domingo, 4 de setembro de 2016

Os Sonhos na Prática





Os sonhos nascem de uma extensa parte de nós mesmos que é psíquica e que não se identifica com a nossa consciência. Por isso é chamada de inconsciente. O inconsciente possui uma linguagem própria, ele se expressa através de imagens, metáforas e símbolos. É como se fosse uma língua estrangeira. Se quisermos aprender, teremos que dedicar nosso tempo para essa aprendizagem, afim de que possamos entender o novo vocabulário e sua “estrutura gramatical”. Na verdade, não são os sonhos que são obscuros, mas nossa compreensão dos mesmos. Eles se tornam claros, na medida em que aprendemos a sua linguagem.

Existem diferentes tipos de sonhos, e cada um é diferente em qualidade e intensidade. Muitos sonhos são “comuns”, apenas refletem e comentam os acontecimentos da vida diária. Separam os acontecimentos do dia anterior ou nos preparam para o dia seguinte. Outros refletem a nossa história de vida, trabalham uma ferida antiga, algum evento traumático ou procuram integrar o passado, relembrando-o e dando-lhe um sentido. Outros, porém, são de difícil compreensão, mesmo quando levamos em conta tudo o que se passou ou que se passa na nossa vida. São os sonhos provenientes do inconsciente coletivo e, por isso, são chamados de sonhos “arquetípicos”. Esse tipo de sonho é tão carregado de energia e simbolismo, que somos obrigados a prestar-lhes atenção. Eles transcendem a nossa experiência individual e nos tocam profundamente. Para compreende-los é preciso ter conhecimento técnico, pois os símbolos que aparecem nesses sonhos são de certa forma desconhecidos e encontram paralelos nas histórias mitológicas, contos de fada e simbolismo religioso. São, por exemplo, aqueles sonhos com catástrofes naturais, seres desconhecidos, extraterrestres e animais esquisitos. Esses sonhos podem acontecer em momentos críticos da nossa vida, nos chamando atenção para um desenvolvimento maior a ser atingido pela nossa personalidade. E há também os sonhos em que recebemos informações de coisas que ainda não aconteceram ou que nos põem em contato com algo que acontece com uma pessoa que está distante. Esses sonhos parecem ter por objetivo preparar-nos para alguma ação de importância crucial ou vital. Às vezes, os sonhos também podem estar relacionados com o nosso estado de saúde física.

Como os sonhos revelam a nossa mente inconsciente, as figuras que a aparecem nos mesmos personificam algum aspecto da nossa personalidade global. As pessoas do mesmo sexo do sonhador personificam a sua sombra. A sombra representa aqueles aspectos ou qualidades que nos pertencem, mas que rejeitamos ou não reconhecemos em nós e que, por isso, precisam ser integrados. Por outro lado, as figuras do sexo oposto ao do sonhador representam aquilo que Jung denominou de anima e animus, que são respectivamente as personificações das qualidades femininas no homem e a personificação das qualidades masculinas na mulher. Essas figuras trazem complicações significativas para o relacionamento entre os sexos e têm um importância crucial para o nosso desenvolvimento, pois somente quando entendidas de forma correta é que temos acesso as camadas mais profundas do nosso inconsciente. Os sonhos nos convidam a tomarmos consciência de todas essas figuras e a encontrar a maneira pela qual a vida contida nelas se expresse adequadamente.

Como um drama, o sonho possui muitas vezes cena de abertura, desenvolvimento e conclusão. A cena de abertura do sonho expõe o problema ou a situação a respeito da qual o sonho vai tratar e, para compreender o sonho é bom prestar especial atenção ao modo como o sonho começa, porque esse início prepara o palco para tudo o que se segue. Depois desenrola-se a ação, na qual a situação de abertura do sonho se transforma em história. Geralmente, à medida que o sonho se desenrola, algum dilema é apresentado. Na conclusão do sonho está a solução ou a pista para a solução. É o desatar do nó, a sugestão que o inconsciente nos oferece de como proceder para resolver a dificuldade. O final do sonho é muito importante, pois contém o aspecto que deve ser conscientizado.

Porém, nem todos os sonhos nos oferecem uma solução. Um exemplo claro são os pesadelos. Num pesadelo, a situação que produz tensão se desenvolve e cria cada vez mais ansiedade, chegando ao ponto de despertarmos aterrorizados. Uma das razões do pesadelo é o de não encontramos solução para o impasse produtor de ansiedade no sonho. Nos pesadelos existe uma grande tensão entre a nossa atitude consciente e o inconsciente, como eles estivessem em desacordo. Eles são extremamente importantes. São como que eletrochoques que a natureza nos aplica quando quer que despertemos. O ponto do sonho em que acordamos é o choque através do qual o inconsciente diz: “É isso, preste atenção nisso!”. De alguma forma, não estamos dando a devida atenção para algum problema que é psicologicamente urgente.

Existe também o que se poderia falar de um padrão geral dos sonhos. Normalmente, na primeira metade da vida, os sonhos se referem mais a uma adaptação dinâmica à vida exterior, terrena, material. Na segunda, em geral, começam a dirigir a pessoa a recolher-se e a desenvolver uma certa sabedoria ou insight sobre o que está por trás da vida aparente. Os últimos sonhos de pessoas à beira da morte são claramente uma preparação para o que está por vir. Não abordam a morte de uma forma concreta, mas falam de uma transformação ou passagem para um outro estágio ou nível.

Enfim, nós não sabemos de onde viemos, nem o porque de estarmos aqui e tampouco sabemos para onde vamos. Todos nós fazemos parte desse grande mistério que é a existência. No entanto, os sonhos nos mostram que parece haver uma força diretriz, um padrão dominante que organiza a vida interior, que Jung deu o nome de Self. Nossa vida interior não é um fenômeno caótico e casual como muitos pensam, ao contrário, ela tem um centro e uma finalidade.

O desenvolvimento humano assemelha-se a uma árvore que para crescer deve possuir raízes muito firmes na terra. E o problema do nosso tempo é estarmos como árvores sem raízes. Nossas raízes não atingem a profundidade suficiente para extrair o alimento com o qual crescemos em direção ao domínio do espírito. Os sonhos são raízes que atingem as profundezas da alma e ajudam o fluxo da energia para o crescimento e desenvolvimento que nos são possíveis. Por isso, preste atenção nos seus sonhos!



Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS



Fontes: HALL, James A. Jung e a Interpretação dos Sonhos: manual de teoria e prática. São Paulo: Cultrix, 2007. SANFORD, John A. Os Sonhos e A Cura da Alma. São Paulo: Edições Paulinas, 1988. BOA, Fraser, VON FRANZ, Marie Louise. O Caminho dos Sonhos. São Paulo: Cultrix, 2007.



  



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