma mulher deslumbrante, que despertava o desejo de todos os homens da Grécia e a inveja de todas as mulheres. Ela não podia se casar, pois era sacerdotisa de Atena (deusa da guerra) cujas servas deveriam permanecer virgens e longe dos desejos masculinos. No entanto, Poseidon (deus dos mares), enlouquecido pelo desejo, violentou a sacerdotisa dentro do templo de Atena, engravidando-a. Esta, ao saber do ocorrido, volta sua ira contra Medusa, jogando uma maldição sobre a sacerdotisa transformando-a em um monstro horripilante.

O castigo foi além da mudança em sua aparência, pois também passou a petrificar as pessoas com o seu olhar, além de tornar-se alvo para os guerreiros, já que Atena passou a oferecer incríveis recompensas para aquele que lhe trouxesse sua cabeça a fim de transforma-la em uma poderosa arma de batalha. O único herói que conseguiu derrota-la foi Perseu, que com sandálias aladas, um elmo de invisibilidade, uma espada e um escudo espelhado (objetos que recebeu como ajuda de Atena, Hermes e Hades) conseguiu decepar sua cabeça sem ser visto, olhando apenas para o reflexo de Medusa no escudo, evitando assim ser transformado em pedra.

Medusa pode ser entendida, portanto, como símbolo de um complexo emocional que tem suas origens a partir de uma experiência traumática. O trauma é como uma camisa de força interna, criada quando um momento devastador é congelado no tempo, petrificando, tirando a vitalidade, a espontaneidade e qualquer possibilidade de desenvolvimento na vida do indivíduo. Em função do trauma, a necessidade de crescer e evoluir fica estagnada, paralisada. A energia vital disponível fica presa no complexo e não pode fluir.

Medusa, obra de Bernini no Museu Capitolinos em Roma

O ato heroico de Perseu, por sua vez, nos mostra que quando resolvemos tratar um trauma nunca devemos ir logo de frente a ele, mergulhar de cabeça, sob o risco de sermos “petrificados”, ou seja, fortalecer ou recriar o trauma. É preciso ir devagar, de forma indireta como Perseu fez, através dos reflexos desse trauma na formação das nossas respostas instintivas, resgatando pouco a pouco os pedacinhos do trauma, até que o Ego sinta-se fortalecido, com tempo e condições de integrar a experiência, liberando a energia presa no complexo e direcionando-a a favor da vida.

Na Alquimia, há a expressão “petra genetrix” que significa “fora da pedra uma criança nasce”. Ou seja, quando a energia presa e congelada no complexo é liberada, uma vida nova pode nascer!




Por Melissa Samrsla Brendler
CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS





Ref.: CANOVAS, Vera. Perseu e Medusa, um estudo psicológico do trauma. Disponível em www.veracanovas.com.br/perseu-e-a-medusa-um-estudo-psicologico-do-trauma. CHEERBRANT & CHEVALIER. Dicionário de Símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio, 2001. HILLMAN. James. Puer Aeternus. Adelphi ebooks. Disponivel em https://books.google.com. WIKIPEDIA. Medusa, monstro da mitologia grega. Disponível em  https://pt.wikipedia.org

terça-feira, 28 de agosto de 2018

ENANTIODROMIA: a busca por equilíbrio



Enantiodromia é um termo extraído da filosofia de Heráclito que significa a transformação de algo no seu oposto. A mesma mudança também é expressa pelo provérbio de William Blake: “Excesso de pranto ri. Excesso de riso chora”. Esse conceito foi reformulado por Carl Gustav Jung para ser aplicado ao funcionamento dos processos energéticos da mente humana, quando existe um conflito entre os interesses da mente consciente e inconsciente. A psique, por meio da enantiodromia, nos mostra que alguns aspectos da vida estão sendo excessivamente desenvolvidos ou valorizados, enquanto que outros, de igual importância, estão sendo desprezados ou ignorados. Esse movimento tanto pode ocorrer no âmbito da psique coletiva, quanto no da psique individual.

Para a psicologia junguiana, nosso estado psicológico depende da forma como administramos e conduzimos o equilíbrio entre os opostos: indivíduo e sociedade, masculino e feminino, consciente e inconsciente, ego e sombra, extroversão e introversão, sofrimento e alegria, amor e desejo de poder, matéria e psique, espirito e corpo, razão e emoção, entre tantos outros.  Quando assumimos uma atitude unilateral ou quando o curso da nossa vida está seguindo uma única direção em termos de valores e interesses, pode acontecer de se constelarem na consciência os conteúdos que até então foram negligenciados.  “Se a vida por algum motivo toma uma direção unilateral, produz-se no inconsciente, por razão de autorregularão do organismo, um acúmulo de todos aqueles fatores que na vida consciente não tiveram voz, nem vez” (Carl Jung).

O inconsciente atua de modo compensatório em relação à consciência, complementando-a com conteúdos que favoreçam o equilíbrio. Esse movimento, inclusive, é o responsável pela formação dos processos neuróticos e psicopatológicos, ou por sintomas psicossomáticos, gerando doenças como uma última tentativa de integração. Certamente, essas manifestações devem ser entendidas através de uma perspectiva holística/sistêmica, e não linear. Ou seja, bem e mal, certo e errado, bom e ruim, sob a ótica junguiana, são conceitos relativos e não absolutos. Como Jung diz, "o mal pode ser necessário para produzir o bem, e o bem possivelmente pode levar ao mal". Tudo vai depender da dinâmica psíquica de cada um ou de cada sociedade.

Nesse sentido, a atitude correta não é tentarmos acabar com os sintomas a todo custo, e sim tentarmos nos informar sobre o que eles significam, o que eles nos ensinam, qual sua finalidade e sentido. Como Jung diz, devemos ser gratos por eles, pois são a oportunidade que temos de conhecer realmente quem somos. Os sintomas, de qualquer natureza, só terão fim quando tivermos liquidado nossas falsas atitudes. Portanto, na perspectiva junguiana, são os sintomas que nos curam, e não o contrário. A doença é vista como uma tentativa da natureza para nos curar. “Podemos aprender muita coisa da doença para a nossa saúde, e aquilo que parece (...) absolutamente dispensável, contém precisamente o verdadeiro ouro que não encontramos em outra parte” (Carl Jung).

No âmbito da nossa cultura patriarcal, por exemplo, há uma valorização excessiva de todas as características associadas ao masculino – o Logos, a claridade, a razão, a consciência, a ordem, a objetividade, a lógica, a competitividade, a atividade, a força, a realidade física e material – em detrimento de tudo aquilo que está relacionado ao feminino - o Eros, o obscuro, a intuição, o caos, a flexibilidade, a cooperação, a passividade, a fraqueza, o instintivo e criativo, o mundo das emoções, dos mistérios, dos sonhos e do inconsciente. Esse desequilíbrio tem se refletido em diversos conflitos da nossa sociedade, na forma como lidamos com a natureza, com o corpo e as emoções, com as mulheres, com o casamento e os relacionamentos, com a saúde e a expressão mais íntima do nosso ser. A hipertrofia e desgaste da ordem patriarcal vigente fez surgir, por enantiodromia, um verdadeiro caos que, por sua vez, tem nos levado a um trabalho ativo e consciente na construção de uma nova ordem com mais harmonia entre esses aspectos.

Portanto, a vida requer equilíbrio. Ignorarmos esse fato é vivermos de forma alienada, o que levará inevitavelmente a nos sujeitarmos às intervenções do inconsciente, não deixando dúvidas de que a nossa vida está sendo indevidamente conduzida. A única pessoa que escapa da lei implacável da enantiodromia é aquela que sabe separar-se do inconsciente sem reprimi-lo, mas colocando-se claramente diante dele como aquilo que ele realmente é: uma instância reguladora, complementar, e que abriga tudo aquilo que ainda não sabemos sobre nós mesmos.


Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga – CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS


Ref.: CAVALCANTI, Raissa. O Casamento do Sol com a Lua. São Paulo: Círculo do Livro, 1992. JUNG, Carl Gustav. Civilização em Transição. Obras Completas, vol. 10/3 .Petrópolis: Vozes, 2011. JUNG, Carl Gustav. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Obras Completas, vol. 9/1 . Petrópolis: Vozes, 2011. YABUSCHITA. Fabio Massao. The Dark Side of the Moon, a obra-prima do Pink Floyd segundo a Psicologia Junguiana. São Paulo: Dracena, 2012.







quinta-feira, 16 de agosto de 2018

OXUM, a Rainha do Amor

A partir do estudo das religiões, mitos,  contos de fada, fantasias, sonhos, ideias delirantes e ilusões dos indivíduos, Jung observou a presença de determinados temas que reaparecem sempre e por toda parte. Esses temas se manifestam através de imagens que nos impressionam, nos influenciam e nos fascinam. Essas imagens têm origem a partir daquilo que Jung chamou de arquétipos: formas pré-existentes e inconscientes que correspondem psiquicamente aos instintos.  Os arquétipos fazem parte da estrutura psíquica herdada, estão presentes no Inconsciente Coletivo da Humanidade, e condicionam a expressão e o desenvolvimento da psique de todos nós.


Dentre as mais variadas IMAGENS ARQUETÍPICAS DO FEMININO E DA GRANDE MÃE também encontramos...
OXUM, a Rainha do Amor!




Conta o mito que quando todos os orixás chegaram à Terra, organizaram reuniões onde as mulheres não eram admitidas. Oxum ficou tão aborrecida por ser posta de lado e não poder participar, que tornou as mulheres estéreis e impediu que as atividades desenvolvidas pelos deuses chegassem a resultados favoráveis. Desesperados, os orixás dirigiram-se a Olorum em busca de ajuda. Ele explicou aos deuses que sem a presença de Oxum, com seu poder sobre a fecundidade, nenhum empreendimento poderia dar certo. Então, os orixás convidaram Oxum a participar dos trabalhos, o que ela acabou aceitando depois de muita insistência. E a seguir, todas as mulheres tornaram-se novamente fecundas e todos os projetos dos orixás obtiveram bons resultados.

Na mitologia africana, OXUM é a deusa do Amor, está ligada à abundância e à fertilidade, propiciando a fecundidade a tudo que tem possibilidade de crescer. Rainha das águas doces e frescas, dos rios e das cachoeiras, distribui riquezas e rege com sabedoria o reino da fertilidade e das gestações. Como diz no mito, sem ela não é possível levar a cabo qualquer empreendimento. Oxum enaltece os atributos femininos, tem orgulho do poder fecundador das mulheres e da sua capacidade de gerar. É bela e cultiva a vaidade e a beleza como atributos do poder feminino. Um de seus símbolos é o espelho, no qual ela toma consciência da sua beleza. Ao percebe-la, compreende seu poder de sedução e sua utilidade. Por isso, além de usar o espelho como reflexo de sua beleza, Oxum também passa a usa-lo como escudo. O espelho, quando invertido, cega e paralisa os inimigos. O que significa que a beleza, como atributo feminino, pode ser usada com mais de um propósito: estar à serviço de Eros (o Amor) ou estar à serviço de sua sombra (o Poder), tornando-se uma arma sedutora que prende e cega.



Oxum representa o tipo de mulher que usa seus atributos femininos para conquistar os homens: a voz doce e suave, o sorriso e a alegria dengosa. É uma mulher que se mostra sensual, volúvel e inconstante. Está sempre atrás de coisas novas e imprevistas, sempre em busca de mudanças e transformações, ao mesmo tempo em que pode se mostrar calma e tranquila. Os homens geralmente caem vítimas da sua sedução, e ela faz o que quer através desse poder. Tem grande habilidade nas artes eróticas, fazendo um paralelo perfeito com a Afrodite da mitologia grega. Quando dança, expressa o prazer de ser sensual, bonita e desejada.

Oxum também é a protetora das mulheres gestantes e das crianças. Está ligada àquelas qualidades e dinamismos femininos que pertencem aos mistérios do nascimento e renascimento. Por isso, representa as qualidades femininas primordiais ligadas à origem da consciência, o feminino mais puro e natural. E, por ser assim, possui uma grande força energética instintiva, o domínio sobre si mesma, não admitindo ser controlada. A única submissão possível é à natureza e ao seu próprio poder.

Oxum está associada à natureza feminina instintiva, que se expressa em toda a sua espontaneidade e ausência de limites e de controle. É a feminilidade em si mesma, que não está sob o domínio ou a regência do masculino, do Logos ou do patriarcado. É como se ela fosse a vegetação, que se alastra em sua expansão natural. Assim é o principio feminino, que rege a si próprio, de acordo com a sua essência. É livre, não pode ser preso, enquadrado ou possuído. É a mulher dona de si mesma, orgulhosa de sua feminilidade, que não admite que a tomem como posse e que se orienta, essencialmente, por princípios internos e não por controle ou regras externas.

Quando o arquétipo representado por Oxum manifesta-se em nossas vidas, tanto no homem quanto na mulher, ele nos brinda com  os melhores atributos femininos, representados pela doçura do mel e pelo frescor de suas águas. Oxum é tranquilidade, leveza, criatividade, imaginação fecunda, alegria de viver, sensualidade,  sedução, espontaneidade, fertilidade, abundância, amabilidade e capacidade de gerar e desfrutar os prazeres da vida. 

ORA YÈYÉ O!!!






Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP O713831
Atende em Porto Alegre - RS



Ref.: CAVALCANTI, Raissa. O Casamento do Sol com a Lua. São Paulo: Circulo do Livro, 1990. JUNG, Carl Gustav Jung. Memórias, Sonhos, Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2OOO. MOURÃO, Hellen Reis. Oxum, a Afrodite afro-brasileira. Disponível no site Café com Jung: www.cafecomjung.com

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

LIBERANDO O CORAÇÃO: o florescer do sentimento





Segundo Marie Louise Von-Franz, psicóloga e importante continuadora do trabalho de Carl Gustav Jung, o problema número um de nossa época é o fato de estarmos erigindo um muro de racionalidade em nossa sociedade, impenetrável ao sentimento. Como consequência, estamos perdendo a capacidade de amar e sermos amados. A única coisa que poderia nos salvar de cairmos numa sociedade de massas super-racional, superorganizada e que sufoca e anula o individuo, de acordo com ela, seria uma reavaliação dos sentimentos pessoais. E, felizmente, muita gente está acordando para isso.

A massificação da sociedade advém da super população do planeta, a qual exige uma ampla organização que sufoca o indivíduo. Há regras, parâmetros e estatísticas demais, e tudo isso é sempre muito impessoal: eles se aplicam a todos. Por outro lado, se formos estudar ou visitar uma tribo primitiva ou uma comunidade agrícola veremos que isso não acontece. Nelas todos se conhecem, e cada um se relaciona pessoalmente com o outro. Os portadores de distúrbios mentais, por exemplo, não costumam ser afastados ou recolhidos em instituições. A sociedade simplesmente os tolera.

Nesse sentido, Von Franz lembra de uma situação que ocorreu quando voltou ao vilarejo onde cresceu. Um homem chegou à ela e disse que seu pai era cleptomaníaco e que se algo fosse roubado era favor não chamarem a polícia, mas avisa-lo que ele devolveria tudo. Assim, o pobre velho não precisava ser internado. Todos sabiam do seu problema e agiam de modo compensatório. Isso é relacionamento pessoal: o velho e o seu problema pertenciam à comunidade. Em uma sociedade assim, salienta Von Franz, há menos criminosos e menos pessoas internadas em manicômios. A sociedade ampara o indivíduo e o suporta. A função sentimento, portanto, dá uma certa margem de liberdade, pois as pessoas são aceitas como são, e é justamente isso que estamos perdendo e que precisamos restaurar. 

Costumamos relacionar a função sentimento com afeto e emoção. No entanto, sentimento é algo diferenciado, é amar uma pessoa única, justamente porque ela é única. Isso é bem difícil, porque pressupõe que sejamos capazes de perceber a singularidade do outro, livre de julgamentos psicológicos esquemáticos. Em última análise, trata-se de algo irracional e que tem a ver com o nosso próprio desenvolvimento. Quanto mais nos tornamos um individuo único, quanto mais nos individuarmos no sentido junguiano do termo, mais seremos capazes de ver o outro como um ser único, sem juízos estereotipados. Se pararmos para observar como as pessoas costumam falar da vida alheia, veremos que muito do que é dito é apenas clichê, que não capta a singularidade do próximo e que não a define (o uso vulgar dos diagnósticos psiquiátricos ou posições políticas e ideológicas, por exemplo).

Liberar o coração significa nos tornarmos capazes de sentir e perceber o aspecto único da personalidade alheia e amar essa singularidade. Não se trata de um sentimentalismo meloso cristão, pronto a tudo perdoar, como Von Franz fala. Ao contrário, trata-se de uma grande precisão do sentimento: sentir a singularidade do outro e esperar que ele seja autêntico. Isso é a coisa mais importante: amar o que é genuíno e desgostar abertamente do que não é genuíno. Isso faz vir à tona o que o individuo realmente é, ou o que a natureza quer que ele seja. Isso é amor verdadeiro. Amor que cura e faz do outro uma pessoa inteira.

Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS


Ref.: BOA, Fraser, VON-FRANZ, Marie Louise. O Caminho dos Sonhos. São Paulo: Cultrix, 2007.

quarta-feira, 25 de julho de 2018

A DOENÇA DA NORMOSE





Roberto Crema, Pierre Weil e Jean Yves-Leloup nos falam sobre a NORMOSE, a mais terrível de todas as patologias: anomalia da normalidade medíocre, suportada por um alienado consenso social. “O normótico é a pessoa adaptada a um contexto dominantemente mórbido e corrupto que, com o seu conformismo e inércia, realimenta o sistema enfermo, mantendo o status quo”. “Um reflexo de nosso descuido, das distorções das nossas instituições, do cinismo e do desamor generalizado”.

Segundo eles, nós estamos aqui para liderar. Se isso não acontece é porque nos perdemos: “ouvimos demais papai, mamãe, a sociedade, os vizinhos, os professores distraídos, e também porque nos conformamos com uma miséria confortável”.

Assim, existem três tipos de seres humanos:
Os degenerados: aqueles que nascem e morrem piores do que nasceram.
Os que mantiveram a saúde: aqueles que nascem e morrem como nasceram.
E os que aceitaram o desafio da evolução: aqueles que nascem e se tornam quem são, assim como uma flor se torna uma flor, uma mangueira se torna uma mangueira.

Liderar é sermos donos da nossa própria história. Essa é a condição mais exigente perante a vida. No entanto, a Normose nos obriga a desinvestir do nosso potencial máximo e a mergulhar no poço de nós mesmos; sermos fracassados,como Jung disse.

Se conseguimos desligar os nossos pensamentos é porque somos um líder na nossa mente. Se não, estamos sendo levados, estamos sendo pensados: não somos o pensador, não somos o sujeito.

A solução passa por fortalecer a alma, através de um processo de alfabetização psíquica. Aprender sobre emoções, sentimentos, exercitar relacionamentos. Enfim, aprender a aprender sobre si mesmo.

O líder é a pessoa que se conheceu e se conquistou: 
“Eu não sou o que me aconteceu. Eu sou aquilo que escolho me tornar” (Carl G. Jung).

Você lidera seus pensamentos, seus sentimentos, suas atitudes? 
Você é senhor na sua própria casa?


Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP O713831
Atende em Porto Alegre - RS


Ref.: CREMA, Roberto. LELOUP, Jean-Yves. WEIL, Pierre. Normose, a patologia da normalidade. Editora Vozes.





sábado, 26 de maio de 2018

PROJEÇÕES: o outro como espelho




Qualquer pessoa que esteja inconsciente de si mesma – e todos nós estamos em maior ou menor grau - está propensa a se ver em outra pessoa, como em um espelho. Para compreender essa circunstância, precisamos olhar para aquilo que na Psicologia chamamos de PROJEÇÃO.

Somos naturalmente inclinados a acreditar que o mundo é como o vemos e que as pessoas são exatamente quem imaginamos que sejam. Logo aprendemos que não é bem assim, porque frequentemente as pessoas revelam-se completamente diferentes da maneira que pensamos que fossem. Se não são próximas, não pensamos muito a respeito, mas quando se trata de alguém muito íntimo, é bem provável que nos sentiremos desolados e decepcionados quando a verdade aparecer.

Jung considerava que os conteúdos do nosso inconsciente estão constantemente se projetando no ambiente ao nosso redor. Vemos aspectos não reconhecidos de nós mesmos nas outras pessoas o tempo todo. Assim, vamos criando uma série de relacionamentos, muitas vezes imaginários, que frequentemente têm pouco ou nada a ver com a realidade em si.

A boa e a má noticia é que ninguém escapa disso. Faz parte da dinâmica natural da psique que os conteúdos inconscientes se projetem. A projeção costuma ter uma imagem negativa, mas ela também tem aspectos positivos, pois através dela criam-se pontes entre as pessoas, facilitando as relações interpessoais, diminuindo nossas defesas e, portanto, nos auxiliando e encorajando a viver experiências. A projeção faz a “liga”, e o bem da verdade é que a vida seria bem chata e monótona se não fosse assim.

Além do mais, a projeção não acontece somente em relação a pessoas. Nós podemos nos projetar em qualquer coisa. Podemos, por exemplo, desenvolver uma verdadeira fascinação por sapatos, carros ou dinheiro, por algum lugar específico, por algum animal ou planta, ou por certa prática ou atividade. Costumamos chamar essas projeções de fetiche, fobia, mania ou obsessão, e elas sempre possuem um significado interno simbólico e importante sobre a psicologia do individuo que as possui. 

Jung definiu duas formas de projeção: a PROJEÇÃO PASSIVA e a PROJEÇÃO ATIVA. A projeção passiva é um fenômeno inconsciente, sendo completamente automática e não-intencional. É o que acontece quando nos apaixonamos, por exemplo, ou quando nos irritamos profundamente com o jeito de outra pessoa. Podemos não saber nada sobre ela e, de fato, quanto menos soubermos, mais fácil será para projetarmos. Vamos preenchendo o vazio por nossa conta, ou melhor, por conta daquilo que existe em nosso interior. É claro que para haver a projeção é necessário haver um “gancho”, ou seja, a pessoa sobre a qual se dá o fenômeno pode acabar encorajando-o em função das suas características pessoais.

A projeção ativa, por outro lado, seria o que chamamos de EMPATIA: a capacidade de se colocar no lugar do outro, de imaginar o que o outro sente ou de sentir junto com ele. Uma habilidade essencial para determinadas profissões e para os relacionamentos em geral, mas que também possui seus riscos, pois pode facilmente se transformar em IDENTIFICAÇÃO.

Há uma linha muito tênue entre a empatia (projeção ativa) e a identificação. A identificação não pressupõe nenhuma separação entre sujeito e objeto, nenhuma diferença entre o meu eu e o da outra pessoa. Nessa lógica, o que é bom para mim deve ser bom para o outro. 

A identificação é bastante comum e sempre significa um problema. Quando nos identificamos com a outra pessoa, nosso bem-estar emocional fica intimamente ligado ao estado de espírito dela e sua atitude com relação a nós. É como um círculo vicioso. Não conseguimos funcionar de forma independente, e essa dependência torna a outra pessoa responsável pela maneira como nos sentimos. Na pior das hipóteses, construímos relacionamentos que, psicologicamente, são exatamente iguais aquele existente entre pais e filhos. Essa responsabilidade é perfeitamente normal no primeiro caso, mas entre adultos, torna-se impraticável a longo prazo. Ninguém pode fazer um movimento sem exercer um efeito sobre o outro, o que acaba inibindo significativamente a auto expressão de ambos: uma verdadeira prisão.

É por isso que o autoconhecimento tona-se tão importante se quisermos ter relacionamentos verdadeiramente saudáveis. Somente quando tomamos consciência dos nossos próprios complexos e predisposições é que podemos saber dos nossos limites: onde terminamos e onde começam os outros. E, mesmo assim, nunca teremos totalmente certeza. É preciso estar sempre atento, mantendo o máximo de cuidado.

Se nossas projeções não chegarem até as vias da identificação, elas são verdadeiramente úteis. Quando admitimos que alguma qualidade ou característica está presente no outro e, depois, com a experiência, descobrimos que não é bem assim, somos obrigados a reconhecer que muito do que enxergamos no mundo é nossa própria criação. Então, ao pararmos para refletir a respeito, vamos aprender muito sobre nós mesmos e sobre nossa história.

A finalidade última das nossas projeções é favorecer o encontro interior. O inconsciente, ao projetar-se no meio externo, expõe seus conteúdos nos possibilitando confronta-los e integra-los, o que nos aproxima cada vez mais da nossa inteireza. No entanto, cabe salientar que só se torna necessário retirar as projeções quando nos frustramos em relação às expectativas que depositamos no meio externo, principalmente se isso vier acompanhado de forte carga afetiva (paixão, medo, ódio, raiva, encanto, fascinação, etc.). Do contrário, não havendo disparidade entre aquilo que esperamos ou imaginamos ser verdade e a realidade em si, não há necessidade de retirarmos nossas projeções. Deixemos que a vida siga seu caminho.



Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga – CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS



Referências:
JUNG, Carl Gustav. A Natureza da Psique. Obras Completas, vol.5. Petrópolis: Vozes, 2000.
SHARP, Daryl. Ensaios de Sobrevivência: anatomia de uma crise de meia idade. São Paulo: Cultrix, 1995.
SHARP, Daryl. Léxico Junguiano: dicionário de termos e conceitos. São Paulo: Cultrix, 1993. 
STEIN, Murray. JUNG, o mapa da alma: uma introdução. São Paulo: Cultrix, 2016.







sexta-feira, 23 de março de 2018

O tesouro escondido: a depressão como um caminho de autodescoberta


O Poço Iniciático - Sintra/Portugal.



Nada no mundo existe sem o seu oposto. “Uma maior quantidade de luz, significa sempre uma noite mais comprida”, observou Jung. A vida necessita do contraste, da referência e de pontos de vista para permanecer em equilíbrio. No entanto, costumamos distorcer essa realidade. Buscamos uma felicidade pura, restrita apenas em sentir prazer, alegria e satisfação. Porém, essa busca pode acabar provocando exatamente o oposto daquilo que pretende. Quando qualquer coisa torna-se unilateral e exclui o seu oposto, o outro lado, ou aquilo que foi negligenciado, inevitavelmente entrará em ação, reivindicando seu espaço. Por pior que possa parecer, esse “encontro com a sombra”, como costumamos chamar na Psicologia Junguiana, é um convite à expansão da consciência, e tem por objetivo enriquecer nossa realidade, ou nosso senso de eu, que de outro modo permaneceria alienado e superficial. Por isso, podemos afirmar desde já que há um sentido profundo escondido na depressão.

No entanto, para poder entende-la, primeiro precisamos esclarecer alguns aspectos. A depressão pode manifestar-se de três formas diferentes. Ela pode ser reativa, endógena ou intrapsíquica. Freqüentemente, elas podem ser confundidas entre si, ou uma pessoa pode sofrer dos três tipos ao mesmo tempo. Logo, cabe ao psicoterapeuta ajudar a identificar qual delas é a que se faz presente.

A depressão reativa, como o próprio nome diz, é uma reação absolutamente normal a uma perda, desilusão ou desapontamento. Ela se manifesta na mesma medida do envolvimento com a realidade exterior que provocou os sintomas. Ela só é patológica quando perturba profundamente o funcionamento normal da pessoa, ou quando o impacto da experiência se prolonga além de um período razoável.

A depressão endógena vem de uma base desconhecida, porém presumivelmente biológica. É uma depressão transmitida geneticamente, e geralmente encontramos outros membros da família com o mesmo problema. Ela se caracteriza pela enorme dificuldade e esforço em executar tarefas simples que a maioria de nós executa com facilidade. É como se estas pessoas carregassem um enorme peso em seu corpo e sua alma. É o tipo de depressão que se beneficia bastante do uso de antidepressivos, embora o indivíduo ainda possa sofrer das desgraças “normais” da vida.

A depressão intrapsíquica, sobre a qual trata-se o texto, é aquela que vai sendo forjada a partir das circunstâncias que inevitavelmente internalizamos ao longo da vida, especialmente aquelas que se referem à família de origem e ao processo de construção do senso do eu, dos outros e dos relacionamentos. É o chamado “poço sem fundo”, embora do ponto de vista da Psicologia Junguiana seja um poço com fundo.

A palavra de-pressão significa, literalmente, pressionado para baixo. A energia vital e a intencionalidade da vida são contrariadas, pressionadas para baixo. É como se a vida estivesse em guerra contra a própria vida. Algo ficou para trás, foi esquecido, isolado ou negligenciado. Uma grande quantidade da energia vital está presa nos porões mais escuros do inconsciente, impedindo o fluxo natural da vida e reivindicando seu reconhecimento e assimilação.  É a psique mostrando seu desejo de expansão ou transição, nos convocando à produção de novos significados para o existir. Precisaremos encontrar o sentido que está oculto por trás dos sintomas, nadando até o fundo do poço para poder enxerga-lo, e assim começar a curar nossa alma.

Existe um certo dilema que atinge a história de todos nós. Ao longo do crescimento, assim como uma planta, nós nos torcemos e até nos distorcemos a fim de obter luz e calor - no caso, a energia amorosa dos nossos pais e cuidadores. Posteriormente, vamos transmitir esse mesmo tipo de funcionamento para todas as relações da nossa vida. No entanto, para que nos tornemos nós mesmos, precisamos abandonar a legítima esperança da criança que reside dentro de nós e nos aceitarmos como somos. Para acabar com a depressão, vamos ter que correr o risco de enfrentar justamente aquilo que mais tememos e que está bloqueando nosso crescimento natural: a ansiedade do isolamento e do desamor devido a frustrantes expectativas coletivas.

Então, somos forçados a escolher entre a ansiedade e a depressão. Se avançamos, como solicita nossa alma, sentiremos ansiedade. Se não avançamos, ficaremos presos na depressão. Nesse processo difícil, precisamos escolher a ansiedade, pois ela indica um caminho de crescimento. A depressão, ao contrário, é a estagnação e derrota da vida.

Portanto, existe um valor profundamente terapêutico na depressão. É um movimento de regressão da energia psíquica que vem a serviço da nossa totalidade e equilíbrio, nos mostrando que existe algo de errado em nosso modo de funcionamento. Se tivermos deixado para trás uma parte importante e vital de nós mesmos, a depressão nos fará voltar para encontra-la, traze-la à superfície, integra-la e vive-la. E, quando formos capazes de tornar consciente esse material, ela irá embora.

Certamente, é preciso muita coragem para isso. Coragem para valorizar e respeitar a depressão, coragem para não se distrair ou se distanciar dela e coragem para não tentar elimina-la a todo custo com o uso de medicamentos. Lá no fundo, nos meandros do nosso labirinto interior, existe um significado profundo, vivo e dinâmico. A depressão nos convida a descer até lá e encontrar esse precioso tesouro.



Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP 07/13831
Porto Alegre/RS



Fonte: HOLLIS, James. Os Pantanais da Alma; nova vida em lugares sombrios. São Paulo: Paulus,1999, 1ed. JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Obras Completas, vol.19/1.

terça-feira, 6 de março de 2018

Mulheres na construção de uma Bela Velhice




Você já ouviu falar em uma coisa chamada “Curva da Felicidade”?

Uma pesquisa realizada em 80 países, com mais de dois milhões de pessoas, descobriu um padrão constante em relação à felicidade: que as pessoas mais jovens e as pessoas mais velhas é que são as mais felizes. As que se sentem menos felizes são aquelas que estão entre 40 e 50 anos. Os pesquisadores descobriram uma curva da felicidade, que tem o mesmo formato da letra U: ela é maior no início da vida, começa a diminuir ao longo dos anos, chegando ao seu ponto mais baixo em torno dos 45 anos, e depois começa a subir novamente. Ou seja, eles descobriram que as pessoas mais velhas - se tiverem boa saúde, estabilidade financeira e afetiva - podem se sentir tão ou mais felizes quanto a mais jovens.


A antropóloga e escritora Mirian Goldenberg, uma das referências mais importantes no campo de estudos de gênero no Brasil, encontrou essa mesma curva da felicidade na sua pesquisa de mais de 30 anos com mulheres brasileiras. Ela descobriu que aquelas que têm entre 40 e 50 anos são as que mais se sentem infelizes, insatisfeitas, frustradas, deprimidas e exaustas. Entre as reclamações principais estão: falta de tempo, falta de reconhecimento e falta de liberdade. Quando foram questionadas sobre aquilo que mais invejavam nos homens, respondiam em primeiríssimo lugar: LIBERDADE. A liberdade com o próprio corpo, a liberdade sexual, a liberdade de rir e de brincar por qualquer bobagem e tantas outras liberdades. Em relação ao que mais invejavam nas outras mulheres estavam o corpo, a beleza, a juventude, a magreza e a sensualidade.

Veja bem, o corpo invejado pelas mulheres brasileiras é jovem, magro e sensual. Obviamente, isso não é nenhuma novidade. No Brasil, este modelo de corpo é um verdadeiro capital. As mulheres brasileiras são as que mais fazem (no mundo) cirurgia plástica, preenchimento e botox. São também as que mais fazem uso de tinturas pra cabelo, remédios para dormir e emagrecer, moderadores de apetite e ansiolíticos. Somos nós, as mulheres brasileiras, as que estão mais insatisfeitas com o próprio corpo. Somos nós as que mais deixam de sair de casa, de ir a festas e até mesmo de trabalhar quando nos sentimos velhas, gordas e feias. Ou seja, as brasileiras têm um verdadeiro pânico de envelhecer.  Essa crise parece que encontra o seu ápice por volta dos 40 anos de idade, a chamada fase do “nem-nem”: nem jovem e nem velha. Uma participante da pesquisa (45 anos) chegou a dizer que se sentia uma mulher invisível ou transparente: sem saber que lugar ocupar e com muito medo de parecer ridícula aos olhos dos outros.

Porém, as coisas tendem a melhorar - e muito - depois dos 50 anos. Época em que a curva da felicidade começa a subir novamente. As mulheres com mais de 60 anos costumam definir este período como o melhor momento de suas vidas. Sentem-se muito felizes, pois finalmente sentem que podem ser elas mesmas. Elas sentem-se livres!

Mas como será que elas conquistaram essa liberdade tão almejada?

Segundo Mirian Goldenberg, em primeiro lugar, elas descobriram que o TEMPO é o verdadeiro capital. As mulheres mais velhas não querem e não podem mais desperdiçar o próprio tempo. As mais jovens, ao contrário, se preocupam demais em querer agradar e cuidar de todo mundo, e acabam não tendo tempo para elas mesmas. Quando amadurecem, há uma mudança de foco, e o tempo para cuidar de si passa a ser prioridade. No entanto, para isso acontecer, essas mulheres tiveram que aprender algumas coisas...

A principal delas foi APRENDER A DIZER NÃO. Uma coisa que parece muito simples, mas não é. Na verdade, aprender a dizer não é uma verdadeira revolução para as mulheres, que desde muito cedo são ensinadas a serem muito solícitas e abnegadas, fazendo tudo o que estiver ao seu alcance para agradar aos demais. Além disso, elas também precisaram fazer uma verdadeira FAXINA EXISTENCIAL. Não no sentido de se desfazer de roupas ou cacarecos que não servem mais - isso também é importante, mas é o mais fácil. A faxina existencial que precisaram fazer foi tirar da vida todas aquelas pessoas que só faziam mal, só criticavam, só sugavam suas energias. Os chamados vampiros emocionais. Elas também aprenderam uma outra coisa muito importante. Como a própria Miriam Goldenberg disse: “elas aprenderam a ligar o botão do FODA-SE. Não é que ficam dizendo foda-se para todo mundo. Não é isso. Elas são muito elegantes”.  O foda-se a que ela se refere é, na verdade, uma atitude interna ou uma espécie de filosofia: é um não se preocupar, um não estar nem aí para o que os outros possam pensar ou dizer a respeito delas.  E isso, em se tratando de mulheres, tem um efeito verdadeiramente libertador!

Outro ponto bastante curioso sobre as mulheres que redescobriram  a felicidade, é a importância da amizade. Segundo elas, são as amigas que cuidam, escutam, conversam, levam ao médico e que telefonam todos os dias para saber como elas estão. Elas falaram muito mais das amigas do que dos maridos, filhos e netos. Quando perguntadas sobre quem cuidaria delas na velhice, responderam em primeiro lugar “eu mesma”, e, em segundo lugar, “minhas amigas”.

Por fim, essas mulheres finalmente aprenderam a rir e a brincar muito mais. 60% das mulheres mais jovens, que participaram da pesquisa, disseram que invejavam a capacidade masculina de rir de brincar de qualquer bobagem. Quanto perguntadas, então, porque não riam mais, a resposta era sempre “falta de tempo” ou “muito medo do que os outros vão pensar”. Assim, quando mais velhas, aprenderam a rir muito mais, especialmente rir de si mesmas!

Como disse uma médica de 65 anos: “não sei porque eu demorei tanto tempo pra descobrir uma coisa tão simples: que liberdade é a melhor rima pra felicidade! Minha receita para uma vida feliz é: ter um projeto de vida, não me preocupar com que os outros pensam, dizer não pra tudo o que eu não quero mais na minha vida e curtir as minhas amigas. Como médica eu posso garantir: rir muito, principalmente rir de si mesma, é sempre o melhor remédio!”.

Por que será que demoramos tanto tempo para descobrir uma coisa tão simples? 



Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS





Fonte: GOLDENBERG, Mirian. A Bela Velhice. Rio de Janeiro: Record, 2013.