segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

THE DARK SIDE OF THE MOON - A Obra-prima do Pink Floyd segundo a Psicologia Junguiana (parte 1)

O psicólogo Fábio Massao Yabuschita, formado pela Universidade Federal do Paraná e especialista em Saúde Mental, escreveu um livro muito interessante chamado THE DARK SIDE OF THE MOON - A Obra-prima do Pink Floyd segundo a Psicologia Junguiana (ed. Dracaena). O livro faz uma análise psicológica de um dos mais importantes discos de todos os tempos, o antológico The Dark Side of Moon, da banda inglesa Pink Floyd.


Fundamentado na psicologia de C.G. Jung, o livro mostra o disco de uma forma diferente, buscando desvelar o sentido do lado oculto da Lua e seu significado no contexto da obra, enquanto expressão dos dramas e conflitos que afligem o homem contemporâneo.

A partir da leitura que fiz, elaborei diversos textos resumidos e adaptados dos capítulos que compõem o livro. Eles serão publicados em sequência aqui no blog. Então, se você é amante do Pink Floyd e quer se aprofundar um pouco mais, não perca! 

A seguir, vamos começar com um panorama geral, conhecendo um pouco da história do Pink Floyd e também do The Dark Side of the Moon, a partir deste ponto de vista psicológico.



O Pink Floyd




Quando Jung morreu em 1961, os membros do Pink Floyd ainda eram jovens adolescentes, e talvez não imaginassem que em pouco tempo formariam uma banda de rock que se tornaria uma das mais importantes e influentes de todos os tempos.

Isso aconteceu em Londres, em 1965, quando Syd Barret juntou-se a Rogers Waters, Nick Mason e Richard Wright para formarem o Pink Floyd, numa época de efervescência cultural e profundas transformações pelo mundo, que atingiram seu ápice no final dos anos 60, coincidindo coma chegada do homem à Lua.

Considerada uma banda inovadora, reconhecida pela magnitude de sua obra, o Pink Floyd sempre abordou temas nada convencionais para o cenário musical, como a loucura e a insanidade.

Em 67, o grupo lançou seu primeiro disco, The Piper at the Gates of Dawn, tendo como mentor criativo o então guitarrista Syd Barret, que em pouco tempo deixaria a banda devido a problemas mentais, possivelmente esquizofrenia. Em 68 Syd Barret foi substituído definitivamente por David Gilmour. Porém, mesmo afastado, seria lembrado e homenageado pelos colegas em discos posteriores. The Dark Side of the Moon é um exemplo disso.

Nos anos 70, o Pink Floyd produziu álbuns antológicos, como The Wall, desenvolvendo temas de matizes psicológicas e existenciais. Como poucas vezes se viu, a natureza humana, com todos os seus conflitos e angústias, foi abordada na esfera do rock.

O êxito alcançado pelos seus discos foi surpreendente, alcançando patamares incontestáveis.

Porém, em 86, Roger Waters, seu principal compositor deixou o grupo. Com David Gilmour à frente, o Pink Floyd ainda gravaria mais dois discos.

Em 2006, após uma vida reclusa e devotada à pintura, Syd Barret morreu. Dois anos depois, em 2008, foi Richard Wright que nos surpreendeu com sua partida.

Mesmo sem um anúncio oficial, somos levados a acreditar que tudo acabou. Como “a fumaça de um barco distante no horizonte”, o Pink Floyd já não existe mais...



O The Dark Side of the Moon

O disco lançado em 1973 é considerado inovador em vários aspectos, se constituindo como uma verdadeira obra-prima do gênero. The Dark Side of the Moon se enquadra naquilo que ficou conhecido como ‘álbum conceitual’, formato de disco que aborda temas específicos através de músicas que se relacionam entre si, lhe conferindo unidade e coerência temática. Suas letras foram escritas por Roger Waters que procurou abordar temas atuais e universais presentes no imaginário do homem moderno. Nas palavras dele:




The Dark Side of the Moon tem como tema central a loucura e tudo aquilo que de algum modo se relaciona a ela, como a alienação, a ambição e a violência. Em termos psicológicos, todas essas experiências são vivenciadas através do inconsciente, instância psíquica relacionada ao simbólico e ao criativo, mas que, ao ser ignorado ou desprezado como algo inferior ou sem importância, assume as feições do medo ou de um vazio perturbador. Essa é a face oculta da Lua, o outro lado do inconsciente que se manifesta nas mais variadas formas de insanidade.

A Lua é símbolo do inconsciente, princípio e origem das experiências primordiais, e também uma imagem do feminino e de tudo aquilo que está relacionado ao irracional e ao desconhecido. Esses elementos se tornam a fonte dos sentimentos místicos e religiosos, a raiz dos sonhos reveladores e das experiências emocionais que conferem sentido à vida humana.

O seu pólo oposto é o Sol, a imagem do masculino, que representa o eu e a razão, a clareza e tudo aquilo que há de consciente e lógico no ser humano.

Assim, a vida em sua completude e totalidade deveria contemplar e equilibrar ambos os aspectos: buscar o equilíbrio entre a razão e a emoção, o masculino e o feminino, o dia e a noite, o bem e o mal, o subjetivo e o objetivo. Ou seja, buscar simbolicamente a união entre o Sol e a Lua.



Ocorre, porém, que a excessiva valorização da racionalidade e do ego pensante levou ao progressivo distanciamento do inconsciente, que foi relegado às sombras. A possibilidade de um desejável equilíbrio entre luz e trevas foi ofuscada pelo brilho intenso de uma consciência unilateral que favoreceu o materialismo e a visão egocêntrica do mundo.

A reação a este processo foi a irrupção e manifestação do inconsciente em seu aspecto potencialmente destrutivo e ameaçador, a exemplo do que ocorre nas guerras e psicopatologias do mundo moderno. Esta é a visão terrificante do lado oculto da Lua, as nuvens famintas que se movem nas profundezas.





Por Melissa Samrsla Brendler
CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS



Fonte: Yabuschita, Fábio Massao. The Dark Side of The Moon, a obra-prima do Pink Floyd segundo a Psicologia Junguiana. Editora Dracaena.

sábado, 19 de dezembro de 2015

Desenvolvendo a Espiritualidade Genuína





Atualmente existem muitas maneiras de participar de práticas espirituais. No entanto, o percurso correto no desenvolvimento espiritual genuíno é um processo muito sutil. Existem numerosos desvios, obstáculos e preconceitos que nos levam a uma distorção egocentrada da espiritualidade: podemos nos iludir imaginando que estamos nos desenvolvendo espiritualmente, quando, na verdade, estamos apenas reforçando nosso egocentrismo por meio das técnicas espirituais.

Sempre precisamos parar para questionar a natureza de nossa busca. Muitas pessoas realizam práticas espirituais, como meditação, Yoga, círculos de masculino/feminino, retiros, imersões, leitura e reflexão ou usar ferramentas, como cristais, tarô, entre outros, na intenção de que ao usar estas ferramentas estarão trilhando o caminho espiritual. Os ensinamentos e as práticas são tratados como algo externo, uma filosofia que procuram copiar no sentido de suprir o vazio que sentem em seu interior.

É importante lembrar que a espiritualidade não está nas ferramentas e nem nos métodos, mas dentro de nós. O desenvolvimento da espiritualidade genuína começa, sobretudo, pelo autoconhecimento e pelo autocuidado. Começa pela capacidade de sermos gentis e pacientes com nós mesmos e de prestarmos atenção aos aspectos internos que precisam ser curados e transformados.

Nesse sentido, muitas pessoas buscam um alinhamento com a Verdade e procuram na espiritualidade uma maneira de se separar de mentiras, equívocos ou percepções que limitam sua felicidade e sua saúde. No entanto, muitas vezes somos desonestos sobre nossas necessidades emocionais e psicológicas.  Para experimentar e incorporar a verdadeira espiritualidade, temos que ser totalmente honestos com nós mesmos, sobre onde estamos, o que sentimos, o que precisamos e o que acreditamos. Precisamos encontrar e afirmar a nossa verdade, antes de qualquer outra coisa.

Muitas pessoas também buscam desenvolver a espiritualidade como forma de obterem mais paz e tranqüilidade internas, como se estes estados fossem apenas alcançados e vivenciados dentro de nós. Porém, nossos hábitos e ações afetam outras pessoas, outros seres e todo o planeta. É importante termos consciência de que muitos hábitos que seguimos e aceitamos não são pacíficos, mas violentos. Viver em paz requer criar efetivamente um mundo de paz, através da mudança ativa das nossas atitudes, dos nossos hábitos. Precisamos refletir, a todo momento, se nossas escolhas estão contribuindo para fazer do mundo um lugar melhor ou pior para se viver.

Nesse sentido, o principal obstáculo que nos impede de criar uma vida melhor, de sermos pessoas melhores e de fazermos do mundo um lugar melhor para se viver é o medo. O medo da mudança, o medo do julgamento alheio, o medo de não conseguir, entre outros tantos medos. O medo faz parte de todo e qualquer processo de transformação, pois o ego quer segurança e luta para manter um senso de eu sólido e contínuo. Assim, não devemos permitir ser limitados ou controlados pelo nosso ego ou por nossos medos. Precisamos aceita-los e enfrenta-los, pois “tudo aquilo que queremos está do outro lado do medo” (Jack Canfield). 

O caminho para a espiritualidade genuína também passa por libertar a nossa imaginação. Todos nós possuímos uma imaginação viva, colorida, fantástica e poderosa que foi sendo reprimida ao longo dos anos devido à pressão para nos adaptarmos e nos conformarmos com um mundo doente. A imaginação é a base da criatividade. Nada mais saudável, portanto, do que ter uma imaginação livre, que nos permite sonhar e criar uma vida mais plena de significado. Precisamos deixar que a nossa imaginação nos leve a novos lugares ainda não explorados, tanto fora quanto dentro de nós mesmos.

Por fim, a ideia de que o caminho para o desenvolvimento da espiritualidade tem que ser rígido, difícil, rigoroso ou chato não é verdade. A espiritualidade genuína é libertadora, pois pressupõe que sejamos nós mesmos. Precisamos lembrar que todos os gurus, professores, ferramentas e práticas espirituais servem para agregar valor ao nosso crescimento, mas a chave para a verdadeira transformação está dentro de nós. E esta transformação pode acontecer, inclusive, bem distante daquilo que é tradicionalmente oferecido como sendo "O" caminho.




Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS





Referências: 
JANUS, Erin. 5 Aspectos Importantes da Verdadeira Espiritualidade. Disponível em despertarcoletivo.com/5-aspectos-importantes-da-verdadeira-espiritualidade/
TRUNGPA, Chogyam. Além do Materialismo Espiritual. 2AB Editora, 2016.


A Grande Teia da Vida




       Cada vez mais é consenso na ciência de que todas as coisas do Universo estão profundamente relacionadas umas com as outras. Existem certos fatos, já familiares à ciência, principalmente à Física Quântica, que podem dar origem a uma espécie de espiritualidade. São descobertas significativas que nos recordam que fazemos parte de um grande todo, do qual somos inseparáveis. Elas reforçam a idéia de que a velha distinção homem versus natureza não faz sentido algum.

A frase que se tornou famosa pelo astrônomo Carl Sagan “Somos todos poeira das estrelas”, por exemplo, significa basicamente que todos os elementos que formam os seres humanos, os vegetais, as rochas e tudo o mais que existe no planeta foram formados há bilhões de anos, durante a explosão de estrelas a anos luz de distância daqui. Nesse sentido, nós não surgimos neste Universo e neste planeta ao acaso. Todos nós viemos de um útero comum de onde vieram também todas as outras coisas.

Além do mais, os átomos do nosso corpo já pertenceram a outros seres vivos. Como se diz: “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Os átomos que existem no planeta sempre estiveram aqui, desde o começo, e foram passando por incontáveis ciclos químicos e biológicos. Isso quer dizer, por exemplo, que os átomos que compõem o seu corpo podem ter feito parte de um dinossauro no passado, ou de uma árvore, uma pedra, ou até mesmo de outros seres humanos.

Assim, toda a vida na terra tem certo grau de parentesco. Nos primórdios da vida, o único ser que existia se resumia a um organismo unicelular que, ao longo de bilhões de anos de evolução, foi se diferenciando e se adaptando aos diferentes ambientes, formando milhares de espécies diferentes. Mas, por mais distintas que pareçam, todas as espécies têm um ancestral comum em algum momento.

Os vegetais e os animais, aqui incluindo os seres humanos, mantém uma relação de interdependência. As árvores são complexas fábricas naturais que sintetizam o gás carbônico, eliminando o oxigênio. No nosso caso, é ao contrário, nós respiramos o oxigênio e expelimos o gás carbônico. Podemos dizer então que animais e plantas se complementam quimicamente. Além do mais, não só o nosso corpo, mas o corpo de todos os seres vivos do planeta, foi perfeitamente moldado para viver no meio ambiente da Terra e todos, sem exceção, mantém uma relação de interdependência.

        E o mais surpreendente. Os físicos quânticos descobriram que não existem objetos sólidos. A sensação que você tem quando toca qualquer coisa e sente de forma clara que se trata de algo sólido e palpável não passa de uma ilusão dos seus sentidos. Na verdade, são apenas as nuvens de elétrons da sua pele interagindo com as nuvens de elétrons do objeto. A única coisa sólida é o núcleo dos átomos, mas eles jamais se tocam. O restante é formado inteiramente de vazio. Então, se parássemos para observar a realidade num nível subatômico, veríamos que não existe divisão entre nós e todas as outras formas do Universo. Somos todos parte de uma grande teia. A Teia da Vida.



Isto sabemos
Todas as coisas estão ligadas
Como o sangue
Que une uma família...

Tudo o que acontece com a Terra,
Acontece com os filhos da Terra.
O homem não tece a teia da vida;
Ele é apenas um fio.
Tudo o que faz à teia,
Ele faz a si mesmo.

(Ted Perry, inspirado no Chefe Seattle
- parte integrante do Livro
A Teia da Vida de Fritjof Capra)





Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS


*Texto baseado na matéria “7 fatos que provam que você e o cosmos estão intimamente conectados” publicado originalmente na Revista Galileu.



O que é Espiritualidade?





Fazemos parte de uma cultura que é extremamente materialista, racionalista e voltada para o “fazer” e “acontecer” o tempo todo, o que nos estimula constantemente a subestimar tudo aquilo que é voltado para o nosso mundo interior. O drama atual, e também a conseqüência, é que perdemos a nossa capacidade de viver um sentimento de conexão com nós mesmos e também com tudo aquilo nos cerca. Perdemos contato com aquela dimensão em nós que coloca as questões mais profundas e fundamentais da nossa vida: de onde viemos e para onde vamos, o que estamos fazendo aqui, qual é o sentido de estarmos nessa vida.

Por outro lado, as religiões, as convicções e as verdades que dirigiram a nossa sociedade por um longo tempo, e que proporcionavam um espaço para a vivência de todos essas questões, envelheceram e se tornaram sistemas petrificados. Atualmente, não encontramos mais nada que as possa substituir. A maioria de nós sente como se vivesse uma vida robótica, desprovida de um significado maior. Trabalhamos, comemos, dormimos, passeamos, mas lá no fundo de nossas almas não nos sentimos realmente vivos. Então, buscamos anestesiar o nosso vazio existencial de diversas formas, através do consumo, por exemplo. Hábitos e atitudes que estão destruindo o Planeta em que vivemos. Esse é o cenário e também o drama no qual todos nos encontramos, e é por isso que muitas pessoas hoje em dia, entre outras coisas, têm buscado desenvolver sua espiritualidade.

Carl Gustav Jung foi um dos poucos estudiosos da alma humana que deu valor e importância ao desenvolvimento da espiritualidade. Ele observou na sua prática clínica que todos os seus clientes, em última instância, estavam doentes por terem perdido aquilo que a religião sempre deu. E nenhum se curou realmente sem recobrar a atitude religiosa diante da vida. Religiosa não no sentido de aderir a uma crença em particular, ou tornar-se membro de alguma igreja, mas no sentido de re-ligar, integrar novamente a dimensão espiritual.

Hoje, mais do que nunca, as pessoas estão desconectadas da Terra e do sentimento de união com todas as coisas e, portanto, sem espiritualidade. A função principal da espiritualidade é nos religar a tudo que existe ao nosso redor e também à fonte misteriosa de vida que existe dentro de todos nós. Jung deu o nome de Self para este centro interior, mas outros também têm chamado de Eu Superior, Criança Interior ou até mesmo Deus.

Há de se pensar em se tratar de algo mágico, místico ou esotérico, mas não. Na verdade, desenvolver a espiritualidade tem a ver com o resgate e o cultivo de todos os valores não materiais, com energias que são altamente positivas como confiar, amar, abrir-se aos demais, ser capaz de perdoar, sentir empatia, gratidão, compaixão, solidariedade, e a capacidade de se indignar com as injustiças deste mundo.

Nesse sentido, precisamos entender que espiritualidade é diferente de religião. Elas se complementam, mas não se confundem. A espiritualidade existe desde que o homem surgiu na natureza, não é uma institucionalização. É livre e criativa e nela predomina a voz interior, a sabedoria que cada um carrega dentro de si. Por isso, ela passa pela vivência e pelo autoconhecimento, e pressupõe a tolerância com o diferente. Também tem a ver com aprender com os próprios erros. Promove perguntas e não respostas. Nos faz transcender o nosso próprio ego e a valorizar tudo aquilo que promove a vida e o bem. Espiritualidade é meditação, experiência, cuidado, e nos ensina a amar o próximo e a natureza. O tal sentimento de conexão.

A Terra está doente porque nós estamos doentes. Na medida em que nos transformarmos, transformaremos também a Terra. Assim, desenvolver a espiritualidade, ou seja esse sentimento de conexão com nós mesmos e com tudo aquilo que nos cerca, é um dos poucos caminhos, se não o único, que pode nos levar para fora da atual crise em que nos encontramos e inaugurar uma nova era, uma nova fase da Humanidade, mais integrada com o todo, mais harmônica, e, portanto, mais espiritual.



Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS








Fontes: BETTO, Frei. Espiritualidade e Religião. Coluna publicada no jornal O Globo em 08.05.2014 (http://oglobo.globo.com/sociedade/espiritualidade-religiao-12415633); BOFF, Leonardo. C. G. Jung e o Mundo Espiritual. (www.leonardoboff.com/site/vista/2009/nov06.htm); MOURÃO. Hellen Reis. A Busca da Sentido. Café com Jung (cafecomjung.blogspot.com.br); TRUNGPA, Chögyam. Além do Materialismo Espiritual. São Paulo: Cultrix, 2008. 


domingo, 13 de dezembro de 2015

A Generosidade do Silêncio




        Eu sempre gostei do silêncio. Quando consigo ficar sozinha em casa procuro não ligar a TV e nem o som. Gosto de apreciar, de estar atenta a tudo que passa, tanto externamente quanto internamente dentro de mim: os pássaros cantando lá fora, o som do vento batendo nas árvores, os cachorros latindo, a cidade acontecendo e os meus pensamentos, sentimentos e emoções, participando ou não de tudo isso, marcando ali a sua presença.

O silêncio, ao invés do que muitos podem pensar, não me aliena do mundo. Ao contrário, me leva a mergulhar no meu mundo interior e me conecta ainda mais com o mundo exterior. As opiniões dos outros, os acontecimentos, as demandas do dia-a-dia, minhas dúvidas e conflitos pessoais, tudo neste momento encontra o seu lugar, se dissolve, se organiza, se renova. O silêncio é uma necessidade que me ajuda a não ser levada pela correnteza deste mundo caótico.

Talvez, em função disso, tenho observado a dificuldade que as pessoas têm de lidar com o silêncio. Principalmente em um encontro, em uma conversa. As pessoas falam, e falam muito. Poucas são aquelas que realmente procuram escutar a voz do outro, ou o que o outro tem a dizer. E de forma angustiante, ansiosa, falam muito sobre si mesmos.

Não sei se é porque eu aprendi a gostar do silêncio, ou talvez por causa da profissão que escolhi, mas acredito que mais importante do que saber falar é saber escutar. Escutar, na verdade é um grande desafio. Escutar não é o mesmo que ouvir. É mais que ouvir. Escutar é silenciar. É ir ao encontro incondicional do outro, sem defesas, e estar aberto ao aprendizado que este outro pode me trazer.

O problema é que nesse mundo barulhento em que vivemos, voltado o tempo todo para as coisas exteriores, somos quase que pressionados a falar. Quem não fala incomoda. E então falamos. O tempo todo! Não escutamos e nem somos escutados. Nos tornamos solitários, porque estamos demais centrados em nós mesmos, preocupados em apenas falar e não escutar.

Mas porque o silêncio incomoda tanto? Por que ele é tão ameaçador? Por que precisamos estar o tempo todo preenchendo nosso mundo exterior e interior com tanta fala, com tanto ruído e com tantas tarefas?

Quem experimenta sabe: o silêncio fala sobre nós. O silêncio nos coloca em uma posição passiva em relação ao outro e a nós mesmos, e nos expõe a possibilidade de sermos surpreendidos e abalados por aquilo que o outro diz e, também, por aquilo que encontramos dentro de nós. O silêncio nos arrisca a contemplar o desconhecido, o novo, o vazio. O silêncio nos despe de nossos preconceitos, de nossas verdades absolutas, de nossas certezas, e talvez nos faça abrir mão de algumas delas. O silêncio nos incita ao movimento. Está aí a dificuldade.

Silenciar, na verdade é se entregar. Se entregar ao outro e se entregar a si mesmo. E o que é a entrega se não um profundo ato de coragem, de renúncia, de desapego e liberdade? 
Quantos de nós estamos realmente dispostos?

Fica a pergunta e também o meu desejo pessoal.

         Pratiquemos todos a generosidade que o silêncio nos propõe.



Por Melissa Samrsla Brendler


* Texto especialmente produzido para o Programa Psicodrops, que vai ao ar todas as terças e quintas-feiras, às 19 horas, na Rádio Mutante. 



*Inspirado no artigo "Por que as pessoas falam tanto?" de Eliane Brum, jornalista e colunista da Revista Época.


O Problema de Tentar Agradar Todo Mundo



        Muitas vezes achamos difícil entender a nós mesmos, mas com certa facilidade saímos por aí a decifrar, julgar e falar mal das experiências e sentimentos dos outros. Por outro lado, quantos de nós já nos sentimos feridos pelas críticas e julgamentos alheios?

         O hábito de falar mal dos outros é tão normal que na maioria das vezes não paramos para pensar o quanto essa atitude pode prejudicar a vida das pessoas, não só daquele que é criticado, mas também daquele que critica e daquele que ouve passivamente a critica sobre os outros.

No entanto, se pararmos para pensar e observar mais cuidadosamente, veremos que muito daquilo que as pessoas pensam e falam de nós ou dos outros a nossa volta reflete muito mais uma realidade interna da própria pessoa que critica do que daquela que é criticada. De forma geral, essas pessoas estão infelizes consigo mesmas ou com algum aspecto de suas vidas, são ou estão inseguras em relação à si mesmas e/ou nutrem sentimentos de baixa autoestima. Assim, projetam suas dificuldades emocionais sobre os outros para se sentirem aliviadas. Falar mal do outro disfarça e tira o foco dos nossos próprios defeitos e atitudes condenáveis que agora passam a pertencer ao outro.


“Não se deve esquecer a seguinte regra: o inconsciente de uma pessoa, isto é, aquilo que alguém não vê em si mesmo, passa a censurar no outro. Isso tem uma validade geral tão impressionante, que seria bom se todos, antes de criticar os outros, se sentassem e ponderassem cuidadosamente se a carapuça que querem enfiar na cabeça do outro não é aquela que se ajusta perfeitamente a eles”.
Carl Gustav Jung




É importante termos a consciência desse fato, pois ao desenvolvermos esta compreensão, não vamos mais permitir que a opinião dos outros influencie de forma negativa o nosso dia-a-dia. Para tanto, também é preciso um esforço de nossa parte no sentido de desenvolver a consciência sobre quem de fato nós somos, sobre nossas capacidades, nossos valores e nossas convicções, reforçando e desenvolvendo nossa autoestima e nossa autoconfiança. A chave para conseguir isso é o autoconhecimento! O investimento em si próprio.

Quando não nos conhecemos de verdade, nos sentimos inseguros em relação a quem somos, ao que acreditamos ou às escolhas que fazemos e assim, as críticas e opiniões alheias passam a ter um peso muito grande na nossa vida. É claro, que em certa medida, nós podemos considerar e ponderar o que o outro tem a dizer. Mas, se passarmos a viver de acordo com o que os outros pensam ou falam de nós vamos perder nossa identidade, negar nossa personalidade e nossa história, que é única e excepcional. Perderemos muito tempo e energia usando máscaras que só vão refletir no espelho nossa insegurança, nossa falta de autoestima e autoconhecimento.


Conta uma história que uma vez um homem e sua esposa estavam a viajar com o seu burro. Ao passarem por uma cidade vizinha foram duramente criticados:
“- Que crueldade! Dois a andar sobre um pobre burro!”. Gritou um rapaz.
A mulher prontamente desceu do burro e pôs-se a caminhar ao lado dos dois.
Na próxima cidade, passaram por dois amigos que estavam conversando. Logo vieram as críticas:
“- Egoísta! Deixa a esposa caminhar a pé enquanto ele vai no burro.” Disse um deles.
O marido decide então descer do burro e dar o seu lugar para a esposa. Seguem seu caminho. Mais adiante passaram por duas senhoras que estavam conversando. Uma delas retrucou:
“- Que cara estúpido! Vai a pé enquanto a mulher vai folgada no burro!”
A mulher, já cansada de tantas críticas, desce e passa a caminhar com o marido ao lado do burro. Enfim, chegam ao seu destino, e lá encontram o prefeito que diz:
“- Povo Ignorante! Andam a pé e nem sabem montar em um burro!”




Acredito que esta pequena história reflete muito bem o problema de levarmos demais em consideração as críticas e julgamentos dos outros. Ao tentarmos agradar todo mundo esquecemos o mais importante que é tentar agradar a gente mesmo!

Não importa o que você faça, sempre haverá alguém que interpretará seus atos de forma errada e projetará sobre você suas dificuldades pessoais. Então, procure viver de acordo com sua verdade, seus sentimentos e seus valores, pois você sempre estará fazendo aquilo que é certo pra você!


Nós não temos que justificar nosso direito de existir. A melhor estratégia é sempre defender o direito de ser quem somos, sem vergonha e sem pedir desculpas pelos nossos próprios sentimentos e experiências.



Por Melissa Samrsla Brendler
Psicóloga - CRP 07/13831
Atende em Porto Alegre/RS 






terça-feira, 8 de dezembro de 2015

O Casamento do Sol com a Lua (parte 3)

O Mito do Andrógino


"Enquanto não superarmos a ânsia do amor sem limites, 
não podemos crescer emocionalmente.
 Enquanto não atravessarmos a dor de nossa própria solidão, 
continuaremos a nos buscar em outras metades.
 Para viver a dois, antes, é necessário ser um." 

— Fernando Pessoa







Conta-nos o mito que no inicio o homem e a mulher eram um só no mesmo corpo e possuíam qualidades extraordinárias. Platão nos narra o mito sobre os seres primordiais que eram redondos, possuíam quatro pernas e quatro braços e uma cabeça com duas faces, cada uma olhando para um lado. Esse ser esférico possuía tal poder e inteligência que despertou o medo e a inveja dos deuses. E eles foram cortados em dois para que o seu poder fosse diminuído. O ser Andrógino original foi cortado em duas metades, uma feminina e outra masculina. E até hoje as duas partes procuram se reunir.



O símbolo do Andrógino adquire uma importância muito grande neste momento em que o homem e a mulher passam por um processo de transformação. O andrógino é o símbolo adequado para a compreensão da necessidade que o ser humano tem de viver de forma mais harmoniosa e mais total. As crises nos relacionamentos nada mais são do que o reflexo da crise em que se encontra o próprio ser humano.

O equilíbrio depende deste casamento interno entre masculino e feminino, que são a representação simbólica de todos os opostos que constituem a vida. Quando pudermos viver o símbolo do Andrógino dentro de nós, a relação entre o homem e a mulher será mais rica e criativa. Quando o sol permitir que a lua também mostre o seu brilho, que tem uma dimensão diferente da sua, haverá o encontro tão esperado.



Ser um homem feminino 
não fere o meu lado masculino

se Deus é menina e menino 
sou masculino e feminino

Olhei tudo que aprendi

e um belo dia eu vi

Que ser um homem feminino

não fere o meu lado masculino


Vou assim, todo o tempo
vivendo e aprendendo


e vem de lá
o meu sentimento de ser 
meu coração
mensageiro vem me dizer 

(Masculino e Feminino - Pepeu Gomes)





Por Melissa S. Brendler





Ref: Cavalcanti, Raissa. O Casamento do Sol com a Lua. Cultrix: São Paulo,1990.

O Casamento do Sol com a Lua (parte 2)

O Homem, a Mulher e o resgate do Princípio Feminino.






O homem e a mulher são regidos por princípios internos diferentes. Jung ensinou que a mulher é feminina na sua consciência e masculina no seu inconsciente, enquanto o homem é masculino na sua consciência e feminino no seu inconsciente. Anima seria nome do componente feminino numa personalidade de homem e Animus o nome do componente masculino numa personalidade de mulher. Eles personificam a minoria de genes femininos ou masculinos existentes dentro de nós. O ego, na sua evolução psicológica habitual, identifica-se com a qualidade masculina ou feminina do corpo e, assim, a outra parte se transforma numa função inconsciente. O reconhecimento desses dois princípios básicos que regem o interior do psiquismo humano é necessário para que possa haver a diferenciação e o encontro criativo com o outro.

No entanto, a orientação da cultura do Ocidente tomou uma direção exacerbadamente masculina, em desfavor do princípio feminino. É, antes de tudo, o feminino que precisa ser resgatado como elemento necessário para o melhor equilíbrio na vivência psíquica do homem e da mulher. O diálogo entre o Sol e a Lua precisa existir dentro de cada um para uma percepção mais rica da realidade. A unilateralidade nos enrijece e sempre traz prejuízo para a nossa compreensão da realidade.

Tanto o homem como a mulher perderam contato com o princípio feminino. Para o homem este fato trouxe a unilateralidade da sua vivência psíquica, que o coloca como um ser em desequilíbrio permanente. A mulher, na tentativa de adaptação a um mundo com uma consciência estritamente masculina, procura se assemelhar ao homem, perdendo a sua identidade psíquica mais profunda.

O reconhecimento do princípio feminino, portanto, é da máxima importância, tanto para o homem como para a mulher. Através do diálogo com esse princípio que rege o inconsciente do homem, ele poderá aprender a se relacionar de forma mais harmoniosa consigo mesmo e com a mulher. A mulher, reconhecendo o seu direito de viver a sua própria feminilidade, não precisará mais se identificar com o homem. Ela buscará a sua identidade em si mesma, e afirmará esta como uma consciência feminina.

A diferenciação e a afirmação do feminino possibilitará um melhor encontro entre o homem e a mulher. O diálogo interno entre o masculino e o feminino abre um espaço maior para as relações interpessoais e para um melhor autoconhecimento.

A Lua precisa ressurgir no céu da nossa alma para que possa ser realizado o casamento interno. Só com a sua volta do exílio que o Sol poderá reconhecer a sua mais antiga noiva. O casamento do Sol com a Lua é o evento mais importante que precisa acontecer neste momento. É este fato que influenciará as mudanças e as transformações em todas as dimensões da vida humana.


O reaparecimento dos valores femininos, dentro de uma cultura que reprimiu essa polaridade, tem uma importância muito grande para o seu equilíbrio psicológico. Para isso, é preciso olhar os valores lunares com olhos livres de preconceitos, pois até então, a definição da polaridade feminina tem sido feita segundo a ótica do patriarcado, que a distorce e a discrimina.



Um dia
Vivi a ilusão de que ser homem bastaria

Que o mundo masculino tudo me daria

Do que eu quisesse ter



Que nada

Minha porção mulher, que até então se resguardara

É a porção melhor que trago em mim agora

É a que me faz viver

(Super-Homem - A Canção



Por Melissa S. Brendler


* Texto especialmente produzido para o Programa Psicodrops, que vai ao ar todas as terças e quintas-feiras, às 19 horas, na Rádio Mutante. 


Fonte: Cavalcanti, Raissa. O Casamento do Sol com a Lua. Cultrix: São Paulo,1990.